domingo, 15 de abril de 2012

Sobre o HUMANO

 Antonio Ozaí da Silva*

A reprodução dos trechos abaixo tem o simples objetivo de estimular a reflexão sobre a natureza humana, o humano demasiado humano como diria Nietzsche. Não é apenas sobre o passado que as palavras se referem; elas dizem muito a respeito do presente…

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“(Dostoiévski conta em seu diário que na Sibéria, em meio a multidões de assassinos, estupradores e ladrões, nunca encontrou um único homem que admitisse ter agido mal).”[1]

“Essa atitude “objetiva” – falar dos campos de concentração em termos de “administração” e dos campos de extermínio em termos de “economia” – era típica da mentalidade da SS, e algo que Eichmann ainda muito se orgulhava no julgamento.”[2]

“… os assassinos não eram sádicos ou criminosos por natureza; ao contrário, foi feito um esforço sistemático para afastar todos aqueles que sentiam prazer físico com o que faziam.”[3]
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“… o longo hábito de não pensar que uma coisa seja errada lhe dá o aspecto superficial de ser certa, e ergue de início um temível brado em defesa do costume. Mas o tumulto não tarda em arrefecer. O tempo cria mais convertidos do que a razão.”[4]

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“A autêntica religião em geral, e a fé cristã em particular, com sua incansável ênfase sobre o indivíduo e seu papel na salvação, conduzindo à elaboração de um catálogo de pecados maior que o de qualquer outra religião, nunca poderiam ser utilizados como tranqüilizantes. As ideologias modernas, sejam elas políticas, psicológicas ou sociais, são muito mais qualificadas para imunizar a alma do homem contra o impacto traumatizante da realidade do que qualquer religião tradicional que conheçamos. Comparada com as diversas superstições do século XX, a pia resignação à vontade de Deus é como um canivete de criança em competição com armas atômicas.”[5]
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“São raríssimas as vezes que os homens são inteiramente maus ou inteiramente bons.”
“… os homens não sabem ser honrosamente maus, nem perfeitamente bons, e como uma maldade tem em si alguma coisa de grande ou é generosa em alguma parte, os homens não sabem praticá-la.”[6]
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“Que juízo se pode fazer da beleza moral dessas almas, que passavam a existência a cortar de açoites as carnes de míseros escravos e que aceitavam como legítimo viver do trabalho destes desgraçados, cuja vida será um martírio contínuo?”[7]

“Cativos, martirizados, eles se enforcam em séries, atiram-se às caldeiras de garapa fervente – o suicídio é o fato comum; é por exceção que matam o senhor algoz. Relativamente, são raríssimas as vinganças e represálias. A escrava martirizada ontem pela senhora toma-lhe hoje o filho e o cria, amorosa, solícita, com o cuidado e a ternura da maternidade desinteressada. Ainda hoje, os descendentes destes escravizados de três séculos afagam por aí, com o seu carinho esquecido e submisso, o egoísmo do branco absorvente.”[8]


Padre Antonio Vieira

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“Eles mandam, e vós servis; eles dormem, e vós velais; eles descansam, e vós trabalhais; eles gozam o fruto de vossos trabalhos, e o que vós colheis deles é um trabalho sobre outro. Não há trabalhos mais doces que os das vossas oficinas; mas toda essa doçura para quem é? Sois como as abelhas, de quem disse o poeta: ‘Sic vos non vobis mellificatis apes[9][10]

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“Afora os artistas e os intelectuais, poucos agentes sociais dependem tanto, no que são e no que fazem, da imagem que têm de si próprios e da imagem que os outros e, em particular, os escritores e artistas, têm deles e do que eles fazem.”[11]
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“Nos séculos IV e V, quando os cristãos atacavam os pagãos, destruíam seus santuários e lugares sagrados, as exceções eram os sacerdotes, que eram atacados, como sempre, apenas pela queima de seus livros. Quando os pagãos atacaram os cristãos na última “grande” perseguição, tentaram destruir seus livros, confiscando as Escrituras cristãs e queimando-as. A tarefa não foi fácil, pois os cristãos haviam produzido tantos livros diferentes que poderiam lhes entregar alguma coisa considerada “hierática”.”[12]

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E você, caro(a) leitor(a), qual a sua reflexão sobre estas breves citações? Quais palavras que você acrescentaria?

[1] ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 60.
[2] Idem, p. 83.
[3] Idem, p. 121.
[4] PAINE, Thomas. Senso Comum e outros escritos políticos. São Paulo: IBRASA, 1964, p. 3. (Clássicos da Democracia)
[5] ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo, Editora Perspectiva, 2001, p. 179.
[6] MAQUIAVEL, Discorsi, I, 27, apud in BIGNOTO, Newton. Maquiavel Republicano. São Paulo: Loyola, 1991, p. 103.
[7] BONFIM, Manuel. A América Latina. In: SANTIAGO, Silviano. (Org. ) Intérpretes do Brasil. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 2000, pp. 607-917 – a citação é da p. 652.
[8] Id., p. 792.
[9] Verso atribuído a Virgílio: “Assim vós, mas não para vós, fabricais o mel, abelhas”.
[10] Padre Antonio Vieira, citado em: BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Editora Cultrix, 2006, p. 46.
[11] BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo, Editora Perspectiva, 1974, p. 108.
[12] FOX, Robin Lane. Cultura escrita e poder nos primórdios do cristianismo. In: BOWMAN, Alan K. e WOOLF, Greg. (Org.) Cultura escrita e poder no mundo antigo. São Paulo, Ed. Ática, 1998, p. 155.
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 *Professor do Departamento de Ciências Sociais na Universidade Estadual de Maringá (DCS/UEM), editor da Revista Espaço Acadêmico, Revista Urutágua e Acta Scientiarum. Human and Social Sciences e autor de Maurício Tragtenberg: Militância e Pedagogia Libertária (Ijuí: Editora Unijuí, 2008).
Fonte: http://antoniozai.wordpress.com/2012/04/14/sobre-o-humano/

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