Crítica
Madureira diz que falta profundidade na nova geração de humoristas.
“Esse pessoal deveria ler mais”, afirma
O comediante diz que sempre fez humor sério, afirma que falta ousadia na tevê brasileira e conta por que
faz análise há 40 anos
O paranaense Marcelo Garmatter Barretto cultiva um casamento de duas
décadas com a Rede Globo. No final de março, ele e seus parceiros de
“Casseta e Planeta” retornaram à programação da emissora depois de uma
pausa para pensar na relação. Fora do ar, Marcelo irá completar bodas de
prata com a mulher, Cláudia, que não é muito chegada em humor. Aos 56
anos, três filhos, o ex-professor de matemática do Mobral (Movimento
Brasileiro de Alfabetização) que adotou o nome artístico Marcelo
Madureira depois de viver o palhaço Madureira em um circo fala sério
sobre seus traumas, o humor e a produção cultural do País.
"O panorama artístico do Brasil é fraco. Culturalmente, estamos
estagnados. Hoje, o que é importante na cultura? Preta Gil?"
"Dói chegar ao escritório e não encontrar o Bussunda. É uma ficha
que não cai nunca. Não tem um dia em que não me lembre dele"
Por que fase passa o humor do Brasil?
Marcelo Madureira -Na história contemporânea
do Brasil, tivemos a Semana de 22, o tropicalismo e a geração dos anos
80. O último momento de efervescência cultural brasileiro ocorreu no
final da ditadura, em 84, quando estávamos recuperando a liberdade. O
panorama artístico do Brasil é fraco. Vejo alguma coisa interessante
sendo feita no cinema. Culturalmente, estamos estagnados. Não vejo
contestação, algo que é importante nas artes. O humor não é arte, é
esculhambação (risos). Lembrava outro dia o impacto que foi o Caetano
Veloso cantar “Alegria, Alegria”, o Gilberto Gil, com os Mutantes,
cantar “Domingo no Parque”. Hoje, o que é importante na cultura
brasileira? Preta Gil? Com todo respeito. Quem diz alguma coisa
importante e te põe a pensar no assunto? Grandes artistas, para mim, são
Daniel Senise, Victor Arruda, Fernanda Montenegro, Zeca Pagodinho,
Marisa Monte. Não apareceu mais ninguém!
Istoé -O Casseta está na categoria ame ou odeie?
Marcelo Madureira -As coisas estão muito
polarizadas no Brasil. Nossa sociedade tem dificuldade em conviver com o
diferente, com o que não é consensual. Tudo o que é polêmico é temido.
As pessoas têm o direito de não gostar do que você faz. Daí a colocar em
dúvida o seu caráter, a honestidade e até o comportamento sexual da sua
mãe tem uma distância muito grande. Há, no País, uma ditadura da
maioria absoluta. À minoria, pau nela! Existe uma militância
anti-Casseta muito peculiar, principalmente em redes sociais onde as
pessoas usam o anonimato para ofender e até ameaçar. E o pior é que
repercute. Qualquer coisa, hoje, termina em processo. Você faz piada com
anão e aí vem a liga dos anões, sem nenhum anão na diretoria, com
processo em cima.
Istoé -Qual o maior humorista do País?
Marcelo Madureira -Dessa nova geração, o
Marcelo Adnet é muito bom, disparado o melhor. Ele tem profundidade, o
que falta na nova geração. Esse pessoal deveria ler mais. O Marcelo tem
densidade, é um intelectual. Fala russo! Ser humorista exige preparo por
mais raso que seja o resultado do trabalho.
Marcelo Adnet - foto da Internet
Hoje, falta ousadia na tevê
brasileira. As pessoas arriscam pouco, talvez porque as quantias
envolvidas sejam grandes. Aí, você tem o “BBB” na décima não sei qual
edição. É um programa esgotado. Gosto de me surpreender, adoro novela,
sou fã da Gloria Perez porque ela é maluca. O mundo onírico dela me
fascina. Aquela coisa do cara que vai do Marrocos para o Brasil de ponte
aérea, pessoas falando português na Índia, é divertido. Eu gosto de
televisão, de programa popular. Acho o R. R. Soares um p. comunicador,
tiro o chapéu para ele. Eu vejo filme iraniano e leio o “Financial
Times”, mas também curto ver o Ratinho.
