Antonio Ozaí da Silva**
Sofrer é um verbo que se conjuga na primeira pessoa. Ninguém pode
expressar a intensidade do sofrimento do outro. Sim, pode-se sofrer
juntos; sofremos, portanto! Mas não é possível sentir o que o outro
sente. A dor que sinto é minha e de mais ninguém. “A verdade da dor
reside naquele que a sofre”, afirma Alain Corbin.* Mas, se houvesse como medir, qual dor é mais pungente: a física ou a psíquica? É preferível a dor do corpo ao tormento da alma?
Há quem faça questão de mostrar que sofre. Chegam a causar um certo
mal-estar; cronicamente deprimidos, parecem não suportar a alegria
manifestada ao seu redor. No limite, parecem culpar os demais pela
própria situação. São carentes egoístas. É-lhes quase que insuportável
não receber todas as atenções que acreditam merecer. Querem afagos ao
ego, não suportam a crítica. São imprevisíveis e frágeis como cristal.
Diante deles, o melhor a fazer é manter o silêncio.
O sofrimento não é privilégio de ninguém. Não nos tornamos especiais
porque sofremos, pois cada ser humano está sujeito a sofrer e sofre a
seu modo. Se uma pessoa não chora no funeral do ente amado não significa
que não tenha sentimentos, que não sofra. Quem sabe sua dor seja ainda
mais intensa por não se manifestar. Talvez seja mais sensato e
respeitoso sofrer silenciosamente e suportar a dor no recôndito da alma.
Por que, por exemplo, o aluno deve suportar o mau humor do professor se
também sofre e as razões do seu sofrer são desconhecidas para o
docente? O aluno e o colega de trabalho não são culpado do meu sofrer,
nem são meus psicólogos. Devo, portanto, poupá-los e, perante eles, agir
como profissional e cumprir a minha função da melhor forma possível. Se
isto se revelar impossível, pois o sofrimento pode tornar-se
insuportável, então devo me afastar da sala de aula para tratar da minha
saúde psíquica.
O sofrer não me concede qualquer direito especial sobre os demais. Às
vezes, agimos de tal maneira que afastamos as pessoas e,
paradoxalmente, isto nos faz sofrer ainda mais. Em nosso egocentrismo
imputamos a “culpa” à insensibilidade do outro, mas nos recusamos a
olhar para dentro de nós mesmos e a fazemos a reflexão necessária sobre
as nossas atitudes. Por que, em vez de cobrar o outro por não se adequar
às nossas expectativas, não fazemos auto-análise? Será o receio de
descobrir que o problema está no eu que anula a possibilidade do nós?
Todos temos carências, todos precisamos e queremos atenção. O carente
mórbido, no entanto, age como se carregasse todo o fardo do mundo. Ele
deseja que permaneçamos em sua órbita, é o centro do mundo!
O sofrimento é inerente à existência humana. Uns sofrem por amar,
outros por não serem amados; sofre-se pela separação ou por querer estar
junto; sofre-se por amar demais e pela ausência do ser amado; sofre-se
pela consciência da culpa e também por culpar; sofre-se, enfim, por
motivos que, aos olhos dos outros, parecem banais. Um gesto, uma
palavra, uma frase podem causar sofrimento. Mas também a ausência do
gesto, da palavra e da frase pode fazer sofrer. Sofre-se pela morte dos
que amamos, por ver o sofrimento físico e pela incapacidade de ajudar,
etc. Em algum momento da vida, de uma forma ou de outra, todos sofremos.
Não obstante, talvez mais dilacerante que o sofrer seja a consciência
de ser o móbil do sofrimento do ser amado, quando o sentimento da culpa
atormenta a alma.
Só a morte nos liberta de todo o sofrer! Quem sabe seja esta a
principal mensagem que o suicida nos lega. Fico a pensar sobre a
intensidade da dor, do sofrer que dilacera o corpo e a alma e a
desesperança de quem comete o suicídio. Por isso, embora ame demais a
vida e não recomende tal solução a ninguém, tento compreender este
gesto!
* CORBIN, Alain. Dores, sofrimentos e misérias do corpo. In: História do corpo: da Revolução à Grande Guerra, sob a direção de Alain Corbin, Jean-Jacques Courtine e Georges Vigarello, Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p.330.
**Professor do Departamento de Ciências Sociais, Universidade Estadual de
Maringá (UEM); editor da Revista Espaço Acadêmico, Acta Scientiarum.
Human and Social Sciences e Revista Urutágua
Fonte: http://antoniozai.wordpress.com/2012/04/28/o-sofrimento/
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