Fernando Segovia, diretor- geral da Polícia Federal (Cristiano Mariz/VEJA)
O diretor da Polícia Federal, Fernando Segovia, diz que Janot foi incompetente na investigação de Temer e critica a instituição que chefia
15 dez 2017
Fernando Segovia, de
48 anos, usa dois aparelhos celulares. Em um, responde a dezenas de
mensagens. No outro, acompanha as notícias, sobretudo aquelas que o
mencionam. E não são poucas. Desde que tomou posse como diretor-geral da
Polícia Federal, há um mês, Segovia vem dando o que falar. Foi apontado
como apadrinhado do ex-presidente José Sarney e se envolveu numa
polêmica ao dizer que “uma única mala” de dinheiro não era prova
suficiente para incriminar o presidente Michel Temer. Em 22 anos de
carreira na instituição, já foi da tropa de elite da PF e da adidância
na África do Sul, mas se considera “100% policial”. Agora, planeja
tornar a corporação “ainda mais republicana”, atendendo a um pedido de
Temer. Em entrevista a VEJA, ele acusa o ex-procurador-geral Rodrigo
Janot pelos resultados pífios da investigação sobre o presidente e
critica as ações “com um certo viés político” adotadas pela instituição
que agora chefia.
Sua ascensão ao comando da Polícia Federal tem sido considerada uma vitória do ex-presidente José Sarney.
Quando a Roseana Sarney, filha do ex-presidente, tomou posse no
governo do estado, eu já era superintendente da PF no Maranhão. Nunca
encontrei Sarney. Só fui falar com ele tempos depois, no Senado, quando
eu estava em Brasília fazendo a campanha pelo desarmamento. A propósito,
quando fui destacado para assumir a PF no Maranhão, estava em andamento
uma operação que se chamava Boi Barrica, que afetaria o clã Sarney. Fui
escolhido para conduzir a prisão da família Sarney inteira. Mas os
mandados de prisão não foram concedidos pela Justiça. Mesmo assim, a
investigação seguiu adiante, sem nenhum tipo de interferência.
O seu nome não estava entre os mais cotados para comandar a PF. Como e por que o senhor foi escolhido?
Havia uma lista de nove candidatos a diretor-geral. Esses nomes
circularam entre associações e chegaram ao gabinete do ministro da
Justiça, que começou a fazer algumas consultas. Num dado momento, o
presidente me convidou para uma reunião. Ficamos conversando durante
duas horas e pouco. Depois disso, o ministro da Justiça me convocou. Ao
término desse encontro, ele disse que o presidente queria me convidar e
que ele estava dando o aval.
A PF, então, não é republicana? A Polícia
Federal é republicana, mas tem alguns problemas. A gente vê, de vez em
quando, desvios de conduta e ações com certo viés político.
O senhor pode citar exemplos? Uma das
coisas sobre as quais conversamos, eu e o presidente, foi a questão do
vazamento. Qualquer vazamento que houver, vamos apurar. Isso é desvio.
Soltar informação de uma investigação que ainda não foi concluída pode
formar um prejulgamento.
A investigação que envolveu o presidente Temer pode ser considerada um desvio?
Era a investigação mais sensível da história do país. Nunca um
presidente da República havia sido investigado cometendo um suposto
crime de corrupção no exercício do cargo. A operação estava fluindo.
Houve a primeira conversa nebulosa de Joesley Batista com o presidente.
Depois, encontros do empresário e de um executivo da JBS com o assessor
de Temer, Rodrigo Rocha Loures, quando se vê a corrupção claramente.
Faltava o quê? O elo com o presidente. Dizer que a ligação é o fato de o
Rocha Loures ser assessor do presidente é leviandade. Numa investigação
tão sensível, precisávamos de provas contundentes.
As provas não são contundentes? De acordo
com o combinado entre Joesley e Rocha Loures, era para ser entregue uma
mala de dinheiro por semana. Cadê a segunda mala? E a terceira? Por que o
senhor Rodrigo Janot resolveu encerrar a investigação antes? Por que
não se colocou um rastreador no dinheiro para saber o seu destino final?
Rocha Loures recebeu o dinheiro em nome de outra pessoa ou por conta
própria? Essas dúvidas não foram esclarecidas.
Por que a investigação foi encerrada antes da entrega das demais malas de dinheiro?
Quem tem de explicar isso é Janot. Eles deram quinze dias para a PF
realizar as filmagens da entrega da mala de dinheiro. Nós não tínhamos o
controle da investigação. Quem tinha esse poder era Janot. O relator do
caso, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, entende que
as investigações criminais são controladas pela Procuradoria. Não havia
muito que fazer.
Na sua opinião, por que Janot resolveu encerrar essa investigação?
Tempo. Ele queria fazer isso enquanto estivesse à frente da
Procuradoria. Talvez para derrubar o presidente da República e levar a
fama. Foi afobado e inexperiente. Se a investigação fosse conduzida pela
Polícia Federal e eu fosse o diretor-geral, nós teríamos continuado a
ação controlada. A investigação não teria parado na primeira mala.
O ex-procurador Rodrigo Janot disse que o senhor é um “pau-mandado”. Ele tem razão?
O tempo é o senhor da razão. Um dia, as pessoas saberão a verdade. Ele
sabe o que fez. Ele responderá pelo que fez. Não vou entrar na baixaria
com Janot.
