Por Thomas Friedman
Lideranças republicanas podem comprometer auxílio a Israel e à Ucrânia em momento crítico para os dois países
Quando nos afastamos o suficiente, podemos ver exatamente quais são as forças que movem a geopolítica atual: a Ucrânia está tentando se juntar ao Ocidente. Israel está tentando se juntar a um novo Oriente Médio. E Rússia e Irã se uniram para tentar impedir ambos.
Infelizmente, o novo líder da maioria da Câmara dos Estados Unidos, o republicano Mike Johnson, é inexperiente demais ou refém demais da ideologia (ou ambas as coisas) para enxergar isso (ou se importar). Ele está pressionando pela aprovação de um orçamento que ajudaria Israel a se defender melhor, mas privaria a Ucrânia de uma fatia essencial do auxílio econômico e militar americano, tão necessário para reverter o avanço da Rússia.
Ele condicionou até os US$ 14,3 bilhões que o governo deseja enviar a Israel à aprovação do presidente Biden de uma proposta para desviar a mesma quantia de fundos destinados à Receita Federal (IRS) para fiscalizar melhor os sonegadores (atenção, lobby israelense: não aceite esse jogo. Da próxima vez, o auxílio a Israel estará ligado a posições extremas dos republicanos em relação ao aborto ou às armas).
É muita sorte Johnson não ter sido o líder da maioria durante a 2.ª Guerra; talvez ele e seus míopes seguidores aprovassem recursos para guerra contra os alemães na Europa, mas não contra os japoneses no Pacífico. Ou talvez aprovassem um acordo de lend-lease com os aliados, desde que o presidente Franklin Roosevelt eliminasse de vez o IRS. Mais armas, mais manteiga, nenhum imposto e duas frentes.
Isso parece uma visão de mundo absolutamente incoerente, que enfraqueceria a liderança americana que definiu os contornos do mundo no qual prosperamos nos cem anos mais recentes, e é. Parece que as lideranças republicanas na Câmara são pensadores pequenos em um jogo maior, e são mesmo. São vergonhosos, sem-vergonha e perigosos. Façam um favor aos Estados Unidos e procurem emprego na Fox News como comentaristas de algum outro assunto.
Porque estamos em um momento de grande importância, comparável a 1945 ou 1989.
Se a Ucrânia conseguir escapar das garras da Rússia e finalmente for aceita na Otan e na União Europeia, com seu formidável exército, suas exportações agrícolas e capacidade tecnológica, isso reforçaria muito uma Europa inteira e livre. E se for possível manobrar Israel de volta à mesa de negociação para tratar de uma solução de dois Estados com a Autoridade Palestina, abrindo o caminho para a normalização das relações entre o Estado judaico e a Arábia Saudita, isso reforçaria muito um Oriente Médio novo e mais plural, desenvolvido em torno dos palestinos, dos demais árabes e dos israelenses, com foco no fortalecimento da resiliência de seus povos diante do futuro, e não na sua resistência um ao outro e ao Ocidente.
Se essas mudanças sísmicas puderem ocorrer, o mundo pós-Guerra Fria terá uma chance muito melhor de enfrentar outros desafios globais, como a mudança climática, do que se essas mudanças forem sufocadas.
Mas não é necessário falar árabe, hebraico, persa, russo ou ucraniano para entender que o Hamas, apoiado pelo Irã, lançou sua guerra para deter a normalização entre sauditas e israelenses, evitando o isolamento de Teerã, e que Vladimir Putin lançou sua guerra para impedir a Ucrânia de expandir uma Europa inteira e livre, evitando o isolamento de Moscou.
A Rússia de Putin e o Irã do líder supremo aiatolá Ali Khamenei têm muito em comum, de acordo com Leon Aron, especialista em Rússia e autor de “Riding the Tiger: Vladimir Putin’s Russia and the Uses of War” [Montando o tigre: a Rússia de Putin e os usos da guerra]. “Os dois líderes nada têm a oferecer ao seu povo além de guerras quase santas, que os ajudam a se manter no poder conservando seus países em guerra ou em pé de guerra”, disse.
E ambos os líderes estão investindo contra outros países cujas aspirações são a antítese da identidade central e tóxica dos regimes russo e iraniano. “A Ucrânia prova que pode haver um país eslavo e ortodoxo, muito próximo da Rússia do ponto de vista étnico, que seja livre, democrático e próspero, com uma orientação política e econômica ocidental, sem precisar de um estado de guerra com o Ocidente nem de um estado policial, como o Belarus, e nem de uma ditadura militar, como a Rússia”, disse Aron.
Enquanto isso, a normalização das relações entre o estado judaico e a Arábia Saudita, berço do Islã, provavelmente abriria caminho para a normalização entre Israel e o país muçulmano mais populoso do mundo, a Indonési nflito palestino.
Como apontei, nada teria isolado mais o Irã.
E o Hamas sabia que, se Israel conseguisse uma normalização das relações com a Arábia Saudita em termos que satisfizessem a Autoridade Palestina, mais moderada, na Cisjordânia, trazendo vantagens financeiras significativas e mais legitimidade, o modelo de resistência eterna do Hamas em Gaza ficaria totalmente isolado. Assim, o Hamas lançou esta guerra sabendo que ela traria morte e destruição não somente para muitos israelenses, mas também a um número muito maior dos seus próprios civis inocentes. Revoltante. O Irã também sabia disso.
* Jornalista estadunidense, atualmente editorialista do jornal The New York Times.
Fonte: https://www.estadao.com.br/internacional/preocupacoes-militares-americanos-israel-hamas/ 03/11/2023
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