Eddie Redmayne no Bafta 2016, em Londres (Foto: John Phillips/Getty Images/VEJA)
Acho que nunca vou me acostumar com o meu Oscar. Sempre que vejo a estatueta, parece brilhante demais para ser real"
Se Eddie Redmayne levar o Oscar de melhor ator neste domingo, por A Garota Dinamarquesa, repetirá o feito de Tom Hanks, que fez uma dobradinha em 1994 e 1995 por Filadélfia e Forrest Gump - O Contador de Histórias.
O inglês de 34 anos ganhou no ano passado por sua interpretação
detalhista do astrofísico Stephen Hawking, um dos maiores gênios do
mundo, portador de esclerose lateral amiotrófica, no filme A Teoria de Tudo.
Fato que uma nova vitória é difícil, já que Leonardo DiCaprio parece o
grande favorito na categoria. Mas não deixa de ser um feito para o jovem
Redmayne.
Como em seu filme anterior, aqui ele também enfrentou desafios
físicos. O ator vive o pintor dinamarquês Einar Wegener (1882-1931), que
assumiu a identidade de Lili Elbe e mais tarde se tornou uma das
primeiras pessoas do mundo a passar por uma cirurgia de mudança de sexo,
sempre com o apoio de sua mulher, a também pintora Gerda Wegener
(Alicia Vikander, indicada ao Oscar de atriz coadjuvante).
Não é a primeira vez que Redmayne faz uma mulher. Em seu primeiro
trabalho como ator profissional, ele foi Viola numa montagem da peça Noite de Reis,
de William Shakespeare. Nascido em Londres, filho de um banqueiro e de
uma empresária, frequentou a prestigiosa escola particular Eton, no
mesmo ano do Príncipe William. Depois, formou-se em história da arte
pelo Trinity College da Universidade de Cambridge. Além do Oscar, ganhou
um Olivier e um Tony por sua participação na peça Red. No cinema, foi dirigido por Robert De Niro em O Bom Pastor (2006), foi filho de Julianne Moore em Pecados Inocentes (2007) e cantou em Os Miseráveis, dirigido pelo mesmo Tom Hooper de A Garota Dinamarquesa. O ator conversou com o site de VEJA em um hotel em Londres, onde mora.
Gosta de se ver como mulher? Foi interessante o
primeiro dia em que apareci no set como Lili. Lembro do olhar dos
membros da equipe. Eu me senti escrutinado, e que o truque só funcionava
em determinados ângulos e sob certa iluminação. Ser observado e julgado
daquela forma realmente me deixou nervoso. E muitas mulheres trans
descrevem esse mesmo sentimento quando se revelam, o peso desse
julgamento. Para elas, ainda há o medo da violência. Eu estava
completamente seguro. Mas havia esse desconforto do olhar masculino. E
as mulheres que conheço me disseram: "Pois é, bem-vindo ao nosso
mundo!". Foi uma revelação interessante.
O
ator britânico Eddie Redmayne no filme 'A Garota Dinamarquesa', em que
interpreta Lili Elbe.
O sorriso é uma parte tão integral da sua personagem. Foi seu ponto de entrada?
Certamente encontrar seu sorriso me pareceu importante. Mas para mim o
ponto de entrada é quando ela vai ao guarda-roupa da ópera, fica nua e
descobre seu corpo e a si mesma, inclusive seu sorriso. Fico admirado
com sua capacidade de sorrir. Depois de tudo o que ela passou, pois sua
transformação teve um custo alto, o sorriso significava a alegria de
encontrar a si mesma.
Houve algum momento em que percebeu que estava pronto? Não. Eu nunca sinto que estou pronto, que estou no lugar certo. A aspiração é pela perfeição sabendo que jamais vou chegar lá.
Mas como tem a autoconfiança necessária? Muitas
coisas me ajudaram no caminho. Conversei com uma mulher trans em Los
Angeles, cuja parceira ficou com ela ao longo de toda a transição. Ela
me falou uma coisa muito importante: que daria absolutamente tudo para
viver sua vida de maneira autêntica. Ser você mesmo parece a coisa mais
simples do mundo, deveria ser um direito humano. Mas, quando para ser
você mesmo é preciso passar pelo que Lili atravessou, seu parceiro ou
parceira precisa fazer a transição também. Essa pessoa em Los Angeles
sempre se perguntava qual era o nível de empatia da sua parceira. A Garota Dinamarquesa é uma exploração do amor. E do amor sendo algo além do gênero, dos corpos ou da sexualidade, mas entre almas.
