Eliana Sousa Silva*
O que você estava fazendo no sábado à noite, em 28 de novembro 2015?
Provavelmente, se divertindo com familiares ou amigos. O mesmo faziam
cinco adolescentes e jovens negros em um carro popular, em um bairro do
subúrbio carioca, a caminho de uma pizzaria, até serem fuzilados por
policiais militares.
Todos morreram pelo simples fato de serem negros, jovens e se encontrarem em uma região da cidade considerada perigosa?
O Mapa da Violência 2014 traz dados macabros: foram 154 homicídios
diários, totalizando 56.337 assassinatos em 2012, sem levar em conta os
desaparecidos que não entram nessa conta. Os números revelam uma face do
Brasil oculta por uma invisibilidade derivada da naturalização:
determinada parcela da população está tendo suas vidas brutalmente
abreviadas.
Os versos de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa, bem poderiam
ilustrar esse genocídio: "Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a
minha biografia, não há nada mais simples. Tem só duas datas –a da minha
nascença e a da minha morte".
Afinal, se nos distanciarmos do contexto em que essa poesia foi criada,
seus versos poderiam ser anunciados por qualquer adolescente ou jovem
brasileiro entre 15 e 29 anos, negro, pobre e do sexo masculino. Eles
representam 53,4% do total dos assassinatos, mas as forças sociais do
país não enxergam a tragédia em toda a sua dimensão.
Um contraponto a essa situação é o enfrentamento da mortalidade
infantil: a ação integrada de agentes do Estado, instituições de
pesquisa e da sociedade civil, em particular a Pastoral da Criança e
conselhos de defesa da criança e do adolescente, fez com que a
mortalidade das crianças brasileiras tivesse significativa queda desde
os anos 1980.
Dados do governo federal de 2015 mostram que a taxa de mortalidade das
crianças abaixo de cinco anos apresentou queda de 65% entre 1990 e 2010,
e o número de óbitos por mil nascidos vivos passou de 53,7 para 19.
Estamos cuidando das crianças, mas as deixamos morrer na adolescência ou
juventude. No campo do imaginário social, há uma razão para isso:
quando se vê uma criança pobre com demandas, ela provoca indignação e
desejo de proteção; o jovem na mesma situação provoca medo e
insegurança.
Logo, as mortes não ocorrem de forma natural, não são um "fato da vida".
Elas acontecem, antes de tudo, porque os assassinos se sentem impunes
para matar e apoiados socialmente. É urgente superar esse imaginário
terrível.
O consenso da sociedade em torno do tema da mortalidade infantil foi a
base para a melhora dos índices, assim como o fato de o problema
integrar uma agenda mundial definida pelas Nações Unidas. O mesmo deve
ocorrer com o assassinato de jovens, e cabe ao governo brasileiro
mobilizar-se para isso.
Precisamos reverberar a indignidade até que se torne parte do imaginário
que essa violência não será mais aceita. Apenas pela mobilização
poderemos pressionar canais legais, implicar Judiciário e Legislativo,
pressionar para que a polícia seja mais eficiente e voltada para
garantir a segurança pública de todos os cidadãos. Essa é a principal
tragédia brasileira de hoje.
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* ELIANA SOUSA SILVA é diretora da Redes da Maré e da Divisão Universidade
"" Comunidade da PR-5- UFRJ e integrante da Rede Folha de
Empreendedores Sociais
Imagem da Internet
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/02/1741312-o-valor-da-vida-no-brasil.shtml
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