MARTHA MEDEIROS*
Ninguém questiona quanto Maria Gadú receberá pelo show que realizará
amanhã aqui na cidade: seja quanto for, é o valor do trabalho dela.
Tampouco alguém vai se escandalizar com o que Madonna vai embolsar no
fim do ano com sua excursão pelo país. Está sacramentado que, no mundo
da música, o artista reina.
Mas vá associar dinheiro com literatura. Nada pode ser mais profano.
Se Gabriel o Pensador (a quem admiro) viesse para a Feira do Livro de Bento Gonçalves apenas para fazer um show e, com sua equipe, recebesse R$ 170 mil, o cachê seria astronomicamente alto, mas não viraria manchete de jornal. Alguém tem ideia de quanto Nando Reis cobrou para cantar semana passada na Bienal do Livro de Brasília? Bem menos que isso, provavelmente, mas não é relevante. Como se trata de um show, ninguém questiona.
Mas Gabriel não é apenas músico, é também escritor, e isso muda tudo. Um escritor receber essa baba para, além de fazer show, dar palestra? Incentivar os jovens a ler? Peraí: escritor tem que fazer isso de graça!
É o que está embutido no inconsciente coletivo. Escritor não precisa comer (a poesia alimenta a sua alma), não precisa se vestir (ele é o São Francisco de Assis das artes), não precisa comprar passagem de avião (ele viaja nas ideias), não precisa ter casa própria (ele mora na filosofia), não precisa fazer as unhas e pintar o cabelo (escritoras, quanto mais esculhambadas, mais profundas). Ou seja, o dinheiro macula a “sacralidade” dos que vivem de escrever – e se viverem mal, ótimo, maior será o seu crédito.
O pior é que, a despeito da ironia acima, ainda me sinto tolamente constrangida de ser paga para participar de eventos literários, reflexo desse pensamento beato de que escritor e dinheiro não foram feitos um para o outro. No entanto, assim como meus colegas, sou paga, vivo disso também, e procuro manter uma atitude profissional, a exemplo de qualquer outro trabalhador que está doando suas horas produtivas para se colocar a serviço de um contratante. Escritor não tem que estar sempre em promoção.
Se há algo de errado em investir
R$ 170 mil em um único autor – e é mesmo dinheiro pra burro, a polêmica se justifica –, também há algo de errado em a gente ficar tão embaraçado em ser bem pago para falar. Se acreditam que podemos contribuir para a sociedade não só escrevendo, se há quem queira também nos escutar, vamos lá, não é pecado, desde que se pratique um preço justo – resta saber como se quantifica o justo. Outro dia, um amigo, palestrante profissional, me confidenciou que os escritores estão deflacionando o mercado em que ele atua. “As empresas nos consideram caros porque vocês, escritores, aceitam falar por qualquer merreca.” Pois é. Ou a gente deixa o constrangimento de lado, ou vamos ter que aprender a cantar.
Mas vá associar dinheiro com literatura. Nada pode ser mais profano.
Se Gabriel o Pensador (a quem admiro) viesse para a Feira do Livro de Bento Gonçalves apenas para fazer um show e, com sua equipe, recebesse R$ 170 mil, o cachê seria astronomicamente alto, mas não viraria manchete de jornal. Alguém tem ideia de quanto Nando Reis cobrou para cantar semana passada na Bienal do Livro de Brasília? Bem menos que isso, provavelmente, mas não é relevante. Como se trata de um show, ninguém questiona.
Mas Gabriel não é apenas músico, é também escritor, e isso muda tudo. Um escritor receber essa baba para, além de fazer show, dar palestra? Incentivar os jovens a ler? Peraí: escritor tem que fazer isso de graça!
É o que está embutido no inconsciente coletivo. Escritor não precisa comer (a poesia alimenta a sua alma), não precisa se vestir (ele é o São Francisco de Assis das artes), não precisa comprar passagem de avião (ele viaja nas ideias), não precisa ter casa própria (ele mora na filosofia), não precisa fazer as unhas e pintar o cabelo (escritoras, quanto mais esculhambadas, mais profundas). Ou seja, o dinheiro macula a “sacralidade” dos que vivem de escrever – e se viverem mal, ótimo, maior será o seu crédito.
O pior é que, a despeito da ironia acima, ainda me sinto tolamente constrangida de ser paga para participar de eventos literários, reflexo desse pensamento beato de que escritor e dinheiro não foram feitos um para o outro. No entanto, assim como meus colegas, sou paga, vivo disso também, e procuro manter uma atitude profissional, a exemplo de qualquer outro trabalhador que está doando suas horas produtivas para se colocar a serviço de um contratante. Escritor não tem que estar sempre em promoção.
Se há algo de errado em investir
R$ 170 mil em um único autor – e é mesmo dinheiro pra burro, a polêmica se justifica –, também há algo de errado em a gente ficar tão embaraçado em ser bem pago para falar. Se acreditam que podemos contribuir para a sociedade não só escrevendo, se há quem queira também nos escutar, vamos lá, não é pecado, desde que se pratique um preço justo – resta saber como se quantifica o justo. Outro dia, um amigo, palestrante profissional, me confidenciou que os escritores estão deflacionando o mercado em que ele atua. “As empresas nos consideram caros porque vocês, escritores, aceitam falar por qualquer merreca.” Pois é. Ou a gente deixa o constrangimento de lado, ou vamos ter que aprender a cantar.
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*Escritora. Colunista da ZH
Fonte: ZH on line, 25/04/2012
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