sábado, 28 de abril de 2012

"Acreditava que eu era o Woody Allen brasileiro"


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Crítica
Madureira diz que falta profundidade na nova geração de humoristas.
“Esse pessoal deveria ler mais”, afirma

O comediante diz que sempre fez humor sério, afirma que falta ousadia na tevê brasileira e conta por que 
faz análise há 40 anos


O paranaense Marcelo Garmatter Barretto cultiva um casamento de duas décadas com a Rede Globo. No final de março, ele e seus parceiros de “Casseta e Planeta” retornaram à programação da emissora depois de uma pausa para pensar na relação. Fora do ar, Marcelo irá completar bodas de prata com a mulher, Cláudia, que não é muito chegada em humor. Aos 56 anos, três filhos, o ex-professor de matemática do Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização) que adotou o nome artístico Marcelo Madureira depois de viver o palhaço Madureira em um circo fala sério sobre seus traumas, o humor e a produção cultural do País.
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"O panorama artístico do Brasil é fraco. Culturalmente, estamos
estagnados. Hoje, o que é importante na cultura? Preta Gil?"

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"Dói chegar ao escritório e não encontrar o Bussunda. É uma ficha
que não cai nunca. Não tem um dia em que não me lembre dele"

Por que fase passa o humor do Brasil?  
Marcelo Madureira -Na história contemporânea do Brasil, tivemos a Semana de 22, o tropicalismo e a geração dos anos 80. O último momento de efervescência cultural brasileiro ocorreu no final da ditadura, em 84, quando estávamos recuperando a liberdade. O panorama artístico do Brasil é fraco. Vejo alguma coisa interessante sendo feita no cinema. Culturalmente, estamos estagnados. Não vejo contestação, algo que é importante nas artes. O humor não é arte, é esculhambação (risos). Lembrava outro dia o impacto que foi o Caetano Veloso cantar “Alegria, Alegria”, o Gilberto Gil, com os Mutantes, cantar “Domingo no Parque”. Hoje, o que é importante na cultura brasileira? Preta Gil? Com todo respeito. Quem diz alguma coisa importante e te põe a pensar no assunto? Grandes artistas, para mim, são Daniel Senise, Victor Arruda, Fernanda Montenegro, Zeca Pagodinho, Marisa Monte. Não apareceu mais ninguém!
Istoé -O Casseta está na categoria ame ou odeie? 
Marcelo Madureira -As coisas estão muito polarizadas no Brasil. Nossa sociedade tem dificuldade em conviver com o diferente, com o que não é consensual. Tudo o que é polêmico é temido. As pessoas têm o direito de não gostar do que você faz. Daí a colocar em dúvida o seu caráter, a honestidade e até o comportamento sexual da sua mãe tem uma distância muito grande. Há, no País, uma ditadura da maioria absoluta. À minoria, pau nela! Existe uma militância anti-Casseta muito peculiar, principalmente em redes sociais onde as pessoas usam o anonimato para ofender e até ameaçar. E o pior é que repercute. Qualquer coisa, hoje, termina em processo. Você faz piada com anão e aí vem a liga dos anões, sem nenhum anão na diretoria, com processo em cima.
Istoé -Qual o maior humorista do País?
Marcelo Madureira -Dessa nova geração, o Marcelo Adnet é muito bom, disparado o melhor. Ele tem profundidade, o que falta na nova geração. Esse pessoal deveria ler mais. O Marcelo tem densidade, é um intelectual. Fala russo! Ser humorista exige preparo por mais raso que seja o resultado do trabalho.
 Marcelo Adnet - foto da Internet
Hoje, falta ousadia na tevê brasileira. As pessoas arriscam pouco, talvez porque as quantias envolvidas sejam grandes. Aí, você tem o “BBB” na décima não sei qual edição. É um programa esgotado. Gosto de me surpreender, adoro novela, sou fã da Gloria Perez porque ela é maluca. O mundo onírico dela me fascina. Aquela coisa do cara que vai do Marrocos para o Brasil de ponte aérea, pessoas falando português na Índia, é divertido. Eu gosto de televisão, de programa popular. Acho o R. R. Soares um p. comunicador, tiro o chapéu para ele. Eu vejo filme iraniano e leio o “Financial Times”, mas também curto ver o Ratinho.

