Marcus Ianoni*
O
que a grande mídia, porta-voz e holofote da coalizão conservadora
oposta ao social-desenvolvimentismo, vem fazendo com o PT, Dilma e,
recentemente, com Lula é uma ação política organizada e destrutiva de
grande envergadura. Essa ação fornece base empírica para responder à
pergunta do título nos seguintes termos: a mídia brasileira é altamente
concentrada, não plural e partidarizada. Tal estrutura do sistema de
mídia prejudica o desenvolvimento da democracia no que ela tem de mais
essencial, a igualdade de condições.
Para mencionar apenas um
exemplo, entre tantos outros que têm inundado quase que diariamente a
radiodifusão e a imprensa desde as eleições de 2014, a ombudsman da Folha de S. Paulo,
Vera Guimarães Martins, avaliou em sua coluna, no último dia 7, que o
jornal não deu o merecido destaque à menção, no depoimento do delator
Fernando Moura à Justiça Federal, na Operação Lava Jato, de que, ao
menos desde 2002, Aécio Neves e o PSDB estariam envolvidos em um esquema
de corrupção, na Furnas Centrais Elétricas, semelhante ao existente na
Petrobras, tendo como mediador o diretor Dimas Toledo. Referindo-se ao
rateio tucano da propina do esquema, Fernando Moura afirmou: "um terço
São Paulo, um terço nacional e um terço Aécio".
Formalmente,
corporações de mídia são empresas, e não partidos políticos. No entanto,
devido à natureza de sua atividade, a informação e a comunicação, que
abrange a opinião e o noticiário políticos, essas empresas são
peças-chave na comunicação política e na formação da opinião pública.
Além disso, quando extrapolam o campo meramente opinativo e partem para a
ação, tornam-se partidos políticos no sentido amplo do termo. Havendo
oligopólio na estrutura de mídia, a posse desigual de recursos de
informação, comunicação, opinião e ação desequilibra a competição
político-democrática cotidiana e compromete a diversidade opinativa.
A
concentração da propriedade da mídia tem sido uma das principais portas
de entrada dos interesses econômicos na esfera política. O ideal
neoliberal da primazia do mercado sobre o Estado, portanto, sobre a
política, tem na ação da grande mídia concentrada, que desempenha papel
estruturante na comunicação política, sua principal vanguarda material
de efetivação. A macroeconomia neoliberal, para citar um exemplo
especial, embora seja apenas uma visão entre outras, é propalada na
grande mídia como se fosse o elixir da longa vida. Atacar a política,
considerando-a unilateralmente como ineficiente e corrupta, é a
principal plataforma dos ideólogos do partido neoliberal, agremiação
sociopolítica na qual a grande mídia se insere como liderança, pelos
recursos de poder que possui e mobiliza.
No que diz respeito ao
suposto combate à corrupção, tem sido mais do que visível a política de
dois pesos e duas medidas da grande mídia, que vem se tornando, com
intensidade crescente, desde as eleições presidenciais de 1989, passando
pelas de 1994, 1998, 2002, 2006, 2010 e 2014, um partido antipetista.
Além disso, esse partido conservador, vem, também nos períodos não
eleitorais, cada vez mais revelando sua seletividade, conforme
verifica-se na sua postura tolerante em relação a casos como a compra de
votos parlamentares para a aprovação da emenda constitucional da
reeleição, o Mensalão e “Tremsalão” tucanos, o aeroporto de Claudio etc.
Por outro lado, não há notícia alguma de jornalismo investigativo,
mesmo que de média envergadura, sobre o esquema de propina em Furnas,
supramencionado.
Para um lado, tolerância e favores, para o
outro, intolerância e lei. Essa polarização ideológica é o principal
propulsor da onda autoritária e até de comportamentos sociopolíticos
protofascistas em setores do eleitorado, tendo à frente estratos sociais
mais abastados, desde a conjuntura aberta pelos protestos de rua, em
2013. O andamento da cena política induz a imaginarmos o que acontecerá
com a liberdade de expressão se a oposição neoliberal vencer em 2018.
Não haverá, caricaturalmente, um coeso bloco governamental-midiático,
em um contexto no qual as empresas de comunicação, conformando uma
estrutura proprietária sem pluralidade, e o Estado a elas associado,
inclusive, mas não só, pelo generoso gasto público com publicidade, além
de outras capturas, configurarão um regime político semi-totalitário,
coveiro da efetiva diversidade de opinião?
A Unesco (Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) tem se
preocupado com a liberdade de expressão, que, segundo ela, depende muito
da existência “de um sistema midiático livre, plural, independente e
diverso”. O acesso à mídia é tão importante quanto a sua independência.
