DAVID BROOKS*
A CONECTIVIDADE É ÚTIL PARA O ENTRETENIMENTO, MAS PODE CAUSAR DEPENDÊNCIA E NÃO CONTEMPLA AS FORMAS MAIS PROFUNDAS DE CONSCIÊNCIA
Pouco tempo atrás, a
tecnologia era a indústria mais legal. Todos queriam trabalhar no
Google, no Facebook e na Apple. No último ano, essa atitude mudou.
Agora, há quem acredite que a tecnologia seja semelhante à indústria do
tabaco - corporações que ganham milhões de dólares impulsionando um
vício destrutivo. E há quem acredite que seja como a NFL, a liga
nacional de futebol americano: milhares de pessoas adoram, mas todos
sabem os estragos que causa às pessoas. Obviamente, o pessoal da
tecnologia - que geralmente procura melhorar o mundo - não quer seguir
esse caminho. Será interessante observar se irá tomar as atitudes
necessárias para impedir que suas empresas se transformem em párias
sociais.
Há três críticas primordiais às grandes companhias
de tecnologia. A primeira é que ela está destruindo a juventude. As
redes sociais prometem acabar com a solidão, mas, na verdade, promovem o
aumento do isolamento e uma intensa sensação de exclusão social.
Mensagens de texto e outras tecnologias lhe dão mais poder sobre sua
interação social, mas também levam a interações mais frágeis e menos
engajamento com o mundo real. Como escreveu a psicóloga Jean Twenge,
desde a popularização dos smartphones, os adolescentes estão menos
propensos a sair com os amigos, a namorar e a trabalhar.
Alunos do oitavo ano do Ensino Fundamental que passam 10 horas ou mais
em redes sociais têm 56% mais tendência a dizer que são infelizes do que
os que passam menos tempo. Esses alunos que são usuários constantes de
redes sociais têm um risco 27% maior de desenvolver depressão.
Adolescentes que passam três horas ou mais em aparelhos eletrônicos são
35% mais propensos a exibir um comportamento suicida, criando, por
exemplo, um plano para se suicidar. Meninas são especialmente afetadas,
com um aumento de 50% nos sintomas de depressão.
A segunda
crítica a essa indústria da depressão é que ela está viciando as pessoas
de propósito para ganhar dinheiro. As empresas de tecnologia sabem o
que causa surtos de dopamina no cérebro e mostram seus produtos com
"técnicas de sequestro" que nos atraem e criam "laços de compulsão".
O Snapchat tem o Snapstreak, que recompensa amigos que trocam snaps
todos os dias, encorajando assim o comportamento viciante. Feeds de
notícias são estruturados como poços sem fundo, nos quais uma página
leva a outra, e a outra, e assim por diante, sem fim. A maioria das
redes sociais cria recompensas dadas em intervalos irregulares de tempo;
você precisa checar seu aparelho compulsivamente porque nunca sabe
quando haverá uma explosão de afirmação social gerada pelas curtidas do
Facebook.
A terceira crítica é que Apple, Amazon, Google e
Facebook são quase monopólios que usam seu poder de mercado para invadir
as vidas privadas de seus usuários e impor condições desleais a
criadores de conteúdo e concorrentes menores. O ataque político nessa
frente está ganhando força.
Obviamente, a jogada inteligente
seria a indústria da tecnologia sair na frente e limpar sua própria
poluição. Há ativistas como Tristan Harris, do Time Well Spent ("tempo
bem gasto", em tradução literal), que está tentando levar o mundo da
tecnologia para a direção certa. Há também algumas boas respostas de
engenharia. Eu uso um aplicativo chamado Moment, que rastreia e controla
meu uso do telefone.
O grande avanço chegará quando os
executivos de tecnologia reconhecerem claramente a verdade central: seus
produtos são extremamente úteis para as tarefas e lazer que exigem
formas de consciência mais superficiais, mas muitas vezes dominam e
destroem as formas mais profundas de consciência - das quais as pessoas
necessitam para prosperar.
O mundo online é um lugar para o
contato humano, mas não para a intimidade. É um lugar de informação, não
de reflexão. Fornece o primeiro pensamento estereotipado sobre algo ou
alguém, mas é difícil criar o tempo e o espaço para o 3º, o 15º e o 43º
pensamentos.
O mundo online é um lugar para a exploração, mas
desencoraja a coesão. Ele assume o controle de sua atenção e a dispersa
por uma vasta gama de entretenimento. Porém, nos sentimos mais felizes
quando levamos nossas vidas com uma meta, quando focamos a atenção e a
vontade em uma coisa, com todas as nossas forças.
O rabino
Abraham Joshua Heschel escreveu que fazemos uma pausa das distrações do
mundo não como um descanso que nos dá mais força para voltar, mas como o
clímax da vida. "O sétimo dia é um palácio no tempo que construímos. É
feito de alma, alegria e reticência", disse ele. Ao diminuirmos a
quantidade de trabalho e o uso da tecnologia, entramos em um estado de
consciência diferente, uma dimensão do tempo e uma atmosfera diferentes,
uma mina na qual o metal precioso do espírito pode ser encontrado.
Imagine se, ao invés de reivindicar o papel de nos oferecer as boas
coisas da vida, a tecnologia se visse como fornecedor de dispositivos
eficientes. Suas inovações podem nos poupar tempo em tarefas de nível
inferior para que possamos ficar offline e experimentar o que a vida nos
dá de melhor. Imagine se a tecnologia se propusesse a fazer isso. Esse
seria um show de humildade, que, hoje em dia, é a tecnologia de ponta
mais problemática.
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* Colunista de política e ciências sociais do jornal The New York Times
Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=6df53cef666327a334686e16b14d0faa 09/12/2017
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