Gabriel Perissé * |
O aborto não é tema religioso ou jurídico, não é matéria política,
problema médico ou objeto de pesquisa biológica. Todas essas dimensões
são importantes, mas decisiva mesmo é a questão gramatical.
A gramática do aborto nos pede a classificação morfológica e a
análise sintática dos discursos, sejam contra ou a favor, sejam
indignados ou frios, calculistas ou transbordantes.
Primeiramente, onde está o sujeito oculto? A que classe ele pertence? Em que ponto das entrelinhas ele se esconde?
Será talvez um sujeito indeterminado? Sem nome? Sem pronome? Ou esta sentença não tem sujeito?
O sujeito foi um acidente da conjugação? Nasceu quando todos os
advérbios eram de negação? O sujeito merece, ao menos, uma oração?
O sujeito caiu em desuso? O sujeito existe? Tem algum adjetivo capaz
de lhe dar, na vida, um objetivo? A que gênero pertence? Ao gênero
neutro?
Onde deixaremos o sujeito, mero artigo indefinido? Onde jogaremos o
sujeito expelido da frase? Será que o sujeito é realmente o que está
embaixo, subordinado, sujeitado, subjazendo a todos os imperativos?
Mas de onde veio esse sujeito sem predicados ou predicativos? Nasceu
de outros sujeitos, fora do contexto? De um antigo particípio passado,
para sempre ultrapassado?
O sujeito virou objeto indireto num mundo intransitivo? O sujeito
foi devidamente analisado? Será meramente expletivo, sem coordenação que
lhe dê espaço?
O sujeito é apenas agente da passiva? Sobretudo quando é defectivo?
O sujeito é composto? Decomposto? Recebeu um aposto? É condicional?
É temporal? É vocativo? É alternativo? É adversativo? Incomoda a
norma vigente?
O sujeito concorda com a ação expressa no período?
E o verbo, é anômalo também? Ou não tem futuro, uma vez que se perdeu no pretérito?
O problema gramatical do aborto é que o sujeito está desclassificado.
É apenas função não determinante. Uma contradição em termos. Um
parasita no vernáculo. Uma vírgula descartável.
Vivo ou morto, o sujeito está à margem da semântica. E à mercê de
todos os falantes. Ele tende a se tornar um prefixo como outro qualquer.
O sujeito pode ter consoantes dentais ou labiais, será, quem sabe,
portador de apócopes ou núcleo silábico, ou talvez seja paroxítono, ou
carregue, pobre coitado, uma sístole inclassificável...
Se o sujeito for considerado um desafeto, será fato consumado.
Para todos os efeitos, etimologia alguma poderá salvá-lo.
Diremos “adeus”, mas ele não tem voz ativa para responder.
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*Gabriel Perissé
Doutor em Educação pela USP e escritor
Fonte: http://www.correiocidadania.com.br/13/04/2012
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