Sabia alguma coisa da questão transgênero? Para mim
foi toda uma educação. Eu era incrivelmente ignorante quando comecei a
pesquisa. Muitas coisas eu entendia errado. Por exemplo, relacionava
gênero e sexualidade. E você pode ser um homem que faz a transição para o
gênero feminino e continua atraído por mulheres, por exemplo. Ou não.
Também achava que as pessoas trans precisavam obrigatoriamente ter
passado por alguma transformação física. E não é o caso. Tem a ver
puramente com o que você é na sua alma e na sua mente. Foram coisas que
eu aprendi.
Acha que o filme pode contribuir para a aceitação das pessoas trans? Nunca presumiria algo assim. Espero que A Garota Dinamarquesa
faça as pessoas sentirem o que eu senti: que era uma história de amor
única e profunda. Mas também é um filme sobre autenticidade. O que me
chocou quando li o roteiro é que faz quase cem anos que Lili e Gerda
viveram, e as pessoas como Lili ainda sofrem discriminação e violência.
Não houve grande progresso. Você pode ser demitido na maior parte dos
estados americanos por ser trans. Os índices de violência contra pessoas
trans, especialmente mulheres trans negras, é insano. E, ainda assim,
faz só uns dois ou três anos que a discussão sobre assunto tornou-se
mais pública. Se o filme puder, de qualquer maneira, continuar essa
conversa, seria maravilhoso. Mas não presumo que isso vá acontecer.
Você interpretou Stephen Hawking, que está vivo, com perfeição. Como foi replicar Lili, uma pessoa que nunca encontrou?
Primeiro, aceitei que não seria uma imitação. Vi fotos de Lili, não
pareço em nada com ela. E como é uma interpretação da história, não é um
registro histórico, me senti mais livre. Com Stephen foi diferente,
sabia que ele assistiria ao filme. A verossimilhança era necessária.
Aprendeu alguma coisa de sua mulher (a executiva de relações públicas Hanna Bagshawe) quando estava fazendo Lili?
Claro que a observação é muito importante, sempre. Não fiz muito,
talvez um pouco sorrateiramente. Foi interessante porque na outra noite,
antes de sairmos, ela estava passando rímel. E falei para Hannah que
tinham me perguntado tantas vezes se eu tinha observado quando ela
passava maquiagem, mas eu estava sentindo como se estivesse vendo pela
primeira vez! (risos)
Você teve de interpretar uma mulher na mesma época em que estava se casando. Foi estranho?
A cronologia foi apenas coincidência. Eu tinha aceitado fazer o filme
três ou quatro anos atrás. Só que o financiamento demorou esse tempo
para sair. Parecem coisas relacionadas, mas não sei... Deus, agora vou
ter de ir ao psicólogo!
Era possível deixar Lili na porta do estúdio e voltar inteiro como Eddie para casa?
Não sou um ator que fica no papel, geralmente. Acho que sou bom em
deixar o personagem fora de casa. Mas de vez em quando minha mulher diz
que há fantasmas de partes de personagens que ficam comigo, que eu não
vejo. Acho interessante essa ideia de que as cinzas de todas essas
pessoas que interpretei podem permanecer ao meu redor.
Então ela é casada com várias pessoas? Meio isso, sim!
Fico imaginando a cara dos seus pais, um banqueiro e uma empresária, quando você disse que queria ser ator.
Eles sempre me apoiaram. Meu pai, que está acostumado a lidar com
probabilidades, ficou preocupado porque não é fácil conseguir trabalho
como ator. Mas, se eles tiveram medo, sempre esconderam por baixo do
apoio que me deram.
Como se sentiu ao receber a Ordem do Império Britânico sendo tão jovem?
Foi incrível. E tão estranho! Porque com o Oscar você é indicado e aí
sabe que tem chances de ganhar. Aqui, não. De repente, você recebe uma
carta dizendo que vai receber a ordem! Com o papel timbrado da realeza.
Foi um susto.
Já se acostumou com seu Oscar? Não, acho que nunca vou me acostumar com o meu Oscar. Sempre que vejo a estatueta, parece brilhante demais para ser real.
Onde ela fica na sua casa? Na sala, perto de um sofá.
Sabia que existe um livro de colorir sobre você? Não!
E tem o Benedict Cumberbatch também. Sério? Então dá
para colorir nós dois? Vou dar para minha mãe de presente. Se bem que
ela provavelmente vai preferir apenas o do Benedict!
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Reportagem por Mariane Morisawa, de Londres - Atualizado em
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