Luiz Felipe Pondé*
Não estou a menosprezar os medos humanos; muito pelo contrário, o medo é o meu irmão gêmeo
Cuidado! Quem tem muitos amigos no "Face" pode ter uma personalidade
narcísica. Personalidade narcísica não é alguém que se ama muito, é
alguém muito carente.
Faço parte do que o jornal britânico "The Guardian" chama de "social
media sceptics" (céticos em relação às mídias sociais) em um artigo
dedicado a pesquisas sobre o lado "sombrio" do Facebook (22/3/2012).
Ser um "social media sceptic" significa não crer nas maravilhas das
mídias sociais. Elas não mudam o mundo. Aliás, nem acredito na
"história", sou daqueles que suspeitam que a humanidade anda em
círculos, somando avanços técnicos que respondem aos pavores míticos
atávicos: morte, sofrimento, solidão, insegurança, fome, sexo. Fazemos o
que podemos diante da opacidade do mundo e do tempo.
As mídias sociais potencializam o que no humano é repetitivo, banal e
angustiante: nossa solidão e falta de afeto. Boas qualidades são raras e
normalmente são tão tímidas quanto a exposição pública.
E, como dizia o poeta russo Joseph Brodsky (1940-96), falsos sentimentos
são comuns nos seres humanos, e quando se tem um número grande deles
juntos, a possibilidade de falsos sentimentos aflorarem cresce
exponencialmente.
Em 1979, o historiador americano Christopher Lasch (1932-94) publicava
seu best-seller acadêmico "A Cultura do Narcisismo", um livro essencial
para pensarmos o comportamento no final de século 20. Ali, o autor
identificava o traço narcísico de nossa era: carência, adolescência
tardia, incapacidade de assumir a paternidade ou maternidade, pavor do
envelhecimento, enfim, uma alma ridiculamente infantil num corpo de
adulto.
Não estou aqui a menosprezar os medos humanos. Pelo contrário, o medo é
meu irmão gêmeo. Estou a dizer que a cultura do narcisismo se fez
hegemônica gerando personalidades que buscam o tempo todo ser amadas,
reconhecidas, e que, portanto, são incapazes de ver o "outro", apenas
exigindo do mundo um amor incondicional.
Segundo a pesquisa da Universidade de Western Illinois (EUA), discutida
pelo periódico britânico, "um senso de merecimento de respeito, desejo
de manipulação e de tirar vantagens dos outros" marca esses bebês
grandes do mundo contemporâneo, que assumem que seus vômitos são
significativos o bastante para serem postados no "Face".
A pesquisa envolveu 294 estudantes da universidade em questão, entre 18 e
65 anos, e seus hábitos no "Face". Além do senso de merecimento e
desejo de manipulação mencionados acima, são traços "tóxicos" (como diz o
artigo) da personalidade narcísica com muitos amigos no "Face" a
obsessão com a autoimagem, amizades superficiais, respostas
especialmente agressivas a supostas críticas feitas a ela, vidas guiadas
por concepções altamente subjetivas de mundo, vaidade doentia, senso de
superioridade moral e tendências exibicionistas grandiosas.
Pessoas com tais traços são mais dadas a buscar reconhecimento social do que a reconhecer os outros.
Segundo o periódico britânico, a assistente social Carol Craig, chefe do
Centro para Confiança e Bem-estar (meu Deus, que nome horroroso...),
disse que os jovens britânicos estão cada vez mais narcisistas e
reconhece que há uma tendência da educação infantil hoje em dia,
importada dos EUA para o Reino Unido (no Brasil, estamos na mesma...), a
educar as crianças cada vez mais para a autoestima.
Cada vez mais plugados e cada vez mais solitários. Na sociedade contemporânea, a solidão é como uma epidemia fora de controle.
O Facebook é a plataforma ideal para autopromoção delirante e inflação
do ego via aceitação de um número gigantesco de "amigos" irreais. O dr.
Viv Vignoles, catedrático da Universidade de Sussex, no Reino Unido,
afirma que, nos EUA, o narcisismo já era marca da juventude desde os
anos 80, muito antes do "Face".
Portanto, a "culpa" não é dele. Ele é apenas uma ferramenta do
narcisismo generalizado. Suspeito muito mais dos educadores que
resolveram que a autoestima é a principal "matéria" da escola.
A educação não deve ser feita para aumentar nossa autoestima, mas para nos ajudar a enfrentar nossa atormentada humanidade.
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* Filósofo. Prof. Universitário. Escritor. Colunista da Folha
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