Lya Luft*
O motorista de táxi de um aeroporto deste Brasil xingava um
político, acusado no rádio por ter-se encontrado ali mesmo, dias atrás,
com um suspeito de corrupção. "Viu só?", ele vociferava, "Viu só?".
Cansada de aeroporto e do assunto, e porque logo antes alguém tinha me
dito "Olha aí o Fulano, fotografado ao lado do Sicrano que é suspeito de
corrupção! Certamente ele também é...", fui curta e direta: "Meu filho,
se sua namorada conversar com uma moça desonesta e disserem que por
isso ela também é desonesta, você vai gostar?". Ele olhou sobre o ombro,
meio espantado: "Sabe que a senhora tem razão?". Comentei: "Chama-se a
isso caça às bruxas". Chegando ao meu destino, não tive tempo de
explicar mais. Isso ocorreu há poucos anos. Hoje, confesso, talvez eu
não tivesse dito nada, porque os honrados, os valorosos, andam
reduzidos.
E, assim, não cheguei a lhe falar das caças às bruxas
da Idade Média: a tropa de psicopatas autorizados caçava gente com o
entusiasmo com que se caçariam animais selvagens. O maior divertimento
era julgar, esfolar vivo e queimar na fogueira depois de inimagináveis
sofrimentos. Além dos hereges habituais, pegavam as mulheres simples,
que lidavam com o que hoje chamaríamos medicina alternativa, na
sabedoria popular de suas antepassadas.
Melhoramos um pouco como
civilização, temos antibióticos e iPhones, mas também temos gente sendo
vendida como escravos, menores trabalhando ilegalmente, mulheres
apanhando dos maridos (vai ser mais divertido quando os papéis se
inverterem... Será?). A caça às bruxas anda voltando, e sou quase
fanática contra os crimes de corrupção, porque nos deixaram tão pobres,
tão atrasados, tão feios ou abençoados em nossa desonestidade. Execução
moral de inocentes na fogueira da opinião pública, mais disposta a ver
em tudo o mal, me assusta tanto quanto me enojam bondades concedidas a
faltosos comprovados, até confessos. Estamos num mundo destrambelhado,
de pernas para o ar. (Se lermos os antigos, como alguns filósofos ou
escritores, veremos que eles pensavam assim também...)
Num
encontro em que um grupo de jovens questionava a falta de civilidade com
que agem alguns personagens investigados na Lava-a-Jato (obrigada,
Moreno) ou em debates no Congresso, comentaram como seria reconfortante
ver debates entre homens educados e preparados. Respondi que bastava ler
um pouco de história dos povos para ver que não há nada de novo entre
nós. Às vezes, como grupos ou como sociedade, adoecemos de uma triste
falta de compostura.
Um rancor primitivo que nasce de fundos
problemas pessoais e a agressividade geral que nos botou numa selva sem a
graça das borboletas e dos bugios nos aniquilam. E até as bruxas boas,
nas quais piamente acredito, em lugar de varrer tanta sujeira, fogem
ligeirinho nas suas vassouras - e julgamos ser o vento nas ramagens.
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* Escritora. Tradutora. Colunista da ZH
Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=a1c62fbf4642034e14471693862c7434 02/12/2017
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