Noam Chmsky em reunião no consulado do Equador em Boston, abril de 2015
Numa longa conversa, Chomsky
analisa as principais tendências do cenário internacional, critica a
escalada militarista do seu país e afirma que as alterações climáticas é
o pior problema
que a humanidade já enfrentou.
Por Agustín Fernández
Gabard e Raúl Zibechi
“Os
Estados Unidos foram sempre uma sociedade colonizadora. Ainda antes de
se constituir como Estado estava a eliminar a população indígena, o que
significou a destruição de muitas nações originais”, sintetiza o
linguista e ativista norte-americano Noam Chomsky quando se lhe pede que
descreva a situação política mundial. Crítico acérrimo da política
externa do seu país, argumenta que desde 1898 se virou para o cenário
internacional com o controle de Cuba, “que converteu essencialmente em
colónia”, para depois invadir as Filipinas, “assassinando um par de
centenas de milhares de pessoas”.
Continua a alinhavar uma espécie de contra-história do império:
“Depois roubou o Hawai à sua população original, 50 anos antes de
incorporá-la como mais um estado”. Imediatamente depois da segunda
Guerra Mundial, os Estados Unidos converteram-se em potência
internacional, “com um poder sem precedente na história, um incomparável
sistema de segurança, controlava o hemisfério ocidental e os dois
oceanos, e naturalmente traçou planos para tentar organizar o mundo de
acordo com os seus desejos”.
Concorda que o poder da superpotência diminuiu em relação ao que
tinha em 1950, o pico do seu poder, quando acumulava 50 por cento do
produto interno bruto mundial, que agora caiu para 25 por cento. Ainda
assim, parece-lhe necessário recordar que os Estados Unidos continuam a
ser “o país mais rico e poderoso do mundo, e a nível militar é
incomparável”.
Um sistema de partido único
Há algum tempo Chomsky comparou as votações no seu país com a escolha
de uma marca de pasta de dentes num supermercado. “O nosso é um país de
um só partido político, o partido da empresa e dos negócios, com duas
fações, democratas e republicanos”, proclama. Mas acha que já não é
possível continuar a falar de duas velhas comunidades políticas, já que
as suas tradições sofreram uma mutação completa durante o período
neoliberal.
“São os republicanos modernos que se fazem chamar democratas,
enquanto a antiga organização republicana ficou fora do espectro, porque
ambas as partes se deslocaram para a direita durante o período
neoliberal, tal como aconteceu na Europa”. O resultado é que os novos
democratas de Hillary Clinton adotaram o programa dos velhos
republicanos, enquanto estes foram completamente tomados pelos
neoconservadores. “Se você vir os espetáculos televisivos onde dizem
debater, só gritam uns com os outros e as poucas políticas que
apresentam são aterradoras”.
Os Estados Unidos continuam a ser “o país mais rico e poderoso do mundo, e a nível militar é incomparável”
Por exemplo, ele aponta que todos os candidatos republicanos negam o
aquecimento global ou são céticos, que apesar de não o negarem dizem que
os governos não devem fazer algo sobre isso. “No entanto, o aquecimento
global é o pior problema que a espécie humana jamais enfrentou, e
estamos a dirigir-nos para um desastre completo”. Na sua opinião, as
alterações climáticas têm efeitos só comparáveis com a guerra nuclear.
Pior ainda, “os republicanos querem aumentar o uso de combustíveis
fósseis. Não estamos perante um problema de centenas de anos, mas de uma
ou duas gerações”.
A negação da realidade, que carateriza os neoconservadores,
corresponde a uma lógica semelhante à que impulsiona a construção de um
muro na fronteira com o México. “Essas pessoas que tentamos afastar são
as que fogem da destruição causada pelas políticas norte-americanas”.
“Em Boston, onde vivo, há um par de dias o governo de Obama deportou
um guatemalteco que viveu aqui durante 25 anos; tinha uma família, uma
empresa, era parte da comunidade. Tinha escapado da Guatemala destruída
durante a administração Reagan. Em resposta, a ideia é construir um muro
para proteger-nos. Na Europa é o mesmo. Quando vemos que milhões de
pessoas a fugir da Líbia e da Síria para a Europa, temos que nos
interrogar sobre o que aconteceu nos últimos 300 anos para chegarmos a
isto”.
