Especialistas apontam como engajamento no combate às desigualdades raciais pode ser ensinado nas salas de aula
A valorização da diversidade étnico-racial dentro da sala de aula é uma das previsões do Plano Nacional de Educação, diretriz que dá os caminhos para a educação no país. O ensino da cultura afro-brasileira e indígena, por sua vez, é uma exigência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
Ambas as previsões são elementos que integram uma educação antirracista, mas ainda estão longe de se concretizar. Mais de 20 anos após passar a ser prevista em lei, a história afro-brasileira enfrenta obstáculos para ser implementada nos currículos. Além disso, o racismo ainda faz parte das relações dentro da sala de aula. Segundo pesquisa do Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica) divulgada em agosto, 38% dos casos de racismo no Brasil acontecem em ambientes escolares. Mais estruturalmente, desigualdades raciais ainda marcam a trajetória de alunos e alunas negras, da educação básica ao acesso às universidades.
Para contornar esse cenário, pesquisadores da área apontam que fomentar uma educação antirracista nas escolas brasileiras é um dos caminhos para promover a equidade e combater a discriminação racial que historicamente permeia a sociedade brasileira.
Neste texto, o Nexo explica qual é a importância da educação antirracista e como as escolas podem fomentá-la.
Ensinar o antirracismo
Estudos acadêmicos destacam que a introdução da educação antirracista contribui significativamente para o desenvolvimento de uma consciência crítica e cidadã nos estudantes. Pesquisa publicada em 2017 pela Universidade Federal de Santa Catarina demonstrou que abordagens pedagógicas que valorizam a diversidade têm o potencial de desconstruir estigmas e preconceitos, promovendo a empatia e o respeito mútuo.
De acordo com pesquisadores, a educação antirracista não apenas enriquece o conhecimento histórico dos alunos, mas também estimula a formação de cidadãos mais conscientes, capazes de contribuir ativamente para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
“Ao assumir o papel de porta-vozes do antirracismo, as escolas não apenas refletem a sociedade diversificada, mas também potencializam mentalidades, preparando a comunidade escolar para a valorização da pluralidade e para desafiar estereótipos, o que contribui para a construção de uma sociedade mais justa”, disse ao Nexo Viviane Soranso, coordenadora do programa de raça e gênero da Fundação Tide Setubal.
Algo similar foi dito ao Nexo por Fábio Aidar, diretor-geral do Colégio Santa Cruz, em São Paulo. “A escola tem papel fundamental na educação antirracista de estudantes e de toda a comunidade escolar. Através da educação, é possível provocar a reflexão sobre o racismo estrutural no Brasil, conscientizar sobre o quão presente ele é na vida de todos nós, descontruir crenças, estereótipos e preconceitos. Além disso, é na escola que acontece o convívio na diversidade, sendo esta uma valiosa oportunidade de entendimento e valorização das diferenças”, afirmou.
Uma educação antirracista também pode ajudar a desconstruir mitos, como o da democracia racial no Brasil. A ideia preconiza que o país seria caracterizado por uma convivência harmoniosa e pacífica entre diferentes grupos étnicos, especialmente entre brancos, negros e indígenas, sem manifestações significativas de racismo estrutural. No entanto, a realidade histórica e social do Brasil contradiz essa concepção, uma vez que o país possui profundas desigualdades socioeconômicas e estruturas discriminatórias que afetam principalmente a população negra.
9,8%
é o percentual da população negra com mais de 15 anos que é analfabeta
30,7%
é o percentual da população negra com mais de 60 anos que é analfabeta
Para Nilma Lino Gomes, pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais, a educação antirracista tem papel importante na derrubada da ideia da democracia racial.
“Se sabemos que temos desigualdades estruturais no Brasil, e eu não vejo uma transformação, eu vejo uma tensão. O antirracismo tensiona o mito da democracia racial. Precisamos aprender muito sobre as práticas das políticas que precisamos desenvolver, quais currículos da educação básica e superior precisam ser desenvolvidos para construirmos uma sociedade em que o antirracismo seja um dos valores mais caros da sociedade brasileira”
Ideias práticas
Para fomentar uma educação antirracista, as instituições de ensino devem buscar uma abordagem interdisciplinar que integre conteúdos que valorizem a diversidade étnico-racial em todos os aspectos do currículo, e não apenas como um componente da missão escolar.
A formação de professores para lidar de maneira sensível e informada com questões de raça e etnia também desempenha um papel central nesse processo, e deve ser um processo contínuo.
“O treinamento contínuo dos professores em sensibilidade cultural fortalece a abordagem antirracista, enquanto os diálogos abertos com a comunidade e responsáveis não apenas promovem a compreensão, mas também estabelecem parcerias para criar ambientes educacionais mais inclusivos e igualitários”, disse Viviane Soranso ao Nexo.
Na visão de Lucimar Dias, coordenadora do grupo de pesquisas étnico-raciais ErêYá, da Universidade Federal do Paraná, o primeiro passo é simplesmente cumprir o que a legislação já exige e a partir disso pensar em outras medidas para estabelecer uma educação antirracista.
“A escola é um espaço institucional e não deveria ter autorização para funcionar sem que desse conta das normativas legais. Porém, nós queremos mais da escola e nesse sentido ela pode também construir um projeto pedagógico articulado com uma perspectiva antirracista incluindo explicitamente um projeto nesta direção”, afirmou.
“Ter profissionais negros e negras em lugares de comando, adquir materiais didáticos que tragam a perspectiva antirracista, promover momentos de formação entre familias, estudantes e profissionais e ser assertiva quando os casos de racismos acontecerem”, continuou Dias.
Fábio Aidar, do Colégio Santa Cruz, disse que o pensamento antirracista deve permear todo o processo escolar, da montagem do currículo à aquisição de livros da biblioteca. “É preciso cuidar para que o currículo garanta o reconhecimento da contribuição da população negra e indígena para o desenvolvimento social, econômico, científico e cultural no Brasil. É importante cuidar também da maior representatividade negra e indígena no acervo de obras literárias, não literárias e brinquedos da escola”, afirmou
A Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) tem um guia para tratar do assunto. Uma das principais estratégias recomendadas pela instituição é fazer perguntas às crianças e aos jovens que provoquem reflexões sobre o tema, como, por exemplo, “quantas bonecas negras e indígenas você já viu?” ou “como pessoas negras e indígenas são representadas na TV e no cinema?”.
“O que sabemos sobre o antirracismo na prática é que este exige movimentos incansáveis, sendo uma responsabilidade compartilhada com todos os atores da sociedade, como também no ambiente escolar”, afirma a Unicef na cartilha sobre o tema. “É fundamental observar que todos temos papéis para enfrentar as violências raciais e estes se diferem quando dizem respeito aos espaços de poder, identidades e como se constroem as estratégias”.
Fonte: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2023/11/15/Como-escolas-podem-fomentar-uma-educa%C3%A7%C3%A3o-antirracista?utm_medium=Email&utm_campaign=NLDurmaComEssa&utm_source=nexoassinantes
Nenhum comentário:
Postar um comentário