quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Além

 Luis Fernado Veríssimo*
 
“Para o infinito – e além!” (Buzz Lightyear, boneco astronauta do filme Toy Story).

“Não entendi nada, mas adorei”, deve ter dito muita gente depois de ver o filme A Grande Aposta, sobre os meandros e as matreirices de um sistema financeiro descontrolado. A mesma frase serve para uma composição do Schoenberg ou uma tira do Laerte: entender não é condição para gostar. A prova de que as ondas gravitacionais previstas por Einstein há cem anos existem mesmo encheu de entusiasmo os responsáveis pela prova, o que é natural, mas também quem não tem a menor ideia do significado da descoberta. Estes personalizaram sua admiração e festejaram o desagravo ao Einstein, que, aparentemente, sabia tudo. Nos fez bem a revelação de que o simpático velhinho era mais fera do que se supunha.

Mesmo sem um curso intensivo sobre títulos, hipotecas temerárias e etc, você sabe que a possibilidade sempre presente de fraude bancária afeta, direta ou indiretamente, a sua vida. Você “entende” o que está acontecendo em A Grande Aposta mesmo sem entender o vocabulário. A precariedade retratada, no filme, do sistema que, afinal, manda no mundo deve assustar mesmo quem nunca entrou num banco. Já a nossa ignorância do que acontece no universo só aumentava com cada nova descoberta. Aceitamos a ideia de um universo em expansão infinita – ou, talvez, até que comece uma implosão, de volta ao big-bang que nos pariu – e nos resignamos às suas leis obscuras, à excentricidade das suas partículas subatômicas e aos limites da nossa capacidade de explicar tudo isso – e de repente surge a possibilidade de haver um “além” além do que se conhece, além do infinito, como previu o Buzz Lightyear. Dizem que com as ondas gravitacionais temos agora uma maneira de auscultar o universo e ouvir seus segredos. Vá entender.

O que a descoberta das ondas tem a ver com o nosso pão e manteiga de cada dia? A mãe do Woody Allen se irritava quando ele, ainda garoto, dizia se angustiar com o destino do universo, e perguntava “O que você tem a ver com o universo?” antes de lhe dar um tapa. É melhor não ter nada a ver com o universo. Ele lá e nós aqui. Como estamos no mundo só de passagem, o universo realmente não nos diz respeito. É como festa na casa do vizinho. Mas dizem que as ondas podem trazer sons inimagináveis do passado, além do choque de buracos negros e estrelas. Sussurros, gemidos, trechos de batalhas e de óperas, Ed Lincoln e seu conjunto... E o próprio big-bang, o pum inaugural.
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* Jornalista. Escritor.
Fonte:  http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a4977850.xml&template=3916.dwt&edition=28424&section=70
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