Istoé -A morte do Bussunda é algo resolvido para você?
Marcelo Madureira -Do ponto de vista
profissional, sim. Do pessoal, não acredito nela (morte), é incongruente
o fato da não existência do Bussunda, como acontece com a do meu pai.
Dói chegar ao escritório e não encontrar a figura rotunda (de Bussunda).
A morte dele foi f...; um dia que não vou esquecer. É uma ficha que não
cai nunca. Jogar bola, sacanear o Bussunda, nunca mais...
Istoé -Chorar ajudou?
Marcelo Madureira -O maior carinho que posso
demonstrar por alguém é a lembrança. Assim como ocorre com o meu pai,
não tem um dia em que não lembre do Bussunda. Agora, chorar em público,
não. A dor e a perda são só minhas, não tem por que dividi-las. Choro,
sou emotivo, mas na intimidade. Choro muito na análise, por causa de
lembranças, por pessoas que machuquei sem querer.
Istoé -Faz terapia há quanto tempo?
Marcelo Madureira -Há 40 anos. Comecei porque
eu era muito neurótico, tinha crises de angústia, síndromes do pânico
muito grandes. Tive medo de morrer, achava que iria ter infarto aos 19
anos, essas viadagens. Lá em casa, todos faziam análise. Meus pais
fizeram até quase morrerem. Estou no quarto psicanalista. Um morreu. Uma
outra analista, de tanto tempo que fiquei com ela, quando eu ameacei me
dar alta, acionou um advogado e me autorizou a sair com o meu
inconsciente somente nos fins de semana (risos).
Istoé -Funciona como para você?
Marcelo Madureira -Psicanálise é a aeróbica da
alma. Ela e o judô, que faço também há 40 anos – e sou faixa preta –,
ajudam a me equilibrar. Aprendi a entender melhor as coisas, a me
permitir ter angústia, ficar deprimido. Mas ainda hoje tenho dificuldade
em me relacionar com as pessoas. Sou um cara difícil, irascível, às
vezes. Não tenho muito controle sobre a minha personalidade e me sinto
muito culpado, me arrependo profundamente. Como um alcoólatra, fico
pensando que preciso me controlar. Mas não tomo remédio, nada... Às
vezes, Lexotan para dormir. E faço hatha yoga, que baixa a bola.
Exercício de respiração é muito melhor do que remédio para relaxar.
Istoé -Essa dificuldade de se relacionar vem desde quando?
Marcelo Madureira -Fui uma criança tímida,
solitária, brincava sozinho. Me identificava mais com o mundo dos
adultos, gostava de estar entre eles, escutar as conversas. E gostava de
ler. Aprendi a ler sozinho com 5 anos. Sou filho temporão, tenho irmãos
sete, oito anos mais velhos. Essa foi a minha deformação, no sentido de
que vivia sempre em um mundo mais velho do que o meu. Mas tive uma
infância muito feliz. Guardei todos os brinquedos que eu tive. Coleciono
brinquedos antigos, das décadas de 50, 60, 70. Compro em leilão, e-bay,
por meio de redes de colecionadores. Tenho 500 peças. Minha infância
também foi marcada por um reumatismo infeccioso, uma doença que talvez
tenha me levado a uma vida mais introspectiva.
Istoé -Por quê?
Marcelo Madureira -Tive esse reumatismo dos 5
aos 14 anos. Tomava Benzetacil a cada 15 dias. Isso talvez ajudou a
forjar essa minha personalidade doentia e peculiar. Além dos febrões e
dores nas juntas, eu também era míope. Vim para o Rio aos 13 anos,
direto para um colégio que era um antro de comunismo. Foi ali que
conheci o Claudio Manoel e achei a minha turma. Lá, todos eram ligados a
uma organização clandestina. Entrei para o PCB e militei por anos, numa
época em que fazer isso dava cadeia, tortura. Devotei a minha juventude
à política. E nunca pleiteei bolsa-ditadura! Isso é ideologia, não
investimento, como disse o Millôr. Meu irmão mais velho me dizia que eu
era uma espécie de Woody Allen brasileiro. E eu comecei a acreditar que
eu era o Woody Allen brasileiro. Eu tinha um humor autodepreciativo, era
observador, imitava o meu pai. Eu sempre fiz humor sério, nunca fiz
humor palhaço.
