domingo, 29 de abril de 2012

Raul, o meio e a mensagem

Juremir Machado da Silva*

<br /><b>Crédito: </b> arte de vanderlei dutra sobre fotos cp memória
Raul Seixas foi a mais perfeita encarnação brasileira de uma época de rebeldia existencial. De certa maneira, traduziu em si a sacada de Marshall McLuhan: o meio é a mensagem. Raul era o meio pela qual a sua mensagem se disseminava. Um artista barroco, mescla de Chacrinha, Glauber Rocha, Darci Ribeiro e Elvis Presley. Ao ver o documentário "Raul, o Começo, o Fim e o Meio", dirigido por Walter Carvalho e Evaldo Mocarzel, fica-se com a sensação de que vivemos no pós-tsunami, um tempo tedioso, embalado por sertanejos universitários e sacudido pela pobreza intelectual e estética de um Michel Teló.

Raulzito foi, ao mesmo tempo, Madonna, Michael Jackson, Lady Gaga e Gonzagão num só personagem. Em plena ditadura, fazia o Brasil inteiro ouvir sua mensagem esotérica, libertária e criativa: "Se eu quero e você quer/Tomar banho de chapéu/Ou esperar Papai Noel/Ou discutir Carlos Gardel/Então vá!/Faz o que tu queres/Pois é tudo da Lei!/Da Lei!/Viva!/Viva!/Viva a Sociedade Alternativa". Num momento em que alternativa não havia, pois os generais de plantão fingiam-se de Papai Noel e nos mandavam tirar o chapéu para eles. Essa letra não tem o dedo de Paulo Coelho. Mas outras, clássicos, nasceram do trabalho dessa dupla típica daqueles anos de sexo, drogas, rock, álcool e perdição.

O filme mostra as muitas loucuras e mulheres de Raul Seixas. Sem pretender muito, mostra também o quanto Paulo Coelho e Raul Seixas têm em comum, a começar pelo mesmo imaginário. Paulo iniciou Raul nas drogas e em certo esoterismo. Raul foi mais longe do que o mestre, a quem ensinou a escrever letra de música e a ser popular, falar diretamente o que toca as pessoas. A literatura de Paulo Coelho é da mesma fonte das músicas de Raul. A diferença é que Raul acreditava não acreditando, zombava de si e do mundo, queria ser louco e era mais criativo. Paulo Coelho, embora se pretenda mais místico, é mais racional, desconhece a ironia e, nos seus livros, botou água no vinho criativo de Raul Seixas. Dois grandes marqueteiros. A criatividade de Raul não ganhou o mundo. A sensibilidade de Paulo Coelho ao seu tempo tornou-o planetário. O mago é um Raul que se tornou comedido, um Carlos Castañeda global que foi morar em Genebra, onde passa os dias guardado pelos seus contando o vil metal.

O problema de ver o documentário é a nostalgia que ele desperta. As músicas de Raul rodavam em qualquer rádio do interior do Brasil. As mensagens comportamentais mais subversivas saltavam por cima da censura. Quem diria, ao ouvir Raul Seixas no cinema, a sensação que dá é a mais convencional possível: saudades dos bons tempos! Na saída do cinema, a galera de hoje bebe garrafas e garrafas acondicionadas em porta-malas de carros. Afinal, a lei seca não pegou por aqui. Até aí tudo normal: juventude transviada. O problema é que vão se detonar como nem Raul fazia. Vão se detonar ouvindo sertanejo universitário a noite inteira. Quem os salvará das drogas que estão corroendo impiedosamente os seus cérebros?
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 *Sociólogo. Prof. Universitário. Escritor. Tradutor. Colunista do Correio do Povo
juremir@correiodopovo.com.br
Fonte: Correio do Povo on line, 28/04/2012

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