Marcelo Gleiser*
Apresentar a ciência como um triunfalismo infalível da civilização esconde o drama da descoberta
Do jeito que a ciência é ensinada nas escolas, não é à toa que a maioria
das pessoas acha que o conhecimento científico cresce linearmente,
sempre se acumulando.
No entanto, uma rápida olhada na história da ciência permite ver que não
é bem assim: o caminho que leva ao conhecimento é tortuoso e, às vezes,
vai até para trás, quando uma ideia errada persiste por mais tempo do
que deveria.
Isso pode ocorrer por razões como censura política (veja o caso de
Trofim Lysenko durante o regime stalinista na União Soviética) ou por
ideologias na classe científica, promulgadas por membros influentes.
Apresentar a ciência nas escolas e universidades ou nos meios informais
de comunicação como um triunfalismo infalível da civilização esconde um
de seus lados mais interessantes: o drama da descoberta, as incertezas
da criatividade.
Cientistas tendem a reagir negativamente às ideias que ameaçam o status
quo. Por um lado, esse ceticismo é essencial, dado que a maioria das
ideias novas está errada. Por outro, ele pode revelar um conservadorismo
que atravanca o avanço do conhecimento.
Um bom exemplo disso é o experimento de Albert Michelson e Edward
Morley, realizado em 1887 para detectar o movimento da Terra através do
éter, o meio material cuja função era servir de suporte para a
propagação das ondas de luz.
Tal qual as ondas de som se propagam no ar, supunha-se que as ondas
luminosas também necessitassem de um meio para se propagar, o éter. O
experimento mediria as diferenças na velocidade da luz quando um raio
luminoso ia contra o éter ou a favor, como quando andamos de bicicleta e
sentimos um "vento" contra nosso corpo. (Uma bola jogada contra ou a
favor do "vento" terá velocidades diferentes.)
Para total e completa surpresa da comunidade científica, o experimento
não detectou diferenças na velocidade da luz em qualquer direção.
Em meio à perplexidade generalizada, várias tentativas de explicar o
achado foram propostas, inclusive uma por George Fitzgerald e Hendrik
Lorentz que sugeria que as hastes do aparato podiam encolher na direção
do movimento. Esse encolhimento de fato existe, mas não como proposto
pelos dois.
Apenas em 1905 Einstein explicou o que estava acontecendo, com sua
teoria da relatividade especial: o éter não existe -a velocidade da luz é
sempre a mesma, uma constante da natureza.
Observações recentes andam questionando a existência de um outro meio
material ainda não detectado, a matéria escura. Essa matéria,
supostamente feita de partículas diferentes das que compõem o que
conhecemos no Universo (ou seja, coisas feitas de elétrons, prótons e
nêutrons), deve ser seis vezes mais abundante que a matéria comum e se
aglomerar em torno de galáxias, inclusive a nossa.
As observações não detectaram a quantidade esperada de matéria escura. E
agora? A coisa é complicada porque existem outros métodos de detecção
da matéria escura que parecem bastante claros. Qualquer que seja a
resolução do impasse atual, estou certo de que algo de novo e
surpreendente está para acontecer. Será interessante ver a reação da
comunidade ao se deparar com o inesperado.
------------------------
Nenhum comentário:
Postar um comentário