Istoé -Era tímido também com as garotas?
Marcelo Madureira -Era uma merda isso também.
Mulher era objeto de desejo, mas até hoje sou tímido com as mulheres.
Sou capaz de falar para uma multidão, mas se me colocarem para falar na
frente de uma mulher gostosa eu travo, não sei nem por onde começar.
Nunca me achei sedutor, toda a minha beleza era interior, mas as
mulheres não a enxergavam. Meu primeiro beijo foi tarde, com 15 anos, a
menina que me pegou! Virgindade? Perdi aos 18, com uma profissional que
contratei.
Istoé -Como cultiva o seu casamento?
Marcelo Madureira -Não sou exatamente
romântico, nem minha mulher. Mas gosto de sair com ela sozinho,
conversar, discutir. Minha mulher só gosta de filme iraniano, ela
detesta humor. Ela era psicanalista. Depois que casou comigo, abandonou.
Talvez tenha visto, espelhando-se em mim, que a psicanálise não
funciona. Eu gosto de ser casado, sou um cara muito família. Fui avô há
um ano e meio e foi um choque. Por causa da passagem inexorável do
tempo. Quando você vê os seus filhos casando, tendo filhos, é bom e ao
mesmo tempo ruim. Na verdade, a minha idade mental é de 13, 14 anos a
maior parte do tempo. É difícil você se ver velho, pai de família.
Istoé -Imaginava trabalhar na Globo na época em que era do PCB?
Marcelo Madureira -O dr. Roberto Marinho dizia
uma coisa: “Nos meus comunistas mando eu”. Eu não tinha aversão à
Globo. Fui educado na frente da tevê. Somos da primeira geração de
humoristas formada na frente da tevê e não do rádio. Se pensarmos em
indústria cultural de massa, a Globo contribuiu muito com o País, em
termos de dramaturgia, programação infantil... As pessoas têm uma visão
distorcida da emissora. Eu diria que, hoje, o jornal “O Globo” e a TV
Globo são oposição.
Istoé -Comentou-se que o
ex-jogador Ronaldo fez pressão para que o “CQC” afastasse o Rafinha
Bastos do programa por causa de uma piada dele sobre a Wanessa Camargo,
mulher do sócio dele. O que acha disso?
Marcelo Madureira - É o fim da picada. Isso não
se faz. Se a Bandeirantes aceitou esse tipo de pressão, é uma pena. Se
ele fez esse tipo de pressão, deveria pensar um pouco melhor. O Rafinha
foi condenado a pagar R$ 100 mil por danos morais. Quer dizer que a
moral da Wanessa Camargo vale isso? Com R$ 150 mil o que eu poderia
fazer, então, com a Wanessa, se a moral dela vale R$ 100 mil? As pessoas
precisam se preocupar mais com as coisas importantes. Houve aí uma
celeuma. Não gostei da piada, mas quando você não gosta basta não rir. O
Rafinha faz piadas muito boas, mais ou menos e ruins como eu. Agora,
não se pode condená-lo pelo exercício da profissão.
Istoé -Seus filhos gostam da sua profissão?
Marcelo Madureira - Meus filhos são os meus
maiores críticos. Quando eram menores, tinham vergonha de mim. No
shopping, andavam distantes, porque as pessoas me assediavam, passavam a
mão na minha bunda, mantinham uma intimidade que meus filhos não
curtiam. Eles detestavam quando eu me vestia de mulher; provavelmente
sofreram bullying na escola, porque eram os filhos do babaca, do
palhaço. A Patrícia (filha caçula, de 23 anos) é a mais crítica. A
começar que ela não me chama de pai, mas de Marcelo. Minha mulher também
é f... Eu não sou o ídolo deles, nem de perto.
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Reportagem por Rodrigo Cardoso
Fonte: http://www.istoe.com.br/assuntos/entrevista/detalhe/202276_ACREDITAVA+QUE+EU+ERA+O+WOODY+ALLEN+BRASILEIRO+
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