Luiz Felipe Pondé*
De longe você vê a figura rodando a taça de vinho sobre a mesa. Depois, com destreza de expert, coloca a taça contra a luz.
De cara, você sabe que se trata de alguém em busca de reconhecimento social, não?
Ninguém decente deve se apresentar como alguém que "entende de vinhos".
Melhor nem tocar na taça ou cheirá-la logo após ser servida. Eis um
marcador de "angústia de status", como diz o filósofo Alain de Botton:
entender de vinhos. A ignorância em agir segundo marcadores de estética
social, muitas vezes, é a melhor política.
Estética social nada tem a ver com arquitetura comunista. Ou com índios
dançando em centros culturais paulistanos. Ou com música raivosa da
periferia. Estética social é a disciplina que estuda o comportamento
marcado pela busca de pertencimento à "elite" (seja lá qual tipo de
elite for).
Outra forma de definir a estética social é defini-la como a disciplina
que estuda comportamentos que buscam o reconhecimento social de que você
é chique.
Você nunca ouviu falar disso? Sinto muito.
A ânsia de se sentir parte da "elite" é um vício típico de vira-latas.
Essa ânsia não necessariamente se apresenta como ânsia por produtos
caros. Às vezes, em pessoas "psicologicamente" mais complicadas, essa
ânsia se apresenta como busca de pertencimento ao círculo das pessoas
"cultas e bacanas", que circulam pelo mundo da arte ou da "cultura".
Mas, ainda assim, é um comportamento da mesma família do infeliz que
"põe o vinho pra respirar" como forma de seduzir a mulher na frente
dele.
Em filosofia moral se sabe que a verdadeira virtude é discreta. Em
estética social, vale a mesma coisa. Se você de fato, por mero azar,
"entende de vinho" (seja lá o que isso for), melhor nunca deixar ninguém
saber disso.
Os códigos sociais são sempre confusos para quem busca pertencimento à "elite". Por exemplo, ir a um shopping da zona oeste com roupa chique é assinar um atestado de pobre. Falar alto que "conhece fulano famoso", a mesma coisa.
Demonstrar muita alegria em público idem. No Brasil, luxo é quase sempre
ostentação; por isso, a discrição é essencial em assuntos como este.
Alguns dias atrás, um amigo meu me contou uma experiência que teve numa
cidade importante do Brasil. Estando lá a trabalho, foi comer com a
equipe num restaurante de comida orgânica. Ou seria vegana?
Hoje em dia, os puros da comida tornam-se, cada vez mais, uma tribo segmentada de acordo com o tamanho da obsessão de cada um.
E o mercado, esse profundo conhecedor da natureza humana, serve a essa lista de obsessões de modo preciso e generoso.
Ao final da refeição, meu amigo percebeu que o almoço tinha saído muito
caro, levando em conta que era um restaurante de quilo e de comida
orgânica —afinal, grama e seus derivados costumam não ser tão caros
assim. Este caso indica que mesmo os puros da comida estão entrando no
mundo da angústia de status. O lema deles deve ser "quero comida
orgânica, mas quero pagar caro por ela".
Quando prestamos um pouco de atenção a esses comportamentos
contemporâneos relacionados à angústia de status, percebemos que a
presunção é uma marca de muitos restaurantes locais que querem se passar
por um "restaurante de luxo".
Antes de tudo, é importante avisar a essa moçada que acha legal comer
grama chique (a expressão "grama chique" é de um amigo meu, um cara
bastante esquisito) que não existe comida de luxo.
Comida, por definição, nunca é luxo. Nem tecnologia. A Apple chegou
perto de ser luxo porque privilegiou, por muitos anos, o design, sem
chamar a atenção para o avanço tecnológico. "Avanço" é uma palavra que
inexiste no vocabulário de luxo.
Mas voltando aos presunçosos da comida... Cuidado com menus que misturam
demais palavras francesas com elementos caipiras —do tipo "chez tutu"—
ou lugares em bairros periféricos que servem para atestar que você não é
alguém alienado nos "Jardins" porque vai lá comer tutu à mineira.
Logo, logo teremos restaurante orgânico com nome do tipo "Palais Vert"
para os puros da comida baterem selfies comendo grama chique.
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* Filósofo, escritor e ensaísta, pós-doutorado em epistemologia pela
Universidade de Tel Aviv, discute temas como comportamento, religião,
ciência.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2016/02/1735703-grama-chique.shtml
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