A aceitação da denúncia contra o ex-deputado Rocha
Loures não expõe a inconsistência da decisão da Câmara em livrar o
presidente Temer da investigação? Acredito que não. São
situações distintas. Uma acusação é contra o Rocha Loures, a outra é
contra o presidente da República. São fatos distintos. As provas têm de
ser constituídas contra um e contra o outro. No caso do presidente
Temer, o Supremo nem analisou a denúncia, se a recebe ou não. A decisão
da Câmara suspendeu essa análise, que vai ser feita após o término do
mandato dele. A investigação contra o presidente da República, como eu
disse antes, deveria ter continuado.
Uma das razões do sucesso da Lava-Jato em Curitiba
é a sintonia da PF com o Ministério Público. Por que isso não ocorre em
Brasília? Em Curitiba, eles trabalham de outra maneira. As
equipes de procuradores e policiais da Lava-Jato, junto com o juiz
Sergio Moro, atuaram em sintonia, sem que o Ministério Público quisesse
se sobrepor à Polícia Federal, e vice-versa. Nessa relação, a PF é
parceira do Ministério Público. Não somos subordinados. Mas agora será
diferente. A minha primeira conversa com a procuradora-geral Raquel
Dodge foi muito boa. Certamente teremos uma parceria muito maior entre a
PF e o Ministério Público.
A prisão do ex-reitor da Universidade de Santa
Catarina Luiz Carlos Cancellier, que se suicidou, pode ser considerada
um exagero da PF? A pedido do Ministério da Justiça, determinei
a instauração de uma sindicância interna na superintendência de Santa
Catarina para apurar os fatos. Como serei eu que vou julgar o caso, não
posso me manifestar sobre esse episódio. A delegada responsável pela
prisão do reitor de Santa Catarina foi cogitada para comandar a
superintendência da PF de Sergipe, mas a nomeação está suspensa até a
conclusão da sindicância.
A Operação Carne fraca, que divulgou que havia carne com papelão, é outro exemplo de excessos da PF?
Foi um marketing malfeito da PF. A operação, que foi anunciada como a
maior da corporação, atingiu em cheio a economia nacional. Faltaram
planejamento e visão sobre os danos causados por um tipo de operação
como essa. Era algo simples a fazer: prender e responsabilizar os
corruptos.
O senhor elegeu como uma das prioridades de sua gestão o combate ao crime organizado. Como pretende fazer isso na prática?
Precisamos organizar as ferramentas de inteligência, porque estamos
parados no tempo. Hoje, no nosso grupo de investigação de narcotráfico,
estamos apreendendo muita cocaína que vai para a Europa. Mas o nosso
mercado consumidor está na Europa? Qual o nosso foco de combate ao
narcotráfico? É o que sai do país? Ou seria a droga que entra aqui e
acaba com a sociedade brasileira? Estamos realinhando tudo, com
policiais civis e militares. O Brasil está um desastre na segurança
pública, com muitos problemas relacionados às facções criminosas.
O senhor concorda com o diagnóstico sobre a polícia
do Rio de Janeiro feito pelo ministro da Justiça, Torquato Jardim,
segundo o qual há “comandantes de batalhões que são sócios do crime”?
Sim. Já fizemos operação em que fechamos um batalhão inteiro no Rio de
Janeiro. Corrupção acontece todo dia, inclusive entre policiais e na
própria PF. No Rio de Janeiro, talvez a corrupção esteja num grau muito
mais elevado que em outros estados. Mas acredito no processo de
depuração. Trabalhei na corregedoria da PF durante quatro anos. Vi muita
coisa. O fato é que a nossa limpeza interna rendeu frutos que a gente
colhe até hoje.
O senhor se reuniu recentemente com o embaixador
dos Estados Unidos, um funcionário do FBI e integrantes do Conselho de
Segurança da Rússia para discutir o combate ao tráfico de armas e ao
terrorismo. São assuntos de grande preocupação para o senhor?
Estamos buscando novas parcerias internacionais, principalmente na troca
de informações. Tanto o FBI como a Secretaria de Estado americana
deverão abrir os seus bancos de dados para que possamos acessar as
informações de pessoas procuradas. Assim, qualquer suspeito que passar
pelas fronteiras do Brasil poderá ser identificado mais rapidamente.
Antes da Olimpíada do Rio de Janeiro, em 2016, a PF
deflagrou uma operação que desmantelou uma suposta célula terrorista
que planejava um ataque no país. A ameaça é real? Com certeza.
Há diversas pessoas sendo investigadas no Brasil e há solicitações de
outros países para monitorarmos suspeitos que se encontram aqui. Estamos
sempre atentos a esse assunto, sobretudo nas redes sociais, que têm
sido utilizadas para cooptar potenciais terroristas.
Como tem sido sua rotina como diretor-geral da PF?
Muito mais estressante que trocar tiros com assaltantes. Tenho dormido
diariamente da 1 às 6 da manhã, inclusive nos fins de semana, quando
resolvo diversos problemas que as pessoas nem imaginam. O que costumo
fazer para relaxar é chegar em casa, deitar, colocar os pés para o alto e
ver a série Designated Survivor. Todo dia vejo um episódio antes de dormir.
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Publicado em VEJA de 20 de dezembro de 2017, edição nº 2561 - páginas amarelas.
Fonte: https://veja.abril.com.br/revista-veja/sem-papas-na-lingua-2/
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