Invasões e alterações climáticas retroalimentam-se
Há apenas 15 anos não existia o tipo de conflito que observamos hoje
no Médio Oriente. “É consequência da invasão norte-americana do Iraque,
que é o pior crime do século. A invasão britânica-norte-americana teve
consequências horríveis, destruíram o Iraque, que agora é classificado
como o país mais infeliz do mundo, porque a invasão tirou a vida a
centenas de milhares de pessoas e criou milhões de refugiados, que não
foram acolhidos pelos Estados Unidos e tiveram que ser recebidos pelos
países vizinhos pobres, os quais foram encarregados de recolher as
ruínas do que nós destruímos. E o pior de tudo é que instigaram um
conflito entre sunitas e xiítas que não existia antes”.
O aquecimento global é o pior problema que a espécie humana jamais enfrentou, e estamos a dirigir-nos para um desastre completo”
As palavras de Chomsky recordam a destruição da Jugoslávia durante a
década de 1990, instigada pelo Ocidente. Destaca que, tal como Sarajevo,
Bagdade era uma cidade integrada, onde os diversos grupos culturais
compartilhavam os mesmos bairros, se casavam com membros de diferentes
grupos étnicos e religiões. “A invasão e as atrocidades que se seguiram
instigaram a criação de uma monstruosidade chamada Estado Islâmico, que
nasce com financiamento saudita, um dos nossos principais aliados no
mundo”.
Um dos maiores crimes foi, em sua opinião, a destruição de grande
parte do sistema agrícola sírio, que assegurava a alimentação, o que
levou milhares de pessoas para as cidades, “criando tensões e conflitos
que explodem mal começa a repressão”.
Uma das suas hipóteses mais interessantes consiste em cruzar os
efeitos das intervenções armadas do Pentágono com as consequências do
aquecimento global.
Na guerra no Darfur (Sudão), por exemplo, os interesses das potências
convergem com a desertificação que expulsa populações inteiras das
zonas agrícolas, o que agrava e agudiza os conflitos. “Estas situações
desembocam em crises horríveis, como acontece na Síria, onde se regista a
maior seca da sua história que destruiu grande parte do sistema
agrícola, gerando deslocações, exacerbando tensões e conflitos”,
reflete.
Ainda não temos pensado profundamente, destaca, sobre o que implica
esta negação do aquecimento global e os planos a longo prazo que os
republicanos pretendem acelerar: “Se o nível do mar continua a subir e
sobe mais rapidamente, vai engolir países como o Bangladesh, afetando
centenas de milhões de pessoas. Os glaciares do Himalaia derretem-se
rapidamente pondo em risco o abastecimento de água ao sul da Ásia. Que
vai acontecer a esses milhares de milhões de pessoas? As consequências
iminentes são horrendas, este é o momento mais importante na história da
humanidade”.
Chomsky acredita que estamos perante uma curva da história em que os
seres humanos têm que decidir se querem viver ou morrer: “Digo-o
literalmente. Não vamos morrer todos, mas destruir-se-iam as
possibilidades de vida digna, e temos uma organização chamada Partido
Republicano que quer acelerar o aquecimento global. Não exagero -
remata– é exatamente o que querem fazer”.
A seguir, cita o Boletim de Cientistas Atómicos e o seu
Relógio do Apocalipse, para recordar que os especialistas sustentam que
na Conferência de Paris sobre o aquecimento global era impossível
conseguir um tratado vinculante, apenas acordos voluntários. “Porquê?
Porque os republicanos não o aceitariam. Bloquearam a possibilidade de
um tratado vinculante que poderia ter feito algo para impedir esta
tragédia em massa e iminente, uma tragédia como nunca existiu na
história da humanidade. É disso que estamos a falar, não são coisas de
importância menor”.
