Roger Scruton*
A “não discriminação” tornou-se a nova ortodoxia nos centros de aprendizagem que deveriam promover
a diversidade de opinião.
As religiões proporcionam o sentimento de pertencer a uma comunidade.
Elas enchem o vazio no coração com a presença mística do grupo, e se
não fornecem esse benefício elas murcham e morrem, como as religiões do
mundo antigo durante o período helenístico. É, portanto, parte da
natureza de uma religião se proteger de grupos rivais e das heresias que
os promovem.
Os estudantes universitários de hoje têm pouco tempo para religião e
nenhum tempo para grupos exclusivos. Eles insistem particularmente que
as distinções associadas à sua cultura hereditária—entre sexos, classes e
raças, entre gêneros e orientações, entre religiões e estilos de
vida—sejam rejeitadas, no interesse de uma igualdade abrangente que
deixa cada pessoa ser quem ela ou ele realmente é. A “não discriminação”
é a ortodoxia dos nossos dias. No entanto, essa aparente mentalidade
aberta é tão decidida em silenciar o herege quanto qualquer religião
estabelecida. Pode não haver conhecimento prévio de como as novas
heresias podem ser cometidas, ou o que elas são exatamente, uma vez que a
ética da não discriminação está constantemente evoluindo para desfazer
distinções que eram apenas ontem parte do tecido da realidade. Depois
que Germaine Greer esclareceu sua opinião de que homens que se
consideravam mulheres não eram, por meio da remoção cirúrgica do pênis,
na verdade membros do sexo feminino, isso foi considerado tão ofensivo
que uma campanha foi montada para impedir que ela palestrasse na
Universidade de Cardiff. A campanha não foi bem sucedida, em parte
porque Greer é a pessoa que é. Mas o fato de que ela havia cometido uma
heresia era desconhecido para ela na época, e provavelmente o mesmo só
ocorreu aos seus acusadores enquanto praticavam os Dois Minutos de Ódio
daquela manhã.
Mais bem-sucedida foi a campanha para punir Sir Tim Hunt, o biólogo
vencedor do Prêmio Nobel, por fazer uma observação indelicada sobre a
diferença entre homens e mulheres em laboratórios. Uma caça às bruxas da
mídia levou Sir Tim a renunciar a sua cátedra honorária no University
College London; A Royal Society (da qual ele é membro) veio a público
com uma denúncia, e ele foi escanteado por uma grande parte da
comunidade científica. Uma vida de distinto trabalho criativo foi
prejudicada.
A ética da não-discriminação nos diz que as mulheres estão tão
adaptadas a uma carreira científica quanto os homens. Não sei se isso é
verdade. Como eu descobriria quem está certo? Certamente, pesando as
opiniões concorrentes no balanço da discussão fundamentada. A verdade
surge por uma mão invisível de nossos muitos erros, e tanto o erro
quanto a verdade devem ser permitidos para que o processo funcione. A
heresia surge, no entanto, quando alguém questiona uma crença que não
deve ser questionada dentro do território privilegiado de um grupo. O
território privilegiado do feminismo radical é o mundo acadêmico, o
lugar onde carreiras podem ser construídas e alianças formadas através
do ataque ao privilégio masculino. Um dissidente dentro da comunidade
acadêmica deve, portanto, ser exposto, como Sir Tim, à intimidação
pública e ao abuso, e na era da internet, esse castigo pode ser ampliado
sem custo para aqueles que o infligem.
Esse processo de intimidação deve pôr em dúvida, na mente de pessoas
razoáveis, a doutrina que o inspira. Por que proteger uma crença que se
sustenta por conta própria? A fragilidade intelectual da ortodoxia
feminista está clara para todos verem, no destino de Sir Tim. Na
verdade, a UCL e a Royal Society mostraram, com seu fracasso em
protegê-lo da nuvem de idiotas do twitter, o estado triste do mundo
acadêmico de hoje, que está perdendo todo o senso de seu papel de
guardião da vida intelectual. Como o psicólogo social Jonathan Haidt tem
argumentado, no momento em que as universidades defendem a diversidade
como um valor acadêmico—por “diversidade” entenda-se tudo o que incluí
sob o termo “não discriminação”—a verdadeira diversidade que as
universidades deveriam defender, nomeadamente a diversidade de opinião,
tem sido constantemente corroída e em muitos lugares inteiramente
destruída.
A educação tradicional tinha muito a dizer sobre a arte de não
ofender. A educação moderna tem muito mais a dizer sobre a arte de se
ofender. Isto, na minha experiência, tem sido uma das conquistas dos
estudos de gênero, que mostrou aos alunos como se ofender com
comportamento, com palavras, com pronomes, com instituições, com
costumes e até mesmo com fatos, sempre que a “identidade de gênero” está
em questão. Não foi necessária muita educação para fazer com que as
mulheres de antigamente se ofendessem com a presença de um homem no
banheiro feminino. Mas é preciso muita educação para ensinar uma mulher a
se ofender com um banheiro feminino onde os homens que se
auto-identificam como mulheres são excluídos. Hoje, os estudantes estão
sendo encorajados a exigir “espaços seguros”, onde as vulnerabilidades
cuidadosamente nutridas não serão “engatilhadas (triggered)” gerando uma
crise. A resposta correta, que é convidar os alunos a buscar um espaço
seguro em outro lugar, não é uma que as universidades parecem
considerar, uma vez que cada aluno é uma adição à renda, mas a censura
não custa nada.
É minha convicção de que uma instituição na qual a verdade pode ser
imparcialmente procurada, sem censura, e sem penalidades impostas aos
que não concordam com a ortodoxia prevalente, é um benefício social
muito maior do que agora pode ser alcançado com o controle da permissão
de opiniões. Se a universidade renuncia a sua missão na questão da
argumentação dirigida pela verdade, ela torna-se um centro de
doutrinação sem uma doutrina, uma forma de fechar a mente sem o grande
benefício conferido pela religião, que também fecha a mente, mas a fecha
em torno de uma comunidade moral real.
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Sir Roger Scruton é professor de filosofia na Buckingham UniversityTradução: André Luzardo.
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