Istoé -A morte do Bussunda é algo resolvido para você? 
Marcelo Madureira -Do ponto de vista profissional, sim. Do pessoal, não acredito nela (morte), é incongruente o fato da não existência do Bussunda, como acontece com a do meu pai. Dói chegar ao escritório e não encontrar a figura rotunda (de Bussunda). A morte dele foi f...; um dia que não vou esquecer. É uma ficha que não cai nunca. Jogar bola, sacanear o Bussunda, nunca mais...
Istoé -Chorar ajudou?  
Marcelo Madureira -O maior carinho que posso demonstrar por alguém é a lembrança. Assim como ocorre com o meu pai, não tem um dia em que não lembre do Bussunda. Agora, chorar em público, não. A dor e a perda são só minhas, não tem por que dividi-las. Choro, sou emotivo, mas na intimidade. Choro muito na análise, por causa de lembranças, por pessoas que machuquei sem querer.
Istoé -Faz terapia há quanto tempo?  
Marcelo Madureira -Há 40 anos. Comecei porque eu era muito neurótico, tinha crises de angústia, síndromes do pânico muito grandes. Tive medo de morrer, achava que iria ter infarto aos 19 anos, essas viadagens. Lá em casa, todos faziam análise. Meus pais fizeram até quase morrerem. Estou no quarto psicanalista. Um morreu. Uma outra analista, de tanto tempo que fiquei com ela, quando eu ameacei me dar alta, acionou um advogado e me autorizou a sair com o meu inconsciente somente nos fins de semana (risos).
Istoé -Funciona como para você?
Marcelo Madureira -Psicanálise é a aeróbica da alma. Ela e o judô, que faço também há 40 anos – e sou faixa preta –, ajudam a me equilibrar. Aprendi a entender melhor as coisas, a me permitir ter angústia, ficar deprimido. Mas ainda hoje tenho dificuldade em me relacionar com as pessoas. Sou um cara difícil, irascível, às vezes. Não tenho muito controle sobre a minha personalidade e me sinto muito culpado, me arrependo profundamente. Como um alcoólatra, fico pensando que preciso me controlar. Mas não tomo remédio, nada... Às vezes, Lexotan para dormir. E faço hatha yoga, que baixa a bola. Exercício de respiração é muito melhor do que remédio para relaxar.
Istoé -Essa dificuldade de se relacionar vem desde quando?
Marcelo Madureira -Fui uma criança tímida, solitária, brincava sozinho. Me identificava mais com o mundo dos adultos, gostava de estar entre eles, escutar as conversas. E gostava de ler. Aprendi a ler sozinho com 5 anos. Sou filho temporão, tenho irmãos sete, oito anos mais velhos. Essa foi a minha deformação, no sentido de que vivia sempre em um mundo mais velho do que o meu. Mas tive uma infância muito feliz. Guardei todos os brinquedos que eu tive. Coleciono brinquedos antigos, das décadas de 50, 60, 70. Compro em leilão, e-bay, por meio de redes de colecionadores. Tenho 500 peças. Minha infância também foi marcada por um reumatismo infeccioso, uma doença que talvez tenha me levado a uma vida mais introspectiva. 
Istoé -Por quê? 
Marcelo Madureira -Tive esse reumatismo dos 5 aos 14 anos. Tomava Benzetacil a cada 15 dias. Isso talvez ajudou a forjar essa minha personalidade doentia e peculiar. Além dos febrões e dores nas juntas, eu também era míope. Vim para o Rio aos 13 anos, direto para um colégio que era um antro de comunismo. Foi ali que conheci o Claudio Manoel e achei a minha turma. Lá, todos eram ligados a uma organização clandestina. Entrei para o PCB e militei por anos, numa época em que fazer isso dava cadeia, tortura. Devotei a minha juventude à política. E nunca pleiteei bolsa-ditadura! Isso é ideologia, não investimento, como disse o Millôr. Meu irmão mais velho me dizia que eu era uma espécie de Woody Allen brasileiro. E eu comecei a acreditar que eu era o Woody Allen brasileiro. Eu tinha um humor autodepreciativo, era observador, imitava o meu pai. Eu sempre fiz humor sério, nunca fiz humor palhaço.