Guerra nuclear, possibilidade certa
Chomsky não é das pessoas que se deixam impressionar por modas
académicas ou intelectuais; o seu raciocínio radical e sereno procura
evitar furores e, talvez por isso, mostra-se avesso a aceitar a
anunciada decadência do império. “Tem 800 bases em todo o mundo e
investe no seu exército tanto como todo o resto do mundo. Ninguém tem
algo assim, com soldados a combater em todas as partes do mundo. A China
tem uma política principalmente defensiva, não possui um grande
programa nuclear, ainda que possa crescer”.
Chomsky acredita que estamos perante uma curva da história em que os seres humanos têm que decidir se querem viver ou morrer: “Digo-o literalmente. Não vamos morrer todos, mas destruir-se-iam as possibilidades de vida digna”
O caso de Rússia é diferente. É a principal pedra no sapato da
dominação do Pentágono, “porque tem um sistema militar enorme”. O
problema é que tanto a Rússia como os Estados Unidos estão a ampliar os
seus sistemas militares, “ambos estão a atuar como se a guerra fosse
possível, o que é uma loucura coletiva”. Pensa que a guerra nuclear é
irracional e que só poderia acontecer em caso de acidente ou erro
humano. No entanto, coincide com William Perry, ex-secretário da Defesa,
que disse recentemente que a ameaça de uma guerra nuclear é hoje maior
do que era durante a guerra fria. Chomsky considera que o risco se concentra na proliferação de incidentes que envolvem forças armadas de potências nucleares.
“A guerra esteve muito próxima inúmeras vezes”, admite. Um dos seus
exemplos favoritos é o que aconteceu durante o governo de Ronald Reagan,
quando o Pentágono decidiu pôr a prova a defesa russa mediante a
simulação de ataques contra a União Soviética.
“Resultou que os russos levaram isso muito a sério. Em 1983, depois
de os soviéticos automatizarem os seus sistemas de defesa detetaram um
ataque de míssil norte-americano. Nestes casos o protocolo é ir
diretamente ao alto comando e lançar um contra-ataque. Havia uma pessoa
que tinha que transmitir essa informação, Stanislav Petrov, mas decidiu
que era um falso alarme. Graças a isso estamos aqui a falar”.
Aponta que os sistemas de defesa dos Estados Unidos têm erros sérios e
há umas semanas foi divulgado um caso de 1979, quando se detetou um
ataque em massa com mísseis a partir da Rússia. Quando o conselheiro de
Segurança Nacional, Zbigniew Brzezinski, estava a levantar o telefone
para chamar o presidente James Carter e lançar um ataque de represália,
chegou a informação de que se tratava de um falso alarme. “Há dezenas de
falsos alarmes em cada ano”, assegura.
Neste momento as provocações dos Estados Unidos são constantes. “A
NATO está a realizar manobras militares a 200 metros da fronteira russa
com a Estónia. Nós não toleraríamos algo assim que acontecesse no
México”.
O caso mais recente foi o abate de um caça russo que estava a
bombardear forças jihadistas na Síria em fins de novembro. “Há uma parte
da Turquia quase rodeada por território sírio e o bombardeiro russo
voou através dessa zona durante 17 segundos, e derrubaram-no. Uma grande
provocação que felizmente não foi respondida pela força, mas levaram o
seu mais avançado sistema antiaéreo para a região, o que lhes permite
derrubar aviões da NATO”. Argumenta que factos semelhantes estão a
acontecer diariamente no mar da China.
A impressão que emerge dos seus gestos e reflexões é que se as
potências que são agredidas pelos Estados Unidos atuassem com a mesma
irresponsabilidade que Washington, o destino estaria traçado.
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Entrevista com Noam Chomsky, por Agustín Fernández Gabard e Raúl
Zibechi, publicada no jornal La Jornada em 7 de fevereiro de 2016.
Tradução de Carlos Santos para esquerda.net
REPORTAGEM por Agustín Fernández Gabard e Raúl Zibechi
FONTE: http://www.esquerda.net/artigo/chomsky-este-e-o-momento-mais-critico-na-historia-da-humanidade/41148
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