domingo, 29 de abril de 2012

O cerco europeu aos imigrantes

EFEITO CRISE

Recém-chegada a Madri, em fevereiro, a jornalista brasileira Karla Mendes foi involuntariamente incluída em uma conversa sobre o tema preferido dos espanhóis nos últimos tempos, a crise. Escutou, de um homem que não sabia de sua nacionalidade, uma das teses para a decadência econômica:

– Muitos estrangeiros vieram para cá, trouxeram suas famílias e tiraram emprego da gente.

Observações semelhantes têm tomado as ruas de países europeus sob fortes dificuldades financeiras e, em alguns casos, motivado um novo cerco contra a imigração. Na Espanha do conservador Mariano Rajoy, os imigrantes ilegais já sentiram o peso dos cortes nos gastos públicos: a partir de agosto, terão os cartões de saúde invalidados e não poderão realizar consultas – apenas em caso de emergência.

Difícil de ser mensurada, a resistência aos imigrantes foi traduzida em números na França, quando a candidata Marine Le Pen conseguiu o terceiro lugar (17,9% dos votos) no primeiro turno das eleições presidenciais com a bandeira de reduzir drasticamente a permissão para novos estrangeiros viverem no país. Desesperado para vencer, o presidente Nicolas Sarkozy flerta com ideais extremistas para derrotar o socialista François Hollande, cujas propostas imigratórias são mais brandas.

O contexto europeu põe em xeque o Tratado de Schengen – que permite a livre circulação em 26 países da União Europeia. Em uma carta à Comissão Europeia há duas semanas, Sarkozy e a chanceler alemã, Angela Merkel, pediram autonomia para restabelecer o controle de suas fronteiras. O acordo permite que um estrangeiro que ingressou em um dos países signatários não precise realizar novos trâmites alfandegários ao cruzar as fronteiras. Sua suspensão atacaria um dos fundamentos do bloco.

Em 2011, a medida já havia sido seriamente cogitada. Após as revoltas da Primavera Árabe, a imigração aumentou em 35%, de 104 mil pessoas em 2009 e 2010, para cerca de 141 mil em 2011. A acolhida dos refugiados causou polêmica nos países vizinhos à Itália. A França chegou a interromper a ligação ferroviária com vizinho do sul para evitar que um grupo de tunisianos e de ativistas chegasse a Nice. Uma mensagem que continua viva um ano depois.


Filmes recentes sobre o tema:

O Porto (2011)Ainda em cartaz em Porto Alegre, o filme de Aki Kaurismäki é ambientado em uma área portuária da França, onde um engraxate abriga um menino africano.

Bem-Vindo (2009)*Dirigido por Philippe Lioret, o filme aborda a lei francesa que pune quem abrigar ou auxiliar imigrante ilegais.

Entre os Muros da Escola (2008)O professor de francês François Bégaudeau interpreta ele próprio no filme que recria o ambiente convulsivo de um escola pública da periferia de Paris. Dirigido por Laurent Cantet.

O Segredo do Grão (2007) *O longa de Abdel Kechiche descreve o cotidiano da comunidade magrebina no sul da França.

* Disponíveis em DVD

ENTREVISTA

“Existe preconceito”

Gisele Borges | Estudante de mestrado na Sorbonne, em Paris

A publicitária gaúcha Gisele Borges, que faz mestrado em Paris há sete meses, aguarda o resultado das eleições para saber como proceder em relação aos estágios obrigatórios e a renovação do visto. Ela relata que uma das medidas de Sarkozy foi reduzir a possibilidade de estudantes estrangeiros realizarem estágios ou trabalharem em empresas.

Zero Hora – Como é a relação dos franceses com os imigrantes?
Gisele Borges – A relação deles com os latinos é muito mais amena e saudável do que com os muçulmanos. Mesmo que seja um país laico, com debate democrático, existe um preconceito contra a forma de vida deles, porque eles trazem suas culturas para cá, e essa relação se choca com a cultura laica francesa, que não admite determinadas segregações, como a relação com a mulher. É um debate que está na sociedade, mas não é totalmente público, é meio velado. Entretanto, no processo eleitoral, isso veio à tona.

ZH – Qual a proporção de estrangeiros, por exemplo, nas aulas na Sorbonne?
Gisele – Nas aulas de auditório, que chegam a ter 200 alunos, tem entre 60 e 70 alunos estrangeiros, entre francófono e não francófonos – é assim que somos tratados aqui. Quem é francófono, entende a língua desde o início, é mais cobrado. O francês tem amor pelo seu idioma e é cobrado dele um francês qualificado. Acho que, até para o não-francófono, acaba sendo melhor.

ZH – Como a senhora avalia a quantidade de votos recebidos pela candidata anti-imigração?
Gisele – A eleição, aqui, não é só o momento de escolher a pessoa em quem votar. É uma manifestação do consciente da população francesa. A eleição realmente reflete um sentimento. Por isso, o debate em torno dos imigrantes chama atenção. Muita gente que não se manifestou durante a campanha deu seu voto de protesto na Frente Nacional na urna.

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Reportagem por ROSSANA SILVA
Fonte: ZH on line, 29/04/2012

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