ABRÃO SLAVUTZKY
Há frases afirmativas que pedem uma
interrogação ao final, quase como uma brincadeira. Transformar uma
verdade numa pergunta abre o espaço para se pensar. Foi o que fiz, já
faz anos, com o título de hoje: amor também se aprende? A dúvida foi
decorrente das dificuldades de mudanças e da tendência humana a repetir
comportamentos, a compulsão à repetição. Além do que, é difícil entender
o amor ao ser graça e desgraça, alegria e tristeza, ternura e raiva,
sensualidade e desespero. O amor convive com o ódio, é ambivalente, daí
as oscilações. O amor é um sentimento o qual tanto se conhece como se
desconhece. As escolhas amorosas são sempre misteriosas.
O poeta
é quem melhor consegue definir o amor. Foi Camões que ensinou: "Amor é
fogo que arde sem se ver". Não se vê porque é invisível, pois se fosse
visível tudo ficaria mais fácil. Sendo o amor invisível, ele precisa de
provas, são as provas de amor, provas de que está vivo, pulsante. Nas
mais variadas relações, um demanda do outro as demonstrações de ser
realmente amado. O objetivo do amor é ser reconhecido pelo outro na sua
essência singular. Sentir-se único, insubstituível, necessário, algo
como se imaginar o melhor do mundo para o outro. O amor não nos protege
dos azares da vida, mas ele é que gera os melhores dias da existência. O
amor não é a perfeição, às vezes é o inferno, mas só ele nos reconcilia
com o paraíso perdido. Concluí, com o tempo, que o amor também se
aprende, quando ocorrem transformações narcisistas. Isso porque o amor
aos progenitores, à primeira família, com o tempo, deve ceder espaço aos
novos amores. Essas transformações psíquicas ocorrem ao longo de toda
uma vida. O amor deve conquistar parte dos territórios dominados pelos
amores infantis. Com o tempo e o vento a favor, o ser amado passa a ser o
grande amor, ao crescer a coragem de abrir realmente o coração. Então
se pode conhecer a plenitude amorosa.
Há uma tendência a se
dizer que o tempo vai matando o erotismo. Aí depende da capacidade de
imaginação dos amantes de inventar, renovar o entusiasmo do casal.
Desafio difícil, mas não impossível. E se a parceria amorosa estável não
acontece, são possíveis os amores temporários. Também há os que se
dedicam aos demais, seja no trabalho ou nas indispensáveis amizades.
Aprecio escutar os que terminam inventando vidas criativas com amor às
artes, aos animais, à natureza. O amor é uma ponte que permite sair de
dentro de si para se abrir ao outro, ao mundo.
Em psicanálise,
se sabe que todas as histórias terminam falando de amor. O tratamento
transcorre na relação transferencial. A transferência é uma história de
amor, assim como no amor sempre ocorrem transferências. Transferimos
protótipos infantis nos amores sem perceber, pois são inconscientes.
Também ao escrever transfiro vivências, pensamentos através de palavras.
Tenho buscado as palavras, mas nem sempre encontro. Desejo a todos nós
mais amor neste novo ano, pois o amor também se aprende. Um dos
aprendizados é que o amor não nos habita sem queimar. Por isso, os
franceses dizem: o amor é uma loteria... não, não, pois na loteria se
pode ganhar!
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* Psicanalista
Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=45e386443077da53fcfe55cc64300f01
Imagem da Internet
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