terça-feira, 7 de novembro de 2023

O amor tem nome e CPF

 Por Leo Aversa* — Rio de Janeiro

Mulher? É tudo maluca. Mulher é assim, mulher é assado, mulher sempre diz a mesma coisa. Homem? É tudo boylixo. Homem é pra usar e jogar fora, homem faz isso, homem diz aquilo, homem é tudo igual.

Se o leitor resolver pesquisar “relacionamentos” na internet vai levar um susto. Primeiro com a quantidade de sites, vídeos, posts, textões, podcasts etc. dedicados ao assunto. Não tem guerra, aquecimento global, medo da morte ou sentido da vida que lhe façam frente. Só dá “relacionamentos”. São milhares de depoimentos, teorias, regras, observações, dicas e conselhos sobre o assunto.

Depois desse susto vem mais espanto, desta vez com o conteúdo destes sites, vídeos, posts etc. É mágoa pra todo lado. Tratam o sexo oposto como um infortúnio, uma necessidade fisiológica que — infelizmente — precisa ser atendida de qualquer maneira. Segundo o que descrevem, ter um encontro afetivo é o equivalente a procurar um banheiro na hora do aperto. Um alívio, na melhor das hipóteses. Em vários há um tom fatalista, um clima de “fazer o quê...”, como se o afeto ou o desejo fossem uma maldição. A saída, segundo pregam, é jamais se envolver, ou então se envolver o menos possível.

Também tem os que tratam os relacionamentos como um “Clube do Bolinha x Clube da Luluzinha”, uma mistura de ressentimento e hipocrisia com pitadas de cinismo. Ninguém presta, é o que avisam, categóricos. Pelo que dizem, homens ou mulheres — dependendo de quem escreve — são criaturas maquiavélicas, frias e perversas, dedicadas apenas a tornar nossa vida um inferno. A única saída, dizem, é agir da mesma maneira: agir como um cafajeste do século passado, entrar em modo “Jece Valadão”, para não deixar que o outro nos surpreenda depois. Como o barco sempre vira — nisso todos concordam — o melhor é pular fora o mais rápido possível.

O mais triste é a generalização: não existe fulana, beltrano ou sicrana. Existem apenas clones de “homem” e “mulher”, em guerra eterna. Nos textos com um ponto de vista masculino, as mulheres se comportam todas da mesma maneira e pensam do mesmo jeito. Nos femininos, os homens fazem a mesma coisa. São todos robôs, que seguem um roteiro imutável e previsível. Tudo igual. O genérico virou o padrão dos relacionamentos contemporâneos.

Dá até vontade de sair correndo para um mosteiro ou um convento.

Se prestarmos muita atenção ao que dizem e seguirmos o que recomendam, é uma questão de tempo para sucumbir ao niilismo afetivo, a vagar pelo deserto sentimental: se todos são semelhantes, tanto fez como tanto faz. A pessoa de hoje é igual à de amanhã, que é parecida com a de ontem. Todas descartáveis, tudo efêmero. Não à toa se vê tanta gente andando por aí de armadura, mantendo a distância e morrendo de medo de qualquer conexão mais profunda.

Quem não foi contagiado por essa epidemia de cinismo, quem não virou o homem de lata do Mágico de Oz, salvou-se porque constatou a tempo que cada pessoa é uma pessoa, que cada história é diferente da outra e que elas, por sorte, não se repetem. Descobriu que não dá para achar alguém sem ter a porta aberta. Entendeu que todo encontro é único e, principalmente, aprendeu que o que você dá é o que recebe de volta. Os relacionamentos contemporâneos podem ser genéricos, mas o amor sempre vai ter nome e CPF. 

*Jornalista

Fonte:  https://oglobo.globo.com/cultura/leo-aversa/noticia/2023/11/07/o-amor-tem-nome-e-cpf.ghtml

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