Quando o presidente Donald Trump tuitou que a revista Time
tinha o contatado sobre sua nomeação ao prêmio "Personalidade do ano",
mas que ele havia recusado, um representante da revista disse que o
tuíte do presidente não tinha "nenhum traço de verdade". No dia
seguinte, relatórios terem trazido à tona que Trump vinha negando que fosse sua a voz na famigerada gravação do programa "Access Hollywood", fazendo comentários maldosos sobre as mulheres. Mas quando a gravação foi divulgada, no ano passado, Trump reconheceu que era ele. Não tem como ambos serem verdade.
Enquanto isso, na mesma semana, o jornal The Washington Post revelou que uma organização ativista tinha pagado uma mulher para mentir sobre ter engravidado do candidato ao Senado Roy Moore na adolescência. A história foi uma tentativa de expor o viés da mídia do The Washington Post
caso tivessem continuado com a história falsa, mas, em vez disso, o
jornal revelou a verdade: que o abuso e a gravidez não aconteceram e a
mulher trabalhava para uma organização ironicamente denominada Veritas, que significa, em latim, "verdade".
A reportagem é de Heidi Schlumpf, publicada por National Catholic Reporter, 05-12-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Estes três exemplos recentes levantam a questão: Mentir é errado? Ainda é — como dizem os católicos — pecado?
Com certeza, dizem teólogos e moralistas. Como os pais já apontaram
através dos tempos, não é porque todo mundo está fazendo que é certo.
A tradição católica ética é clara ao afirmar que mentir é moralmente
errado e, na verdade, sustenta que é errado em todas as situações,
embora alguns moralistas vejam distinções. Mas todos concordam que as
consequências da mentira são muito graves quando advém de líderes de
instituições sociais, como o governo, a mídia ou até mesmo igrejas.
"Mentir destrói a confiança entre as pessoas, corroendo a comunicação”, disse Lisa Fullam, professora de teologia moral na faculdade jesuíta de teologia da Universidade de Santa Clara, na Califórnia.
A mentira generalizada — ou talvez o amplo conhecimento sobre a
mentira, graças às novas tecnologias midiáticas — pode levar ao cinismo,
no qual as pessoas pensam que todo mundo é falso por seus próprios
interesses, disse ela.
Não apenas é pecado, mas tem implicações perigosas para uma
democracia, onde a confiança na honestidade dos dirigentes é fundamental
e o conhecimento verdadeiro é necessário para a cidadania, afirmou.
O problema das "fake news” (notícias falsas) e de outras nas redes sociais chegou a chamar a atenção do Vaticano, que anunciou que o Papa Francisco fará um discurso sobre o tópico no Dia Mundial das Comunicações Sociais, em maio de 2018. O tema será "A verdade vos tornará livres".
O tema será particularmente adequado para os estadunidenses, que passam
quase 11 horas por dia em frente a uma tela, onde as notícias são
mediadas por algoritmos e empresas que decidem o que eles veem, disse Marcus Mescher, professor adjunto de ética cristã na Xavier University, em Cincinnati.
"Nós vivemos em uma cultura do copia e cola, em que as coisas podem
ser editadas e descontextualizadas”. "Há grandes chances de engano e
distorção”, disse Mescher. “Portanto, é mais importante
para nós não apenas sermos honestos e transparentes, mas nos
responsabilizarmos pelos padrões de verdade e confiabilidade e
discernirmos se o que estamos compartilhando ou consumindo é credível".
Mary Beth Yount, professora adjunta de estudos teológicos na Neumann University, em Aston, Pensilvânia, concorda que a ética, a honestidade e a desonestidade têm implicações não apenas individuais, mas sociais.
"Principalmente agora, as pessoas na sociedade não sabem em quem
confiar, quem falará por eles e quem se importa com eles", disse Yount.
"Muito disso vem de um engano intencional, para influenciar as
eleições, angariar dinheiro para apoio político ou beneficente, ou até
mesmo promover leitores e aumentar acessos. É muito difícil na nossa
sociedade ser confiável e confiar que os outros são verdadeiros".
O que a Igreja ensina
Claro, “Não levantar falsos testemunhos” é um dos dez mandamentos, e a discussão sobre a mentira no catecismo da Igreja Católica vem no tópico dos mandamentos.
Mas muito do ensino do catecismo advém de Santo Agostinho, que foi o primeiro a articular a posição da Igreja sobre a mentira. "Santo Agostinho condena a mentira em qualquer circunstância", explicou Julia Fleming, professora de ética na Universidade de Creighton, em Omaha, Nebraska.
"Ele considera a mentira uma violação contra Deus, que é a verdade. Os
seres humanos devem escolher a Deus acima de todas as coisas, inclusive a
nossa sobrevivência física ou outras coisas desejáveis".
