PAPA FRANCISCO
diante de membros da Cúria Romana - Sala Clementina (Vaticano)
diante de membros da Cúria Romana - Sala Clementina (Vaticano)
Hilari Raguer*
Monge beneditino, teólogo e sociólogo
«A Igreja universal não pode funcionar como o simpático
grupo de Jesus»
A cúria vaticana é necessária. A Igreja universal não pode funcionar como o simpático grupo de Jesus com seus discípulos. O problema surge quando alguém que deveria estar a serviço da Igreja se crê acima do Papa e do episcopado universal.
Os meios de comunicação não cessam de falar da oposição que o Papa
Francisco encontra entre seus mais imediatos colaboradores, a Cúria
vaticana.
Francisco
não suprimiu o Vaticano, como alguns desejariam, porém se instalou
austeramente em Santa Marta, e ali leva uma vida simples e cordial, relacionando-se amavelmente com todo mundo. Quão distante fica o cerimonial de Pio XII,
segundo o qual para aproximar-se e beijar-lhe a mão devia se fazer três
vezes a genuflexão enquanto se avançava em direção de sua augusta
pessoa!
Recentemente, o teólogo jesuíta espanhol Juan Masiárecordava em Religión Digital que, quando em 25 de janeiro de 1959 o Papa João XXIII
anunciou a convocação do Concílio Vaticano II, disse que, com tal
ocasião, rogava por «um amistoso e renovado convite a nossos irmãos
separados das Igrejas cristãs a participar com nós do banquete da graça e
fraternidade, ao qual aspiram tantas almas em tantos rincões do mundo».
Porém, no texto oficial comunicado pelo Secretário de Estado, cardeal Tardini,
permitiram-se corrigir o Papa, como se simplesmente houvesse formulado
um «convite às comunidades separadas para buscar a unidade», suprimindo a
qualificação de «igrejas» e «irmãos» e o convite para «participar do
banquete de graça e fraternidade», por receio de que pareceria que
autorizasse a intercomunhão.
Nos inícios do Vaticano II, quando se discutia a reforma litúrgica, João XXIII, visitando uma paróquia romana, falou a favor da língua do povo,
e acrescentou (cito de memória): «Veremos já amanhã como reproduz
minhas palavras o Osservatore Romano» [jornal diário publicado pelo
Vaticano].
Pericle Felici
foi o secretário-geral do Concílio, e como tal favoreceu descaradamente
a minoria conservadora. Inexplicavelmente Paulo VI encarregou àquele
homem anticoncílio a editio typica (edição oficial definitiva)
dos documentos conciliares. Para ele tinha-se que corrigir uma grande
quantidade de erros de datilografia que, com a pressa, haviam sido
introduzidos não somente no Osservatore Romano, mas até na Acta Apostolicae Sedis, que é como o Diário Oficial do Vaticano.
PERICLE FELICI Nos anos 1960 ele era arcebispo da Cúria Romana e foi encarregado de ser o Secretário-Geral do Concílio Vaticano II, mesmo sendo contrário a ele! |
Porém, além daquelas emendas mecânicas, Feliciatreveu-se
a introduzir por sua própria conta algumas modificações, como se ele
fosse superior a um concílio ecumênico presidido pelo Papa. A emenda mais notável foi haver introduzido na constituição Gaudium et Spes a expressão «doutrina social da Igreja», que a comissão redatora havia achado oportuno suprimir na última redação, que foi submetida à votação definitiva.
O padre Chenu (dominicano), redator principal do documento, em seu livro A “doutrina social da Igreja” como ideologia(Éditions du Cerf, Paris, 1979), chegou a qualificar de «fraudulenta» esta modificação.
A razão que Chenu
dá é que a expressão «doutrina social da Igreja» está geralmente
associada às encíclicas dos Papas modernos e nem tudo o que se diz
nestas encíclicas vem do evangelho, mas também de certa ideologia. Por
exemplo, a sacralização da propriedade privada. É contra o
direito natural e a moral cristã o que alguns povos primitivos criam, ou
seja, que a selva e o rio são comuns e não podem ser apropriados?