No trabalho “Indicadores de desenvolvimento da mídia: marco para a
avaliação do desenvolvimento dos meios de comunicação”, essa organização
afirma: “Não é apenas a ausência de restrições na mídia que interessa,
mas também saber em que medida todos os setores da sociedade, sobretudo
os mais marginalizados, são capazes de ter acesso à mídia para obter
informações e fazer com que suas vozes sejam ouvidas”. O trabalho sugere
que o desenvolvimento da mídia deve ser avaliado com base em cinco
categorias principais: 1) se o sistema regulatório é favorável à
liberdade de expressão, ao pluralismo e à diversidade da mídia; 2) o
nível de pluralidade e diversidade da mídia, com igualdade de condições
no plano econômico e transparência da propriedade; 3) o papel da mídia
como uma plataforma para o discurso democrático; 4) a capacitação
profissional e apoio às instituições que embasam a liberdade de
expressão, o pluralismo e a diversidade; 5) a (in)suficiente capacidade
infraestrutural para sustentar uma mídia independente e pluralista.
O
sistema de comunicações no Brasil, altamente concentrado e carente de
regulamentação das diretrizes elencadas na Constituição de 1988, não
garante adequadamente as cinco características supramencionadas. Uma
proposta alternativa foi formulada, a partir de 2012, por organizações
democráticas da sociedade civil, resultando no “Projeto de Lei de
Iniciativa Popular da Comunicação Social Eletrônica”, também denominado
de Lei da Mídia Democrática. Trata-se de uma iniciativa popular
legislativa, encaminhada por um movimento social que coleta assinaturas
de adesão à campanha por uma nova regulamentação da comunicação social
no Brasil. Nos seus princípios e objetivos, lê-se: “O novo marco
regulatório deve garantir o direito à comunicação e a liberdade de
expressão de todos os cidadãos e cidadãs, de forma que as diferentes
ideias, opiniões e pontos de vista, e os diferentes grupos sociais,
culturais, étnico-raciais e políticos possam se manifestar em igualdade
de condições no espaço público midiático. Nesse sentido, ele deve
reconhecer e afirmar o caráter público de toda a comunicação social e
basear todos os processos regulatórios no interesse público”.
Seguem-se
20 diretrizes fundamentais: arquitetura institucional democrática;
participação social; separação de infraestrutura e conteúdo; garantia
de redes abertas e neutras; universalização dos serviços essenciais;
adoção de padrões abertos e interoperáveis e apoio à tecnologia
nacional; regulamentação da complementaridade dos sistemas e
fortalecimento do sistema público de comunicação; fortalecimento das
rádios e TVs comunitárias; democracia, transparência e pluralidade nas
outorgas; limite à concentração nas comunicações; proibição de outorgas
para políticos; garantia da produção e veiculação de conteúdo nacional e
regional e estímulo à programação independente; promoção da diversidade
étnico-racial, de gênero, de orientação sexual, de classes sociais e de
crença; criação de mecanismos de responsabilização das mídias por
violações de direitos humanos; aprimoramento de mecanismos de proteção
às crianças e aos adolescentes; estabelecimento de normas e códigos que
objetivem a diversidade de pontos de vista e o tratamento equilibrado do
conteúdo jornalístico; regulamentação da publicidade; definição de
critérios legais e de mecanismos de transparência para a publicidade
oficial; leitura e prática críticas para a mídia; e, por fim,
acessibilidade comunicacional. Ou seja, há alternativas.
Nada é
mais valioso para alcançar paz, desenvolvimento e justiça social na
complexa sociedade moderna que a democracia. Esta, por sua vez, requer
igualdade de condições, especialmente na esfera da liberdade de
expressão, que depende de meios de concretização material, e não de mera
formalização normativa. Uma ordem legal que enuncia a liberdade de
expressão sem propiciar o acesso, em mínimas condições de igualdade, à
mídia é tão retoricamente vazia nesse quesito fundamental quanto aquela
que verbaliza o direito à vida sem garantir, na prática, recursos
básicos ao saciamento da fome para milhões de pessoas excluídas ou mal
incluídas no mercado.
Se, ao invés de prevalecer a força livre da
opinião pública, predominar, sobretudo em algumas conjunturas, como a
atual, a pujança da opinião publicada pelo poder econômico midiático ou
se, ao invés da liberdade de imprensa, prevalecer a liberdade de empresa
dos oligopólios de comunicação, o imenso potencial dos atores sociais,
na democracia brasileira, conduzirem a igualdade de condições a degraus
mais elevados seguirá represado. A reforma da estrutura de mídia é um
imperativo democrático. Assim como há várias possibilidades de política
macroeconômica, há diversos meios de regulamentar a comunicação social,
conforme mostram a experiência internacional e as investigações da
Unesco. Não à toa, os mesmos atores que propagandeiam na esfera pública a
ideologia de que só há uma política macroeconômica, a da austeridade
fiscal e monetária, propalam também que só há uma estrutura de mídia,
essa concentrada, partidarizada e excludente que existe no Brasil.
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Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de
Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisador
das relações entre Política e Economia e VisitingResearcheAssociate da
Universidade de Oxford (Latin American Centre)
Fonte: http://www.jb.com.br/marcus-ianoni/noticias/2016/02/16/que-midia-e-essa/
Imagem da Internet
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