Então, de acordo com Santo Agostinho, os fins nunca justificam os meios, e até mesmo as mentiras que poderiam salvar vidas são consideradas moralmente erradas.
Mas São Tomás de Aquino expande esse ensinamento.
Embora sustente que toda mentira é pecado, ele faz a distinção de que
"nem toda a mentira é grave", disse Fleming. A gravidade do pecado depende do próprio ato ou de sua intenção e/ou circunstâncias.
"Querer magoar alguém é diferente de mentir para ajudar alguém", disse Fullam. "Quanto maior for o bem pretendido com a mentira, mais a gravidade do pecado é atenuada. Mas ainda é pecado".
A definição de mentira do catecismo é "dizer o que é falso com a
intenção de enganar o próximo” (nº 2508), o que sugere a dimensão
comunitária e relacional de mentir.
Mas nem toda declaração falsa é mentira, pois a mentira é
intencional. "Uma pessoa pode estar equivocada, fora de si ou ser uma
pessoas para quem a distinção entre verdadeiro e falso parece sem
sentido”, afirmou Fleming.
Mas é justamente esta intenção de enganar que é tão perigosa nas inverdades que são ditas na nossa cultura atual, disse Mescher.
"A finalidade é fomentar o medo e a divisão", disse. "É isso que eu
acho mais moralmente ultrajante. As pessoas estão literalmente tentando
nos separar e semear a desconfiança e a insegurança, que são ameaças
fundamentais à solidariedade e à proximidade, e até mesmo à dignidade
humana básica".
Grande parte da discussão em torno das várias declarações falsas do Presidente Trump depende de ele ter ou não a intenção de enganar, mas isso diminui outro aspecto da culpabilidade moral, disse Fullam.
A ideia de "ignorância vencível" diz que as pessoas não podem ser
absolvidas da responsabilidade moral por darem falsas declarações apenas
porque não sabiam a verdade — se o assunto for algo que devem saber ou
que se espera que saibam, comentou.
A ignorância vencível "acrescenta outra camada de capacidade de avaliar o ato de alguém", disse ela.
Da mesma forma, a Igreja ensina que as autoridades
civis, especialmente, têm uma responsabilidade ética de fornecer
informações precisas. O documento do Concílio Vaticano II Inter Mirifica
(Decreto sobre os Meios de Comunicação Social) observou que a sociedade
tem o direito à informação baseada na verdade, na justiça e na
solidariedade, disse Fleming.
"A verdade ainda é importante, porque nós agimos de acordo com o que
percebemos ser a verdade", declarou, citando o exemplo da desinformação
sobre as armas de destruição em massa que levou os Estados Unidos a ir à guerra no Iraque, depois de 11 de setembro.
Além de semear o medo e a desconfiança, as mentiras e as "fake news" matam a compaixão e fomentam a apatia moral ou a inércia, disse Mescher. "Isso suga o compromisso das pessoas de ser moralmente responsáveis por si e pelo outro".
Esperança para o futuro?
Será que a Igreja — apesar de sua própria história
de nem sempre ser verdadeira — pode ser profética em praça pública sobre
a importância desta virtude?
Sim, a Igreja pode oferecer não apenas a sua voz, mas também seus rituais, como o sacramento da reconciliação e da lamentação, disse Mescher, que acredita que o Papa lamentará o estado atual das coisas na sua próxima mensagem sobre as “fake news”.
Yount é otimista. "Não é tarde demais", afirmou. “Estão acontecendo rupturas, mas ainda pode dar certo".
Ela observa que o catecismo chama a reparações pelos que mentem, seja
por compensação direta ou "satisfação moral em nome da caridade". (nº
2487)
Mas a Igreja deve falar sempre a verdade para ter credibilidade, principalmente entre os jovens millennials, que desconfiam das instituições religiosas. "Eu esperava mais [dos líderes da Igreja], pois vi que eles desviam e evitam algumas verdades difíceis", disse Yount.
A igreja pode renovar seu compromisso com a verdade, disse Fullam,
embora a honestidade possa ser arriscada. "Mas este é um momento em que
precisamos focar no que significa ser pessoas verdadeiras", disse ela.
Talvez este seja um momento de despertar, disse Fleming,
e o fato de haver mais mentiras públicas vão chamar a atenção para a
questão. "Não há nada como fatos alternativos. Pode haver interpretações
alternativas. Mas as coisas são ou não são", disse ela. "No final,
acredito que a verdade tem um poder próprio".
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FONTE: http://www.ihu.unisinos.br/574440-criado-o-nucleo-gaucho-da-associacao-brasil-juristas-pela-democracia 07/12/2017
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