E se isso fosse pouco, Paulo VI criou cardeal a Felici e o nomeou presidente da Comissão para a Interpretação dos Textos Conciliares e presidente da Comissão Redatora do Novo Código de Direito Canônico.
Felici, em seus últimos anos, passava o mês de agosto em uma fazenda do ilustre povoado de veraneio de Can Toni Gros
(Barcelona), propriedade de umas religiosas das quais era «cardeal
protetor». Para a festa da Assunção, costumava ir a Montserrat. Não
concelebrava, mas assistia revestido de uma capa e, ao final da missa
conventual, dizia umas palavras aos fiéis e dava a bênção apostólica.
Almoçava
com a comunidade e no café gostava de contar coisas do Vaticano e
responder às nossas perguntas. A última vez foi em 15 de agosto de 1981.
Ele estava seriamente enfermo do coração (morreria em 22 de março do
ano seguinte). Havia três anos e pouco que tinha sido eleito Papa João
Paulo II e, como depois de todas as eleições, se dizia que reformaria a
Cúria.
Perguntado
a respeito, disse que podia-se fazer leves retoques, porém a Cúria era
absolutamente necessária para o bom funcionamento da Igreja.
Perguntamos-lhe o que lhe parecia o novo Papa, e se desfez em elogias a
ele, sobretudo pelas suas viagens. Então um monge disse: «Alguns
criticam essas viagens». Ao que Felici respondeu: «Como podem criticar suas viagens, quando têm um grande sucesso e arrasta as multidões? É seu carisma».
E acrescentou (são palavras textuais,
que me ficaram gravadas, e das quais somos ainda testemunhas todos os
monges que formávamos, então, a comunidade de Montserrat): «Seu carisma é
viajar, ma a governare la Chiesa, siamo noi! (porém quem governa a Igreja somos nós!)».
*Hilari Raguer osb,
nasceu em Madri (Espanha), em 1928. Licenciado em Direito pela
Universidade de Barcelona, ele estudou teologia no Pontifício Ateneu
Santo Anselmo em Roma e doutorou-se em Sociologia pela Sorbonne, em
Paris. É monge beneditino em Montserrat (proximidades de Barcelona) e
sacerdote.
Traduzido do espanhol por Telmo José Amaral de Figueiredo.
Jesús Bastante
Bergoglio pede «profecia, proximidade e esperança»,
no encerramento do Ano da Vida Consagrada
«E
o Papa?», Ouviu-se dizer de uma freira espanhola depois de quase uma
hora de atraso. Na Sala Paulo VI [no Vaticano], cinco mil religiosos de
todo o mundo reuniram-se para celebrar com o Papa Francisco o encerramento do Ano da Vida Consagrada.
Mas Bergoglio não chegava. As dúvidas e sussurros se transformaram em
aplausos quando a Guarda Suíça saiu pela porta lateral da sala de aula
e, pouco depois, o Papa apareceu.
A apresentação foi feita pelo cardeal Braz de Aviz,
o qual reivindicou o papel dos religiosos e religiosas no trabalho com
refugiados, anciãos, crianças abandonadas, pobres e excluídos, vendo
neles «o rosto de Cristo». Apesar das dificuldades e «da queda de
vocações», «vemos renascer a esperança e a confiança no Senhor». O
responsável pelos religiosos do mundo expôs os desafios futuros para a
vida consagrada, «em um período de mudança necessária, também para nós».
[...]
«Eu
tinha preparado um discurso sobre o tema em três pilares: a profecia, o
outro é a proximidade e, finalmente, a esperança. Profecia, proximidade
e esperença. Passei-o ao prefeito [da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica –
cardeal João Braz de Aviz] porque é meio chato de lê-lo», disse o Papa
entre sorrisos, para começar um improvisado discurso «do que me vem ao
coração».
