quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Como escolas podem fomentar uma educação antirracista

Crianças em uma escola

Foto: Reprodução/Pixabay
Crianças em uma escola

Especialistas apontam como engajamento no combate às desigualdades raciais pode ser ensinado nas salas de aula


A valorização da diversidade étnico-racial dentro da sala de aula é uma das previsões do Plano Nacional de Educação, diretriz que dá os caminhos para a educação no país. O ensino da cultura afro-brasileira e indígena, por sua vez, é uma exigência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

Ambas as previsões são elementos que integram uma educação antirracista, mas ainda estão longe de se concretizar. Mais de 20 anos após passar a ser prevista em lei, a história afro-brasileira enfrenta obstáculos para ser implementada nos currículos. Além disso, o racismo ainda faz parte das relações dentro da sala de aula. Segundo pesquisa do Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica) divulgada em agosto, 38% dos casos de racismo no Brasil acontecem em ambientes escolares. Mais estruturalmente, desigualdades raciais ainda marcam a trajetória de alunos e alunas negras, da educação básica ao acesso às universidades.

Para contornar esse cenário, pesquisadores da área apontam que fomentar uma educação antirracista nas escolas brasileiras é um dos caminhos para promover a equidade e combater a discriminação racial que historicamente permeia a sociedade brasileira.

Neste texto, o Nexo explica qual é a importância da educação antirracista e como as escolas podem fomentá-la.

Ensinar o antirracismo

Estudos acadêmicos destacam que a introdução da educação antirracista contribui significativamente para o desenvolvimento de uma consciência crítica e cidadã nos estudantes. Pesquisa publicada em 2017 pela Universidade Federal de Santa Catarina demonstrou que abordagens pedagógicas que valorizam a diversidade têm o potencial de desconstruir estigmas e preconceitos, promovendo a empatia e o respeito mútuo.

De acordo com pesquisadores, a educação antirracista não apenas enriquece o conhecimento histórico dos alunos, mas também estimula a formação de cidadãos mais conscientes, capazes de contribuir ativamente para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

“Ao assumir o papel de porta-vozes do antirracismo, as escolas não apenas refletem a sociedade diversificada, mas também potencializam mentalidades, preparando a comunidade escolar para a valorização da pluralidade e para desafiar estereótipos, o que contribui para a construção de uma sociedade mais justa”, disse ao Nexo Viviane Soranso, coordenadora do programa de raça e gênero da Fundação Tide Setubal.

Algo similar foi dito ao Nexo por Fábio Aidar, diretor-geral do Colégio Santa Cruz, em São Paulo. “A escola tem papel fundamental na educação antirracista de estudantes e de toda a comunidade escolar. Através da educação, é possível provocar a reflexão sobre o racismo estrutural no Brasil, conscientizar sobre o quão presente ele é na vida de todos nós, descontruir crenças, estereótipos e preconceitos. Além disso, é na escola que acontece o convívio na diversidade, sendo esta uma valiosa oportunidade de entendimento e valorização das diferenças”, afirmou.

Uma educação antirracista também pode ajudar a desconstruir mitos, como o da democracia racial no Brasil. A ideia preconiza que o país seria caracterizado por uma convivência harmoniosa e pacífica entre diferentes grupos étnicos, especialmente entre brancos, negros e indígenas, sem manifestações significativas de racismo estrutural. No entanto, a realidade histórica e social do Brasil contradiz essa concepção, uma vez que o país possui profundas desigualdades socioeconômicas e estruturas discriminatórias que afetam principalmente a população negra.

9,8%

é o percentual da população negra com mais de 15 anos que é analfabeta

30,7%

é o percentual da população negra com mais de 60 anos que é analfabeta

Para Nilma Lino Gomes, pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais, a educação antirracista tem papel importante na derrubada da ideia da democracia racial.

“Se sabemos que temos desigualdades estruturais no Brasil, e eu não vejo uma transformação, eu vejo uma tensão. O antirracismo tensiona o mito da democracia racial. Precisamos aprender muito sobre as práticas das políticas que precisamos desenvolver, quais currículos da educação básica e superior precisam ser desenvolvidos para construirmos uma sociedade em que o antirracismo seja um dos valores mais caros da sociedade brasileira”

Nilma Lino Gomes

pesquisadora da UFMG, em evento do Instituto Unibanco no dia 4 de outubro

Ideias práticas

Para fomentar uma educação antirracista, as instituições de ensino devem buscar uma abordagem interdisciplinar que integre conteúdos que valorizem a diversidade étnico-racial em todos os aspectos do currículo, e não apenas como um componente da missão escolar.

A formação de professores para lidar de maneira sensível e informada com questões de raça e etnia também desempenha um papel central nesse processo, e deve ser um processo contínuo.

“O treinamento contínuo dos professores em sensibilidade cultural fortalece a abordagem antirracista, enquanto os diálogos abertos com a comunidade e responsáveis não apenas promovem a compreensão, mas também estabelecem parcerias para criar ambientes educacionais mais inclusivos e igualitários”, disse Viviane Soranso ao Nexo.

Na visão de Lucimar Dias, coordenadora do grupo de pesquisas étnico-raciais ErêYá, da Universidade Federal do Paraná, o primeiro passo é simplesmente cumprir o que a legislação já exige e a partir disso pensar em outras medidas para estabelecer uma educação antirracista.

“A escola é um espaço institucional e não deveria ter autorização para funcionar sem que desse conta das normativas legais. Porém, nós queremos mais da escola e nesse sentido ela pode também construir um projeto pedagógico articulado com uma perspectiva antirracista incluindo explicitamente um projeto nesta direção”, afirmou.

“Ter profissionais negros e negras em lugares de comando, adquir materiais didáticos que tragam a perspectiva antirracista, promover momentos de formação entre familias, estudantes e profissionais e ser assertiva quando os casos de racismos acontecerem”, continuou Dias.

Fábio Aidar, do Colégio Santa Cruz, disse que o pensamento antirracista deve permear todo o processo escolar, da montagem do currículo à aquisição de livros da biblioteca. “É preciso cuidar para que o currículo garanta o reconhecimento da contribuição da população negra e indígena para o desenvolvimento social, econômico, científico e cultural no Brasil. É importante cuidar também da maior representatividade negra e indígena no acervo de obras literárias, não literárias e brinquedos da escola”, afirmou

A Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) tem um guia para tratar do assunto. Uma das principais estratégias recomendadas pela instituição é fazer perguntas às crianças e aos jovens que provoquem reflexões sobre o tema, como, por exemplo, “quantas bonecas negras e indígenas você já viu?” ou “como pessoas negras e indígenas são representadas na TV e no cinema?”.

“O que sabemos sobre o antirracismo na prática é que este exige movimentos incansáveis, sendo uma responsabilidade compartilhada com todos os atores da sociedade, como também no ambiente escolar”, afirma a Unicef na cartilha sobre o tema. “É fundamental observar que todos temos papéis para enfrentar as violências raciais e estes se diferem quando dizem respeito aos espaços de poder, identidades e como se constroem as estratégias”. 

Fonte:  https://www.nexojornal.com.br/expresso/2023/11/15/Como-escolas-podem-fomentar-uma-educa%C3%A7%C3%A3o-antirracista?utm_medium=Email&utm_campaign=NLDurmaComEssa&utm_source=nexoassinantes

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