Ives Gandra da Silva Martins*
Velho advogado e professor, receio o protagonismo político atual do STF,
que passou a legislar do aviso prévio
à relação entre homossexuais
Um dos mais importantes pilares da atual Constituição foi a conformação
de um notável equilíbrio de poderes, com mecanismos para evitar invasão
de competências.
O Supremo Tribunal foi guindado expressamente a "guardião da
Constituição" (artigo 102), com integrantes escolhidos por um homem só
(artigo 101, § único), o presidente da República, que é eleito pelo povo
(artigo 77), assim como os integrantes do Senado e da Câmara (artigos
45 e 46).
O Congresso Nacional tem poderes para anular quaisquer decisões do
Executivo ou do Judiciário que invadam a sua função legislativa (artigo
49, inciso XI), podendo socorrer-se das Forças Armadas para mantê-la
(artigo 142), em caso de conflito.
Há, pois, todo um arsenal jurídico para assegurar a democracia no nosso país.
Ora, a Suprema Corte brasileira, constituída no passado e no presente
por ínclitos juristas, parece hoje exercer um protagonismo político, que
entendo contrariar a nossa Lei Suprema. Assim é que, a partir dos nove
anos da gestão Lula e Dilma, o Pretório Excelso passou a gerar normas.
Para citar apenas alguns casos: empossar candidato derrotado -e não
eleito direta ou indiretamente- quando de cassação de governantes
estaduais (artigo 81 da Constituição); a fidelidade partidária, que os
constituintes colocaram como faculdade dos partidos (artigo 17, § 1º); o
aviso prévio (artigo 7º, inciso XXII); a relação entre homossexuais
(artigo 226, § 3º); e o aborto dos anencéfalos (artigo 128 do Código
Penal).
Tem-se, pois, duas posturas julgadoras drasticamente opostas: a dos
magistrados de antanho, que nunca legislavam, e a dos atuais, que
legislam.
Sustentam alguns constitucionalistas que vivemos a era do
neoconstitucionalismo, que comportaria tal visão mais abrangente de
judicialização da política.
Como velho advogado e professor de direito constitucional, tenho receio
dos avanços de um poder técnico sobre um poder político, principalmente
quando a própria Constituição o impede (artigo 103, § 2º).
Nem se argumente que ação de descumprimento de preceito fundamental -de
cuja redação do anteprojeto participei, ao lado de Celso Bastos, Gilmar
Mendes, Arnoldo Wald e Oscar Corrêa- autorizaria tal invasão de
competência, visto que essa ação objetiva apenas suprir hipóteses não
cobertas pelas demais ações de controle concentrado.
Meu receio é que, por força dos instrumentos constitucionais de
preservação dos poderes, numa eventual decisão normativa do STF de
caráter político nacional, possa haver conflito que justifique a sua
anulação pelo Congresso (artigo 43, inciso XI), o que poderia provocar
indiscutível fragilização do regime democrático no país.
É sobre tais preocupações que eu gostaria que magistrados e parlamentares se debruçassem para refletir.
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