Quais as saídas para a masculinidade diante do cancelamento?
A tradição psicanalítica, fazendo coro com o ideário patriarcal, reservou à figura masculina um lugar de destaque dentro de sua teoria. O homem seria o universal, centro da racionalidade, e a mulher seu oposto irascível, cujo desejo opaco e inconstante Freud buscava elucidar. O psicanalista vienense deu-se por vencido ao final de sua obra afirmando ter fracassado em esclarecer o que quer uma mulher.
A suposta assimetria entre os sexos fez supor que o desejo das mulheres era insondável e que o desejo do homem, por outro lado, seria inteligível e a identidade masculina, consistente. A acusação de labilidade emocional, a especulação sobre um pretenso desejo feminino a ser desvendado e a busca por uma resposta sobre o que seria uma mulher nos trouxeram trabalho e sofrimento, mas não só.
Injustiças e violências à parte, ocupar-se do próprio desejo e do seu lugar no mundo revelou-se um exercício de reflexão benéfico para o sexo frágil. Se as mulheres não sabem o que querem ou o que faz delas mulheres, estão condenadas a perguntar-se sobre a inconsistência de seu ser. Penoso, mas frutífero, haja vista a busca incessante por trocas íntimas com amigas e por diversas formas de psicoterapias. Já os homens em geral não se deram ao trabalho de olhar para si, vivendo "a ilusão de que ser homem bastaria". É famosa a falta de comunicação entre amigos homens e a resistência em buscar ajuda psicológica mesmo quando o sintoma está colocando tudo a perder.
Meninos são criados para engolir o choro e sair chutando bolas e meninas para falar sobre o que as faz chorar enquanto são consoladas. Daí decorre o acesso delas a um vocabulário afetivo muito vantajoso, que lhes permite reconhecer, nomear e compartilhar suas experiências. Aos meninos restam os sintomas ignorados e os atos intempestivos.
Não está fácil ser homem, porque a promissora crise de identidade que estão tendo que encarar não encontra neles repertório para ser elaborada. Tampouco cabe às mulheres, que já vivem num perpétuo questionamento sobre si mesmas, dizer como os homens devem descascar esse abacaxi.
Confrontados com as falsas premissas de que o masculino é um lugar de superioridade e certeza —ideias misóginas e delirantes— vêem-se diante de um dilema. Alguns dobram a aposta, jogando suas últimas fichas na assombração do macho alpha. São os idiotas de plantão, desclassificados que, por vezes, até se tornam presidentes.
Temos também o homem que acha que toda a masculinidade é tóxica e, portanto, fica sem fontes identificatórias porque elas estão confundidas com a violência masculina. É o homem acuado, envergonhado da sua identidade sexual, com medo de ser cancelado cada vez que abre a boca.
Lembro que as mulheres pagam um preço alto por fugir dos estereótipos femininos. Cargos de chefia, atividades consideradas masculinas, a opção por não casar e não ter filhos e relações homossexuais são algumas das situações nas quais elas são constantemente questionadas em sua feminilidade.
Grande parte dos meninos se vê diante desse dilema: investir em uma masculinidade neanderthal ou negar o masculino como um todo?
Mas não há nada de errado em se sentir homem e se identificar com os atributos masculinos. É a fantasia de superioridade e certeza irrefletida que deve ser erradicada.
Bem-vindos ao nosso mundo, rapazes.
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