Mayra Oliveira da Silva, 16 anos, mãe de Maria Helloisa: “Tive problemas para amamentar, eu chorava com minha filha. Lembrei o que as enfermeiras do estudo falavam sobre o assunto e procurei ajuda médica” (Jonne Roriz/VEJA)
Estudos em favela brasileira mostram que a vida na penúria provoca impactos reais no desenvolvimento cognitivo e na formatação cerebral de crianças
1 dez 2017
Uma série de trabalhos
recentes demonstra ser possível medir os danos cognitivos causados pela
pobreza. VEJA teve acesso aos dados preliminares de um estudo promovido
pela Universidade de São Paulo, pela Fundação Maria Cecilia Souto
Vidigal e pela Universidade Harvard, nos EUA, cujo objetivo é entender
de que modo as condições paupérrimas das famílias de uma favela em São
Paulo, a Paraisópolis, e de um bairro vizinho, na Zona Oeste da
cidade, prejudicam o desenvolvimento das crianças na primeira infância,
entre zero e 6 anos. Desde 2015, um grupo de oitenta jovens mães, com
idade a partir de 14 anos, vem recebendo a visita de enfermeiras que
transmitem indicações de como lidar com os bebês e sugestões comezinhas,
desde o simples toque na barriga durante a gestação até o cuidado para
evitar brigas recorrentes diante dos filhos (duas das personagens
acompanhadas aparecem nas fotos ao lado). Os primeiros resultados são
contundentes. As crianças envolvidas na pesquisa adquiriram uma
capacidade cognitiva 15% melhor em relação à das que sofrem com o
abandono. Elas também têm uma linguagem com vocabulário 20% mais rico.
“Esse tipo de visitação tem o potencial de mudar a trajetória de uma
vida sem perspectivas”, diz Guilherme Polanczyk, chefe do serviço de
internação do Instituto de Psiquiatria da USP, um dos coordenadores do
levantamento.
As
primeiras conclusões fazem ecoar as investigações do americano James
Heckman, prêmio Nobel de Economia, especializado na primeira infância e
que, a partir de modelos matemáticos, mediu na ponta do lápis o custo de
uma sociedade miserável, incapaz de zelar pelas crianças,
especialmente na educação. Segundo Heckman, cada dólar gasto com os
muito pequenos trará retorno anual de 14 centavos durante toda a vida.
Diz o economista: “Países que não investem na primeira infância
apresentam índices de criminalidade mais elevados, maiores taxas de
gravidez na adolescência e de evasão no ensino médio, além de níveis
menores de produtividade no mercado de trabalho”. É grave e triste.
Aferições como a que está sendo realizada em franjas muito pobres de
São Paulo, a partir de ações de extrema simplicidade, têm se repetido
nos últimos anos. Com base nelas, e nos diagnósticos, lança-se um olhar
menos paternalista e mais prático para a miséria. Transforma-se em
estatística e dados científicos o que sempre foi apenas uma impressão
doída.
As revelações compiladas são assustadoras, e podem ser resumidas em três tópicos fundamentais:
– Vocabulário: aos 4 anos, uma criança educada num
ambiente abastado terá ouvido pelo menos 45 milhões de palavras. Uma
criança pobre terá tido contato com cerca de 13 milhões. Aos 8 anos, o
vocabulário de quem recebeu estímulos cognitivos chega a 12 000 palavras
— contra apenas 4 000 no caso de um aluno sem a mesma base educacional.
– Inteligência: uma pessoa de família de baixa
renda tem 13 pontos a menos no quociente de inteligência (QI) em relação
à média populacional, de acordo com estudo da Universidade Princeton,
nos EUA. Pesquisa publicada na revista Nature Neuroscience mostrou que o
cérebro de crianças pobres apresenta o córtex, a região associada à
memória e ao raciocínio, involuído.
– Doenças: em ambientes pobres, as crianças são
mais expostas a situações de stress e violência, fatores que aumentam o
risco de desenvolvimento de problemas mentais, segundo pesquisa da
Universidade de Denver, nos EUA. A má alimentação resulta em obesidade. A
Esmée Fairbairn, fundação inglesa, mostrou que no Reino Unido 22% das
crianças pobres são obesas. Entre as ricas, a taxa cai para apenas 7%.
Há algo a ser feito, ainda que não se consiga sair do círculo
vicioso da pobreza, como acontece no Brasil? Sim. Investir cedo e rápido
na educação. Será exponencialmente mais caro para uma sociedade educar
suas crianças depois que elas já tiverem passado pelos primeiros anos de
vida na penúria.
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Publicado em VEJA de 6 de dezembro de 2017, edição nº 2559
Fonte: http://veja.abril.com.br/revista-veja/os-efeitos-da-pobreza/
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