Istoé -Era tímido também com as garotas?
Marcelo Madureira -Era uma merda isso também. Mulher era objeto de desejo, mas até hoje sou tímido com as mulheres. Sou capaz de falar para uma multidão, mas se me colocarem para falar na frente de uma mulher gostosa eu travo, não sei nem por onde começar. Nunca me achei sedutor, toda a minha beleza era interior, mas as mulheres não a enxergavam. Meu primeiro beijo foi tarde, com 15 anos, a menina que me pegou! Virgindade? Perdi aos 18, com uma profissional que contratei. 
Istoé -Como cultiva o seu casamento? 
Marcelo Madureira -Não sou exatamente romântico, nem minha mulher. Mas gosto de sair com ela sozinho, conversar, discutir. Minha mulher só gosta de filme iraniano, ela detesta humor. Ela era psicanalista. Depois que casou comigo, abandonou. Talvez tenha visto, espelhando-se em mim, que a psicanálise não funciona. Eu gosto de ser casado, sou um cara muito família. Fui avô há um ano e meio e foi um choque. Por causa da passagem inexorável do tempo. Quando você vê os seus filhos casando, tendo filhos, é bom e ao mesmo tempo ruim. Na verdade, a minha idade mental é de 13, 14 anos a maior parte do tempo. É difícil você se ver velho, pai de família.  
Istoé -Imaginava trabalhar na Globo na época em que era do PCB? 
Marcelo Madureira -O dr. Roberto Marinho dizia uma coisa: “Nos meus comunistas mando eu”. Eu não tinha aversão à Globo. Fui educado na frente da tevê. Somos da primeira geração de humoristas formada na frente da tevê e não do rádio. Se pensarmos em indústria cultural de massa, a Globo contribuiu muito com o País, em termos de dramaturgia, programação infantil... As pessoas têm uma visão distorcida da emissora. Eu diria que, hoje, o jornal “O Globo” e a TV Globo são oposição.
Istoé -Comentou-se que o ex-jogador Ronaldo fez pressão para que o “CQC” afastasse o Rafinha Bastos do programa por causa de uma piada dele sobre a Wanessa Camargo, mulher do sócio dele. O que acha disso?  
Marcelo Madureira - É o fim da picada. Isso não se faz. Se a Bandeirantes aceitou esse tipo de pressão, é uma pena. Se ele fez esse tipo de pressão, deveria pensar um pouco melhor. O Rafinha foi condenado a pagar R$ 100 mil por danos morais. Quer dizer que a moral da Wanessa Camargo vale isso? Com R$ 150 mil o que eu poderia fazer, então, com a Wanessa, se a moral dela vale R$ 100 mil? As pessoas precisam se preocupar mais com as coisas importantes. Houve aí uma celeuma. Não gostei da piada, mas quando você não gosta basta não rir. O Rafinha faz piadas muito boas, mais ou menos e ruins como eu. Agora, não se pode condená-lo pelo exercício da profissão.
Istoé -Seus filhos gostam da sua profissão?
Marcelo Madureira - Meus filhos são os meus maiores críticos. Quando eram menores, tinham vergonha de mim. No shopping, andavam distantes, porque as pessoas me assediavam, passavam a mão na minha bunda, mantinham uma intimidade que meus filhos não curtiam. Eles detestavam quando eu me vestia de mulher; provavelmente sofreram bullying na escola, porque eram os filhos do babaca, do palhaço. A Patrícia (filha caçula, de 23 anos) é a mais crítica. A começar que ela não me chama de pai, mas de Marcelo. Minha mulher também é f... Eu não sou o ídolo deles, nem de perto.
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 Reportagem por Rodrigo Cardoso
Fonte:  http://www.istoe.com.br/assuntos/entrevista/detalhe/202276_ACREDITAVA+QUE+EU+ERA+O+WOODY+ALLEN+BRASILEIRO+

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