«Todos,
homens e mulheres consagrados ao serviço do Senhor, que trabalham na
Igreja com essa saída de uma pobreza forte, de um amor casto que
comporta uma paternidade e maternidade espiritual para toda a Igreja, e
uma obediência... No caso da obediência, sempre se pode dizer alguma
coisa, porque a perfeita obediência é aquela do Filho de Deus, homens e
mulheres que vivem uma obediência forte, não militar, não, não... Isso é
disciplina. Uma obediência de doação do coração. Isto é profecia»,
começou Francisco, que solicitou «a profecia da obediência» contra «o
risco da anarquia», que «é filha do demônio».
PAPA FRANCISCO é acolhido por religiosos quando adentra à Sala Paulo VI |
«O Filho de Deus não é anárquico, não somos chamadas a fazer uma força de resistência contra seus inimigos. Jesus já o disse a Pilatos: se eu fosse um rei deste mundo, teria chamado meus soldados para defender-me»,
destacou o Papa, que, quase com gestos, «meu italiano é tão pobre»,
pediu aos religiosos «engolir» o que pensa antes de falar.
E o que é a profecia?
«Dizer ao povo que há um caminho de felicidade, de alegria, que é o
caminho de Jesus. É o caminho de estar perto de Jesus. É um dom, um
carisma a profecia. Que eu saiba dizer qual é a palavra, e em que
momento justo para dizê-la, ou para que toda a minha vida seja uma
profecia». Para o Papa, «é muito importante homens e mulheres profetas».
A segunda palavra é proximidade.
«Homens e mulheres consagrados, porém não distantes das pessoas, mas
próximos, para entender a vida dos cristãos e dos não cristãos, seus
sofrimentos e problemas, há tantas coisas para entender...».
«Direis a mim – reconheceu Bergoglio –, se eu sou uma monja de clausura, que devo fazer?
Ser consagrado não significa sair a uma, duas ou três ruas na
sociedade». É que «a vida consagrada deve estar próxima das pessoas, com
uma proximidade física, espiritual. Conhecer as pessoas». Porém, sem
esquecer a comunidade. «Quem é o primeiro próximo a um consagrado? O
primeiro irmão ou irmã da comunidade. Este é o vosso primeiro próximo.
Uma proximidade carinhosa, boa, com amor».
«Um
modo de distanciar-se dos irmãos e irmãs da comunidade é o terrorismo
das fofocas. Quem faz fofocas é um terrorista dentro da própria
comunidade, porque lança como uma bomba uma palavra na comunidade.
Quem faz isto destrói como uma bomba», criticou o Papa, que pediu aos
religiosos que, se chega a esse momento, «mordei a língua, eh? Bem
forte».
«Terrorismo
na comunidade, não. Se tens algo contra uma pessoa, dize-o à pessoa que
pode resolver o problema, e a nenhum outro. De acordo?», assinalou Bergoglio, que afirmou que outra coisa é dizer «no capítulo, em público». «Tende coragem, se os religiosos não fofocarem haverá uma grande mudança na Igreja».
Finalmente, a terceira palavra, a esperança.
Uma esperança que «vos confesso que me custa quando vejo a situação das
vocações, quando recebo os bispos e me dizem os seminaristas que têm,
quando vejo as vossas comunidades e vejo uma ou duas vocações, e a
comunidade envelhece...».
«Senhor, por que acontece isto? Por que o ventre da vida consagrada está tão estéril?», perguntou-se o Papa, que criticou «a inseminação artificial»
em algumas congregações que «recebem qualquer um e, em seguida, surgem
os problemas. Não se deve receber sem controle. Deve-se comprovar que
esta é uma boa vocação e ajudá-la a crescer».
«Contra a tentação da desesperança e da esterilidade, devemos orar. E orar sem descanso»,
rogou o Papa. «Eu vos peço que vosso coração seja quente de vocações. O
Senhor que é tão generoso não descumprirá a sua promessa. Porém,
devemos chamar à porta de seu coração», finalizou o Papa, que destacou o
«perigo» de que uma congregação busque vocações «com o dinheiro. E o
dinheiro não leva à felicidade, entendido?».
Traduzido do espanhol por Telmo José Amaral de Figueiredo. Para acessar este artigo em sua versão original, clique aqui.
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