Por Fernando Gabeira*
Na semana passada, visitei uma pessoa muito importante na minha vida. Mente brilhante e curiosa, não me reconhecia mais nem conseguia contar com facilidade até dez. Alzheimer.
Saí da clínica disposto a fazer mais que visitá-la com frequência nesta longa jornada pelo oblívio. Escolho essa palavra porque “Oblivion” é o título de uma das músicas mais tristes que conheço, tocada por Astor Piazzolla.
Desde o fim do século passado, pensei em fazer algo a respeito da doença de Alzheimer. Era deputado quando soube que o governo francês produzira um longo relatório sobre o tema. Recebi apenas uma síntese. Mas era o bastante para me preocupar. É um tipo de doença que sobrecarrega as famílias, sobretudo as mais pobres, que precisam de ajuda para cuidar dos entes queridos.
Encontrei-me numa solenidade com José Serra, que era ministro da Saúde, e disse:
— Serra, você já ouviu falar de Alzheimer?
Brincando com sua fama de hipocondríaco, Serra respondeu:
— Já e tenho um medo danado.
Na década dos 1990, nunca chegamos a fazer uma reunião sobre o tema. Uma outra doença, a aids, entrou na ordem do dia. Trabalhei nela apresentando com Sarney no Senado o projeto do coquetel gratuito para os pacientes. Serra, como ministro, fez a batalha internacional pela liberação das patentes, algo muito justo, no meu entender.
A doença de Alzheimer é diferente de outras. Ninguém sai vivo dela. Talvez por isso a gente se conforme. Mas hoje, depois de três décadas, não limitaria mais a política somente ao apoio às famílias, algo que continua sendo essencial. Há vários problemas precursores, como o leve déficit cognitivo. Talvez facilitar os testes genéticos que levam ao diagnóstico seja um passo importante.
Certamente, o capítulo mais importante é a prevenção. Mesmo que não tenhamos abundância científica de evidências, é possível formular um programa amplo de prevenção. Não sou favorável ao terrorismo alimentar que circula na internet. No entanto parece claro que certo tipo de alimentação favorece a criação de uma teia de obstáculos que bloqueia a comunicação entre os neurônios. O excesso de carboidratos e alimentos superprocessados deveria ser analisado.
Existem hoje alguns programas para prevenir e reverter o declínio cognitivo. Já conhecia os de prevenção e agora tive contato com o livro de Dale Bredesen, que afirma ter revertido o declínio cognitivo em inúmeros casos.
Não é minha tarefa estudar e escolher terapias. O que posso fazer na planície é sugerir fórmulas de política pública. Já temos, felizmente, um Instituto do Cérebro, graças ao grande Paulo Niemeyer. Mas o Alzheimer e outras doenças cognitivas pedem uma abordagem especial.
Uma entidade com verbas públicas e privadas poderia estudar todas as dimensões da doença, sugerir políticas adequadas, criar cursos de formação de acompanhantes, produzir cartilhas para que idosos e os próprios familiares valorizem os sintomas e façam exames.
Não pensem que escrevo apenas pensando nos entes queridos levados pelo esquecimento. As previsões internacionais dizem que a doença de Alzheimer pode atingir entre 15% e 20% da população de idosos. Isso significa superocupar os sistemas de saúde, ameaçar inclusive a unidade de famílias frustradas por não poderem cuidar dos doentes, em meio às ocupações cotidianas.
Não é, portanto, uma preocupação isolada. O cinema tem tratado de forma direta, como no filme “Meu pai”, com Anthony Hopkins, e muitas outras obras já foram escritas. O que tem de ser superado é a ideia de que não se pode prevenir, até que possamos negar, no futuro, a própria ideia de que não se pode reverter e curar.
Quando encontrar gente com mandato, farei a mesma pergunta que fiz a Serra na década de 1990.
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