Nestas
festas, serão oferecidos smatphones para cães e impressoras 3D de
panquecas. Há alternativa: uma vida privada frugal e bens comuns
refinados. Quem se atreve?
Por George Monbiot | Tradução: Inês Castilho
Todo
mundo quer tudo – como é que isso pode dar certo? A promessa do
crescimento econômico é de que os pobres poderão viver como ricos; e os
ricos, como oligarcas. Mas nós já estamos detonando os limites físicos
do planeta que nos sustenta. Pane climática, desertificação do solo,
colapso de habitats e espécies, mar de plástico, armagedom de insetos:
tudo é causado pela alta do consumo. A promessa de luxo privado para
todos não pode ser cumprida: não existe nem espaço físico nem espaço
ecológico para isso.
Mas o crescimento deve continuar: esse é o
imperativo político em todos os lugares. E temos de ajustar nossos
paladares de acordo, em nome da autonomia e da escolha – o marketing usa
as últimas descobertas da neurociência para destruir nossas defesas.
Aqueles que procuram resistir devem, como os Vida Simples [Simple
Lifers] em Admirável Mundo Novo, ser silenciados – pela mídia,
no nosso caso. A cada geração, muda a referência do consumo
naturalizado. Há trinta anos, era ridículo comprar água em garrafa, pois
a água de torneira é limpa e abundante. Hoje, no mundo todo, usamos um
milhão de garrafas plásticas a cada minuto.
Toda sexta-feira [friday] é uma Black Friday; todo Natal é um festival mais aberrante de destruição. Entre saunas de neve, refrigeradores portáteis de melão e smartphones para cachorros com que somos instigados a preencher nossas vidas, meu prêmio de #extremacivilização vai agora para o PancakeBot:
uma impressora de massas 3-D que lhe permite comer, todas as manhãs, a
Mona Lisa, o Taj Mahal ou o traseiro do seu cachorro. Na prática, vai
entupir sua cozinha até você perceber que não tem espaço pra isso. Por
tralhas como essas estamos transformando em lixo o planeta vivo e nossas
próprias perspectivas de vida. Tudo isso precisa acabar.
A
promessa auxiliar é que, pelo consumismo verde, podemos reconciliar
crescimento perpétuo com sobrevivência planetária. Mas uma série de
pesquisas revela que não há diferença significativa entre as pegadas
ecológicas de pessoas que cuidam e que não cuidam de seus impactos. Um
artigo recente, publicado na revista Environment and Behaviour [Ambiente e Comportamento], revela que quem se identifica como consumidor consciente usa mais energia e carbono do que quem não.
Por
que? Porque a consciência ambiental tende a ser mais alta entre pessoas
ricas. Não são as atitudes, mas a renda que determina nossos impactos
no planeta. Quanto mais ricos, maior nossa pegada, a despeito de nossas
boas intenções. Aqueles que se veem como consumidores verdes, diz o
artigo, “focam principalmente em comportamentos que têm benefícios
relativamente pequenos”.
Conheço gente que recicla
meticulosamente, guarda suas sacolas plásticas, mede com cuidado a água
que coloca em suas chaleiras e então tira férias no Caribe, dispendendo
cem vezes mais que suas economias ambientais. Passei a crer que a
reciclagem lhes fornece desculpa para seus voos de longa distância.
Convence as pessoas de que tornaram-se verdes, e a assim desconsiderar
seus grandes impactos.
Nada disso significa que não devemos
tentar reduzir nossos impactos, mas precisamos ter consciência dos
limites desse exercício. Nosso comportamento dentro do sistema não
consegue mudar os resultados desse sistema. É o sistema que precisa ser
mudado.
Uma pesquisa da Oxfam sugere que o 1% mais rico (se sua
renda familiar é de 308 mil reais ou mais por ano, isso te inclui)
produz 175 vezes mais carbono que os 10% mais pobres. Como podemos, num
mundo em que supostamente todos aspiram a altos rendimentos, evitar
transformar a Terra numa bola de sujeira, da qual depende toda a
prosperidade?
Por dissociação, dizem os economistas: desvincular o
crescimento econômico do uso de materiais. E como é que vai isso? Um
artigo na revista PlosOne revela que, enquanto em alguns países
ocorreu uma relativa dissociação, “nenhum país conseguiu dissociação
absoluta nos últimos 50 anos”. Significa que a quantidade de materiais e
energia associadas com cada aumento do PIB pode declinar, mas, à medida
em que o crescimento ultrapassa a eficiência, o uso total de recursos
continua crescendo. Mais importante, o artigo revela que no longo prazo
são impossíveis tanto a dissociação relativa quanto a dissociação
absoluta do uso de recursos essenciais, por causa dos limites físicos da
eficiência.
Uma taxa de crescimento global de 3% significa que o
tamanho da economia mundial é duplicado a cada 24 anos. Essa é a razão
pela qual as crises ambientais aceleram-se a essa velocidade. Ainda
assim, o plano é assegurar que ela duplique e duplique outra vez, e
continue a duplicar para todo o sempre. Ao procurar defender o mundo
vivo do sorvedouro da destruição, podemos acreditar que estamos lutando
contra corporações e governos e a insensatez geral da humanidade. Mas
eles são todos procuradores do verdadeiro problema: crescimento perpétuo
num planeta que não está crescendo.
Aqueles que justificam esse
sistema insistem em que o crescimento econômico é essencial para o
alívio da pobreza. Mas um artigo da World Economic Review
afirma que os 60% mais pobres do mundo recebem apenas 5% do rendimento
adicional gerado pelo aumento do PIB. Disso resulta que são precisos 111
dólares de crescimento para cada 1 dólar de redução da pobreza. Essa é a
razão por que, seguindo a tendência atual, seriam necessários 200 anos
para garantir que todo o mundo receba 5 dólares por dia. A essa altura, a
renda média per capita terá alcançado 1 milhão de
dólares por ano, e a economia será 175 vezes maior do que é hoje. Isso
não é uma formula para alívio da pobreza. É uma fórmula para a
destruição de tudo e de todos.
Quando você ouve que alguma coisa
faz sentido do ponto de vista econômico, isso significa que é o oposto
do senso comum. Aqueles homens e mulheres sensíveis que governam os
tesouros e bancos centrais do mundo, que veem como normal e necessário
um crescimento indefinido do consumo, estão alucinados, esmagando as
maravilhas do mundo vivo, destruindo a prosperidade das gerações futuras
para sustentar um conjunto de cifras que têm uma relação cada vez menor
com o bem-estar geral.
Consumismo verde, dissociação material,
crescimento sustentável: isso tudo é ilusão, destinada a justificar um
modelo econômico que está nos conduzindo à catástrofe. O sistema atual,
baseado em luxo privado e imundície pública, vai nos levar à miséria:
sob esse modelo, luxo e privação são uma só besta com duas cabeças.
Necessitamos
de um sistema diferente, enraizado não em abstrações econômicas mas em
realidades físicas, que estabeleça os parâmetros pelos quais nós
julgamos sua saúde. Necessitamos construir um mundo no qual o
crescimento não seja necessário, um mundo de frugalidade privada e luxo
público. E devemos fazer isso antes que a catástrofe force nossa mão.
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* Jornalista, escritor, acadêmico e ambientalista do Reino Unido. Escreve uma coluna semanal no jornal The Guardian.
Fonte: http://outraspalavras.net/capa/natal-pos-capital/ 19/12/2017
Imagem da Internet
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