Por Márcia Junges e graziela Wolfart
Como a humanidade foi criada pela misericórdia de Deus,
somos “provas ontológicas do perdão divino a priori”, constata o filósofo
Luiz Filipe Pondé na entrevista que concedeu por telefone à IHU On-Line. “Para o
religioso abraâmico, o perdão é signo do
poder de Deus que não precisa de mim
nem da criação. Para o ateu, é apenas
uma experiência psicológica moral superior, que não está excluída da experiência
do religioso”, acentua.
Luiz Filipe Pondé leciona na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –
PUCSP e na Universidade Federal de São
Paulo – UNIFESP, entre outras instituições.
Graduado em Medicina, pela Universidade Federal da Bahia, e em Filosofia Pura,
pelaUSP, é mestre em História da Filosofia
Contemporânea e em Filosofia Contemporânea, respectivamente pela USP e pela
Université de Paris VIII, França. Doutor em
Filosofia Moderna pela USP e pós-doutor
pela Universidade de Tel Aviv, Israel, es-
creveu O homem insuficiente (São Paulo:
Edusp, 2001); Crítica e profecia. Filosofia
da religião em Dostoievski (São Paulo: Edi-
tora 34, 2003); Conhecimento na desgraça.
Ensaio de epistemologia pascaliana (São
Paulo: Edusp, 2004); e Do pensamento no
deserto, que será em breve lançado pela
Edusp.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Em que sentido
o perdão pode ser encarado como
uma aposta antropológica no outro? Como uma confiança de que
o outro é capaz de mudar?
Luís Filipe Pondé – Não acho
que perdão seja aposta no outro. Se for,
não é gratuito. É pedagógico, e perdão
tem que ser graça.
IHU On-Line – Quais as princi-
pais diferenças na concepção de
perdão de um religioso e de um
ateu?
Luís Filipe Pondé – Para o reli-
gioso abraâmico, o perdão é signo do
poder de Deus que não precisa de mim
nem da criação. Para o ateu, é apenas
uma experiência psicológica moral superior, que não está excluída da experiência do religioso. A transcendência
no ateu é apenas com relação à sua
própria mágoa. No religioso, é um dado
divino que “imitamos”.
IHU On-Line – Da mesma for-
ma que se questiona se é possível
mandar alguém amar, é possível
ordenar alguém a perdoar? Como
se elabora, como se processa o
perdão?
Luís Filipe Pondé – Não se
pode mandar alguém perdoar; pode-
se pontuar o que é o perdão e o ganho
interior da experiência.
IHU On-Line – Por que o Dia
do Perdão (28 de setembro) é
considerado data máxima no ca-
lendário judaico?
Luís Filipe Pondé – Porque é o
dia em que Deus perdoa o povo dos
erros desde a saída do Egito (uma traição, se levarmos em conta a libertação
do povo da escravidão) sem que ele
precise perdoar. É a prova máxima de
sua misericórdia e de sua psicologia
moral.
IHU On-Line – Qual é a dife-
rença de sentido do perdão dado
por Deus no Sinai e a concepção
de perdão a partir de Jesus Cris-
to?
Luís Filipe Pondé – Acho que
os cristãos associam o perdão de Deus
ao entendimento que eles têm de Deus
como amor. No caso dos judeus, o perdão é, como tudo mais, um dado. O
poder infinito de Deus é misericórdia, e
não amor.
IHU On-Line – Como o senhor
relaciona a justiça, a verdade, a
misericórdia e o perdão?
Luís Filipe Pondé – Justiça é simetria entre atos. Verdade é um problema epistemológico de (in) certeza do conhecimento. Misericórdia é o nome do atributo divino que perdoa. Perdão é uma face da misericórdia. Segundo a tradição rabínica, num comentário ao Bereshit (Genesis), se fosse pela verdade e pela justiça, não existiríamos porque mentimos e traímos Deus e a nós mesmos. Foi pela misericórdia que Deus nos criou. Portanto somos filhos da misericórdia, provas ontológicas do perdão divino a priori.
IHU On-Line – Em que medida o perdão transcende e supera o ressentimento?
Luís Filipe Pondé – Em todas. Só existe perdão onde não há ressentimento; é a maior experiência moral que alguém pode ter, dando ou recebendo. Coisa de gente saudável, pouco narcísica e que é capaz de amar. Invejo aquele que perdoa. Baruch ashem1!
Luís Filipe Pondé – Justiça é simetria entre atos. Verdade é um problema epistemológico de (in) certeza do conhecimento. Misericórdia é o nome do atributo divino que perdoa. Perdão é uma face da misericórdia. Segundo a tradição rabínica, num comentário ao Bereshit (Genesis), se fosse pela verdade e pela justiça, não existiríamos porque mentimos e traímos Deus e a nós mesmos. Foi pela misericórdia que Deus nos criou. Portanto somos filhos da misericórdia, provas ontológicas do perdão divino a priori.
IHU On-Line – Em que medida o perdão transcende e supera o ressentimento?
Luís Filipe Pondé – Em todas. Só existe perdão onde não há ressentimento; é a maior experiência moral que alguém pode ter, dando ou recebendo. Coisa de gente saudável, pouco narcísica e que é capaz de amar. Invejo aquele que perdoa. Baruch ashem1!
1 Bendito seja. (Nota da IHU On-Line)
-------------------------------SÃO LEOPOLDO, 09 DE ABRIL DE 2012 | EDIÇÃO 388
Fonte: Revista IHU online,
Imagem da Internet
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