J.J. Camargo*
Acusar
alguém de cínico é classificá-lo automaticamente como inteligente,
porque cinismo, tanto quanto senso de humor, não convive com atrofia
cerebral. Por isso, é tão deprimente ver o obtuso tentando ironizar ou
fazer graça e não parecer mais do que bobo.
Oscar Wilde, um
modelo irretocável de cinismo e genialidade, não fazia concessões: "A
cada boa impressão que causamos, conquistamos um inimigo. Para ser
popular, é indispensável ser medíocre", porque reconhecia nessa
intolerância a raiz do mais abjeto dos sentimentos humanos: a inveja.
A
expressão extra rudimentar dessa pobreza espiritual é tentar desmerecer
o feito de alguém simplesmente por não ser capaz de imitá-lo, quando o
salutar seria que a conquista alheia representasse um estímulo a fazer
mais e melhor. O detrator não parece perceber que a crítica
preconceituosa e vazia serve apenas para sacramentar a sua
inferioridade, dolorosa e definitiva. Alguém já advertiu que não devemos
anunciar a nossa felicidade alto demais, porque a inveja tem sono leve.
Se é assim, cochichemos, mesmo que isso seja injusto com quem fez por
merecer.
Perguntei ao Luis Felipe Pondé, o polêmico cronista da
Folha de S.Paulo, como lidava com as críticas tantas vezes ferozes dos
leitores, e ele foi sucinto: "Esse pessoal não tolera quem tenha
opinião, qualquer opinião. Eu não cedo jamais e só escrevo o que
acredito. Os discordantes esbravejam e ajudam a vender o jornal. Simples
assim."
Se alguém tiver paciência de acompanhar na mídia, escrita
ou virtual, as manifestações dos leitores depois de cada crônica de
alguém que cometa a insensatez de opinar, ficará pasmo com a
intolerância de quem não suporta conviver com o contraditório sem que
isso seja identificado como uma ofensa pessoal. Claro que o protesto
fica ainda mais grotesco quando recheado de erros de português, mas a
incapacidade de celebrar as diferenças e crescer com elas é certamente
um atestado lastimável de nanismo espiritual.
Felizmente, sempre
aparece quem defenda o direito à liberdade de expressão, mas esses
poucos são soterrados pela legião de indignados furiosos que, se
pudessem, construiriam novos fornos para carbonizar seus desafetos.
Escrevendo
sobre isso percebi que a impressionante facilidade de opinar oferece às
pessoas, antes desprovidas de voz, a possibilidade sem precedentes de
expressarem seus sentimentos a ponto de consagrar ainda mais o Facebook,
transformado tanto em altar de virtudes exageradas, quanto em
incinerador de defeitos camuflados.
A suspeita desconfortável
fica por conta da hipótese de que a liberdade de opinião tenha servido
apenas para dar vazão a um sentimento ainda pior que o anunciado no
início desta crônica: o da inveja reprimida. Esta dói até para digitar.
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* Médico. Colunista da ZH
Foto:
Gilmar Fraga / Arte ZH
Fonte: http://zh.clicrbs.com.br/rs/vida-e-estilo/vida/palavra-de-medico/noticia/2016/02/j-j-camargo-o-pior-da-inveja-4968507.html
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