Por Rita Rugeroni Saldanha,
Coordenação Editorial
28 Novembro, 2023 | 7 minutos de leitura
Uma em cada cem pessoas no mundo apresenta traços de psicopatia, contudo esse número sobe para 25 em cem, quando falamos de lideranças de empresas e organizações, incluindo políticas. Afinal, o poder corrompe ou atraí os corruptos?
Brian Klass é o autor do livro Corruptíveis, uma obra que após 500 entrevistas a antigos ditadores, empresários, tiranos, políticos, dos perfis mais e menos maquiavélicos, tenta traçar um padrão e partilha 10 lições sobre «Como atrair os incorruptíveis». No livro deixa a dedicatória: «A todas as pessoas boas e não-psicopatas que deveriam estar no poder, mas não estão».
É o poder que ‘estraga’ as pessoas, ou são as pessoas que têm uma natural tendência para se corromperem? A resposta é que há um «tipo de pessoas que são atraídas pelo poder» e a chave para ter melhores pessoas em cargos de chefia, tanto nas empresas como na política, passa por escolher precisamente aqueles que não querem o poder.
Numa altura em que o nosso País vive na sua atualidade uma crise política de poder, corrupção e perfis corruptos, este foi o mote para o primeiro encontro off the record, promovido pelo projeto editorial Líder. O objetivo é criar um momento privado que procura a partilha de conhecimento, sem tabus e sem filtros. Não são divulgadas imagens dos participantes nem o conteúdo da conversa após a talk do autor. A intervenção de Brian Klass foi filmada e será a primeira a integrar a série ‘Off The Record’, que ficará disponível na Líder TV, a partir de 2024.
Ter ‘fome de poder’ é um sinal perigoso
Na sua investigação, o Professor Associado de Política Global na University College of London, tem como objetivo perceber quem procura, tem e mantem o poder, versus aqueles que nunca se tornaram poderosos. Os que têm fome de poder, incorrem em processos de auto-seleção para cargos de liderança e assim a vida corre-lhes bem. E aqui está um sinal de alerta.
«Quem quer o poder, tem fome de poder, e isso torna a auto-seleção uma questão. Um psicopata tem um charme superficial que numa entrevista de recrutamento de 45 minutos faz com que consiga convencer as pessoas a gostar dele», afirma.
O problema da auto-seleção, ou seja, das mentes ‘menos puras’ quererem lugares de poder, resolver-se-ia, em parte, com uma boa dose de investimento no recrutamento e no tipo de seleção que é feita, que se baseia nas mesmas práticas desde há 100 anos: uma entrevista de emprego. Algo tem de ser feito para se mudar.
«A forma como o poder é apresentado às pessoas afeta quem quer tornar-se poderoso», defende o também apresentador do podcast “Power Corrupts”, para quem não há uma única solução. Na sua visão, «se toda a gente pensa que a classe política é corrupta, abusadora e terrível, então as pessoas não querem ter esse papel», e com isso seguir uma carreira política.
Os psicopatas bem sucedidos
A psicopatia e os traços maquiavélicos estão patentes em muitas pessoas em cargos de chefia e de poder. Esses são os bem sucedidos. Já os mal sucedidos cometem crimes e estão nas prisões. «Os psicopatas bem sucedidos estão nos boards das empresas e no poder político», afirma, com a ressalva de que também há pessoas boas, líderes que querem servir os outros.
Mas a sociedade, na forma como hoje está constituída, e pelos sistemas, muitos deles hierárquicos, com poder e consequências desses atos de poder, tem de conceber um novo desenho desses sistemas, e partir do pressuposto que todas as pessoas podem ser psicopatas.
E daí surge, para além da ideia dos processos de recrutamento, a ideia de responsabilização, a accountability. «As pessoas devem tomar responsabilidade pelos seus atos e quando são responsabilizadas pelo que fazem isso replica-se no futuro», adverte. Deve-se representar o poder de uma maneira que atraia as pessoas, que se torne apelativo mesmo para quem não o procura, sobretudo para esses. E para quem assume um comportamento errado, estando num lugar de poder, tem de haver consequências.
Portugal e o «paradoxo do poder em 2023»
Sobre a situação política em Portugal, Brian Klass afirma: «A Democracia é testada em escândalos, pois os escândalos determinam até que ponto estamos dispostos a aceitar qualquer grau de maleficência». «É preciso provas e comprovar que houve uma má conduta, e se, na verdade existiu uma má conduta, então a sociedade deve questionar, ‘toleramos isto?’ ou ‘podemos sempre exigir melhor’», defende.
O que na sua opinião parece «perturbador», é o ponto a que a sociedade chegou de low standards, ou seja, baixos níveis de exigência.
Aqui identifica o «paradoxo do poder em 2023»: se perguntamos às pessoas se querem tornar-se políticos, muitos poucos dizem que sim, e «quantos de nós conhecemos pessoas que seriam excelentes primeiro-ministro, ou CEOs?», incita. Mais uma vez reforça a ideia de que «parte desta solução está por se continuar a deixar que as pessoas se auto selecionem para lugares de poder».
Tal como afirma no seu livro: «nós chegamos mesmo a comportarmo-nos de forma diferente consoante a forma como acreditamos que um sistema funciona, e não como ele de facto funciona».
Criar governos sombra e abrir canais de informação
Para o especialista em democracia, autoritarismo e política externa dos EUA, uma das formas de garantir melhores perfis, os incorruptíveis, passa por criar governos sombra a partir de uma escolha aleatória de pessoas. Nos EUA, por exemplo, a ideia passa por criar um ‘congresso sombra’ de 435 pessoas, o número de congressistas, que durante um ano agem como se fossem os próprios, a debater os mesmos assuntos e a votar as mesmas leis. O governo sombra é feito por pessoas que não têm fome de poder e por isso assumem um compromisso que difere dos que estão efetivamente no Congresso.
Esta ideia poderia ser financiada pelos milionários, os mesmos que «não são necessariamente uma boa influencia para a política, mas que neste campo poderiam ser uma boa ajuda», defende.
E o Populismo?
Torna-se evidente que «a corrupção tornou-se um trampolim para os populismo», como lidar com esta realidade?
Para Brian Klass, aquele é «o maior desafio do século 21 para as democracias» são as pipelines de informação. Na sua opinião, se uma das formas de definir democracia é um governo com base em «consentimento informado» – ou seja, que informa as pessoas e que estas devem concordar com o que está a ser feito – «se não temos informação não podemos concordar, e se for má informação, não se pode consentir», diz.
Dai a corrupção e a responsabilização ligam-se. «Quando as pipelines de informação são não confiáveis, e escolhe-se um grupo de media que diz tudo o que se quer, não há responsabilização, pois não se descobre o que foi mal feito», afirma o autor, dando o exemplo do seu país. «Até hoje, os apoiantes de Donald Trump acham que ele não fez nada de mal, pois as notícias não mostram», partilha. E relembra as 91 acusações criminais dirigidas ao ex-Presidente.
«Não se resolve o problema do populismo enquanto não se encontrar uma solução para as pipelines de informação das nossas democracias. Tem de haver um sentimento partilhado do que se está a passar na sociedade. A Democracia é sobre um sentimento partilhado de realidade. Se queremos fazer com que ela funcione, tem de haver um compromisso, e não existe compromisso se não houver um sentido partilhado sobre o que se está a passar», conclui.
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