Thomaz Wood Jr.*
Novo solteirismo
O
inferno são os outros! A conhecida frase de Jean-Paul Sartre agora dá
sentido a um fenômeno de massa. Se o inferno são os outros, então nossos
contemporâneos parecem estar se movimentando para fugir das catacumbas
sulfurosas. Segundo Eric Klinenberg, professor de Sociologia da
Universidade de Nova York e autor do livro Going Solo: The extraordinary rise and surprising appeal of living alone (editora Penguin), cada vez mais pessoas optam por viver sozinhas.
O autor carrega nas tintas, embalado por um mercado editorial viciado
em títulos de impacto, argumentos surpreendentes e fatos irrefutáveis,
mas o livro tem méritos. Segundo Klinenberg, estamos presenciando uma
inflexão histórica. Cultivamos, durante milênios, uma repulsa
existencial e filosófica à solidão. “O homem que vive isolado, que é
incapaz de partilhar os benefícios da associação política ou não precisa
partilhar porque já é autossuficiente, não faz parte da pólis, e deve,
portanto, ser ou uma besta ou um deus”, escreveu Aristóteles (apud Klinenberg).
As sociedades humanas se estruturaram em torno do desejo fundamental
de os indivíduos viverem na companhia uns dos outros. O isolamento é
frequentemente associado à punição. Uma criança mal comportada é
separada de seus pares e colocada sozinha. Um prisioneiro malcomportado é
trancafiado na solitária.
Entretanto, segundo Klinenberg, tudo isso está
mudando. Nas últimas décadas, houve um aumento expressivo do número de
homens e mulheres que passaram a viver voluntariamente sozinhos. O
fenômeno é consequência do desenvolvimento econômico, que permite maior
autonomia; da superação da lógica econômica do casamento, que dá maior
liberdade às pessoas para buscar arranjos alternativos; da urbanização,
que adensa as comunidades humanas; e da evolução das tecnologias de
informação e de comunicação, que facilitam a interação entre as pessoas.
Resultado: estamos casando mais tarde, prolongando o período entre o
divórcio e o novo casamento, ou evitando um novo casamento, e escapando o
quanto possível da possibilidade de viver com outra pessoa. É o novo
solteirismo!
Nas grandes cidades norte-americanas, 40% das moradias têm um único
ocupante. Em Washington e Manhattan, casos extremos, são 50%. E o
fenômeno não se restringe aos Estados Unidos. Paris apresenta números
superiores a 50% e, em Estocolmo, a taxa chega a 60%. China, Índia e
Brasil, países em desenvolvimento, caminham no mesmo sentido.
Viver sozinho deixou de ser fonte de medo e causa de isolamento
social. As vantagens são notáveis: -controle sobre a própria vida,
liberdade de ação e melhores condições para perseguir atividades
voltadas para a autorrealização. No imaginário social, vai surgindo um
novo modelo ideal: o neossolteiro, um ou uma profissional de sucesso,
-socialmente atuante e mestre de sua existência.
O fenômeno do novo solteirismo relaciona-se a outro
fenômeno, maior, de enfraquecimento dos vínculos e das relações, que se
manifesta na vida social e na vida profissional. Richard Sennet
registrou a tendência no livro A Corrosão do Caráter (editora
Record), no fim da década de 1990. De fato, o comprometimento dos
indivíduos com instituições e organizações vem se fragilizando há
algumas décadas. Hoje, transitamos por inúmeros grupos, empresas e
comunidades, porém estabelecemos relacionamentos apenas tênues e
temporários.
Nas empresas, depois de seguidas ondas de reestruturações,
enxugamentos e terceirizações, os empregos “para toda a vida” estão
quase extintos. Paradoxalmente, empresários e executivos continuam
esperando alto grau de envolvimento e comprometimento de seus
funcionários, e frustram-se quando não os conseguem. Com a ajuda de
asseclas de recursos humanos, tentam tapar o sol com a peneira,
programando palestras motivacionais, abraçando árvores e promovendo
interlúdios culturais. Pouco adianta.
As novas gerações representam para as empresas um considerável
desafio: os mais jovens são individualistas, inquietos e
despudoradamente ambiciosos. Saltam de galho em galho corporativo sem
olhar para trás. Habitam redes fluidas, sejam elas comunidades reais ou
virtuais. São impacientes com o presente e ansiosos pelo futuro.
Neste admirável mundo novo, perde espaço o que é estável e profundo,
ganha espaço o que é efêmero e superficial. Afirmam os profetas do mundo
plano que terão vantagens os mais dinâmicos, os mais extrovertidos,
aqueles com mais iniciativa e sem medo de errar, aqueles capazes de usar
diligentemente seu capital social em prol da própria marca. E os
incomodados que se mudem… de planeta?
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* Thomaz Wood Jr. escreve sobre gestão e o mundo da administração.
thomaz.wood@fgv.br
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/voo-solo/?autor=14 - Acesso: 13/04/2012
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