quarta-feira, 8 de novembro de 2023

A (ir)responsabilidade ambiental da Rússia e a Rota do Ártico

 Jorge Costa Oliveira*

De acordo com a um artigo publicado na edição de 14 de dezembro de 2021 da revista Science, o Ártico está a aquecer quatro vezes mais depressa do que o resto do mundo. Vários estudos científicos, incluindo um publicado a 11 de agosto de 2022 na revista Comunications Earth & Environment, e outros mencionados num artigo publicado na edição de 12 de agosto de 2022 da revista Scientific American confirmam a mesma conclusão. Aparentemente, este aquecimento acelerado do Ártico, com maior incidência acima do Círculo Ártico, deve-se, essencialmente, a processos físicos, de entre os quais cumpre salientar o degelo de grandes áreas até agora cobertas de gelo, incluindo o permafrost, que cobre c. 65% do território russo.

Durante muito tempo, o presidente Putin foi um dos principais céticos da relevância dos seres humanos nas mudanças climáticas do mundo, tendo também chegado a sugerir que o aquecimento global podia criar novas oportunidades económicas para a Rússia. Todavia, em 2019, a liderança russa assumiu o combate ao aquecimento global, embora em termos muito limitados. Mas a legislação proposta foi subvertida pelos lobbies económicos, consagrando disposições fracas em matéria de comunicação das emissões e de sanções para os poluidores, além da eliminação de um regime nacional de comércio de licenças de emissão; e com a chico-espertice de ter usado 1990 como referência - quando [a então URSS] emitiu quase 2,4 mil milhões de toneladas de carbono - pelo que a Rússia pode aumentar as suas emissões na próxima década e ainda cumprir a sua meta de redução de 30%... Se os desastres ambientais decorrentes de alterações climáticas, máxime pelo desaparecimento do permafrost - danos significativos a povoamentos humanos e às principais infraestruturas energéticas e de transporte, libertação de gases com efeito de estufa armazenados há muito tempo (como o metano), incêndios florestais, poluição local - alimentarem protestos populares e aumentarem as tensões entre os governadores regionais e Moscovo, talvez essa posição seja revista. Mas a ganância económica relativa ao acesso a terra libertada pelo degelo do permafrost - seja para produção cerealífera, seja para exploração de minérios para produção de metais preciosos ou críticos - vai provavelmente continuar a conduzir a política ambiental russa. Além disso, uma significativa redução global da procura de petróleo e gás natural (que funcionasse como um catalisador para mudanças de políticas ambientais na Rússia) é improvável nas próximas 2 - 3 décadas.

Por último, a navegabilidade do Oceano Ártico resultante do seu degelo acelerado permitirá que grandes navios cargueiros utilizem essa Rota do Ártico, que pode reduzir o tempo de viagem entre o Extremo Oriente e a Europa em 40%, em comparação com a rota pelo Canal de Suez. Um navio porta-contentores da China pode levar cerca de 34-40 dias para chegar a Roterdão, o principal porto europeu. Em contraste, a Rota do Ártico pode demorar em torno de 23 dias para o mesmo destino. As autoridades russas acreditam que a rota pode ser viável em 2035. Em bom rigor, a Rota do Ártico será viável tanto mais cedo quanto mais depressa ocorrer o degelo do Oceano Ártico. E a navegabilidade do Ártico tornará a Rússia incontornável no comércio marítimo internacional durante décadas.

*Consultor financeiro e business developer
www.linkedin.com/in/jorgecostaoliveira

Fonte:  https://www.dn.pt/opiniao/a-irresponsabilidade-ambiental-da-russia-e-a-rota-do-artico-17300475.html 08/11/2023

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