segunda-feira, 16 de abril de 2012

Deveres de casa

Juremir Machado da Silva*

 
Todo dia cai um mito. E não estou falando do valor afrodisíaco da gemada ou do ovo de codorna, contestado por cientistas em artigo que não chegou a levantar oposição nem a mudar hábitos arraigados. O problema é outro. Mais acima. Aluno levar dever para fazer em casa é bom ou ruim? Quem acha anormal ter deveres para fazer em casa? Pois é, isso que parece certamente para muitos como a mais sagrada verdade do sistema escolar, vivida e sofrida individualmente, está levando pau. Eu não tinha a menor ideia, mas aluno do ensino fundamental (6 a 11 anos) levar dever para casa é proibido na França desde 1956. Li isso no jornal espanhol El País. Não me contento com a mídia nacional. Tenho uma reputação a zelar. A reputação de criador de casos. Se não posso criar, vou buscá-los na grande imprensa internacional.

Franceses, espanhóis e americanos estão em guerra contra o dever de casa. São povos bélicos. Não lhes basta o Afeganistão e outros conflitos esporádicos. Temos um novo vilão na praça. A Federação de Conselhos de Pais de Alunos da França, revoltada com o desrespeito à portaria de 1956, está convocando uma greve contra o que vem sendo chamado de "trabalhos forçados" em casa. Forçados e, pasme, caro leitor, discriminatórios: aluno de família intelectualizada leva vantagem sobre aluno de família intelectualmente deficiente. Tem mais. Tal prática obriga os pais a fazerem papel de professor, o que significa para eles aumento da jornada de trabalho. Parece que tem pai querendo entrar na Justiça com reclamatória trabalhista contra o Estado. O argumento principal, contudo, é outro: dever de casa seria antipedagógico.

Não me venha o leitor dizer que só podia ser coisa de francês. Nos Estados Unidos, o livro "The Case Against Homework", de Sara Bennett, uma mãe indignada e que se tornou militante contra os deveres de casa, é referência na luta pela liberdade doméstica das crianças. Bennet senta o ferro: "Quando as crianças são pequenas, são incapazes de fazer os deveres sozinhas e, afinal, o que aprendem é a depender de seus pais. Assim, em vez de aprender a automotivação, disciplina e responsabilidade, aprendem a depender de outros e a motivar-se somente à base de negociações e castigos". Todo dia cai um mito, repito. Houve um tempo em que reprovar era sinônimo de rigor. Hoje, reprovar é atestado de incompetência administrativa das escolas ou maldade de adulto com crianças indefesas e que o professor não soube motivar.

Eu sou contra o dever de casa para alunos de escola fundamental. Sou contra também o dever de casa para professores de escolas fundamental, média e superior. Aquele negócio de o professor levar trabalho para fazer em casa precisa ser chamado de "trabalho forçado". A lei está aí. O professor deve ter parte da sua carga horária destinada a atividades extraclasse, como preparar e corrigir trabalhos. Criança, em casa, tem uma única obrigação: brincar até aprender que brincar é um direito inalienável. Quem diria, hã? Greve contra dever de casa!
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* Sociólogo. Escritor. Tradutor. Prof. Universitário. Cronista do Correio do Povo
juremir@correiodopovo.com.br
 Crédito: ARTE PEDRO LUIS XAVIER 
Fonte: Correio do Povo on line, 16/04/2012

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