Martha Medeiros*
Vanessa não falava durante o trajeto, não ouvia música, não apreciava a paisagem. Confiar no senso de orientação do marido, nem pensarNuma mesa de restaurante, um grupo conversava animadamente sobre relacionamentos de longa duração estavam ali casais que contabilizavam mais de 20 anos de casados até que uma das mulheres começou a expor as diversas razões que fizeram suas núpcias com o marido durarem tanto tempo. Entre outras coisas, porque eles tinham muitas afinidades, eram muito pacientes um com o outro, gostavam de viajar juntos, prezavam a família, tinham os mesmos sonhos... E ela foi se empolgando, se empolgando. Quando não faltava quase nada para iniciar um relato minucioso sobre os momentos íntimos entre lençóis, o marido, presente à mesa, largou um Não delira, Vanessa. A gente está junto até hoje por um único motivo: porque inventaram o GPS.
Silêncio. Alguém havia entendido a piada?
Deu-se então a explicação. “A Vanessa até que é boa gente (gargalhadas generalizadas), mas eu já não conseguia andar com ela no carro. Era um tal de vira à direita, cuidado que o sinal vai fechar, a próxima rua é contramão, tem uma vaga atrás daquele carro preto, ali, está vendo? Aqui, aqui!!! Falei. Agora quero ver você achar outra vaga. Só entrando na segunda à esquerda pra fazer o retorno.
Vocês estão me entendendo? A Vanessa não conversava durante o trajeto, não ouvia a música que estava tocando, não apreciava a paisagem. Confiar no meu senso de orientação, nem pensar. Não sei até hoje se ela me considera capaz de interpretar uma placa de trânsito. Era o tempo todo: entra na próxima, aqui é rua sem saída, por ali a gente vai se perder, não ultrapassa agora porque já já você vai ter que dobrar à direita, por que foi pegar essa avenida movimentada se a rua de trás está sempre livre?
O GPS salvou nosso casamento”.
Até a Vanessa começou a rir. No minuto seguinte, os outros homens da mesa estavam reclamando da mesmíssima coisa, todos narrando o seu próprio filme de terror a cada saída com a esposa, inclusive aproveitando para contar exemplos bem recentes – de uma hora atrás! – quando saíram de casa para encontrar os amigos naquele restaurante escondido numa ruazinha incógnita da zona sul. Se tivessem encontrado um cartório no caminho, teriam parado para se divorciar.
Algumas mulheres não acharam tanta graça, deram uns resmungos, chamaram os maridos de exagerados, mas a Vanessa, desarmada, seguia rindo fácil, rindo à toa, rindo dela mesma, que é a risada mais generosa que há. Foi então que olhou para o marido com tanta cumplicidade e tanta graça, aquele olhar de quem pede desculpas por ser do jeito que é, que ele não teve alternativa a não ser abraçá-la e confidenciar à mesa, assim que as vozes baixaram o volume:
“Não foi só o GPS. Esse sorriso também ajudou”.
Dizem que os dois se perderam na volta pra casa, mas aposto que foi de propósito.
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* Escritora. Cronista da ZH
Fonte: ZH on line, 15/04/2012
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