Luiz Fernando Veríssimo*
O Heleno de Freitas era chamado de “Gilda” – pelos adversários, claro
– porque era bonito e temperamental como uma diva. E a diva em
evidência na época era a Rita Hayworth no papel de Gilda, num filme que
causava escândalo porque tinha uma cena de “strip-tease”. “Nunca houve
uma mulher como Gilda” era a frase promocional do filme e até hoje tem
gente que diz que nunca houve uma mulher como a Rita Hayworth fazendo
Gilda, e que sua primeira aparição no filme é um dos momentos luminosos
da história do cinema.
Sobre o “strip-tease” que escandalizava. Não me recordo se o Millôr incluiu no seu livro de expressões em português vertidas hilariantemente para o inglês (The Cow Went to the Swamp) o nome para vestidos que só o busto da mulher e a providência divina mantêm no lugar: “tomara que caia”. Em inglês seria “hope it falls”? De qualquer maneira, é um tomara que caia preto e longas luvas negras que a Gilda veste quando se levanta da mesa da boate, onde esteve bebendo demais, e começa a cantar Put the Blame on Mame e a dançar. E começa, lentamente, a tirar uma das luvas pretas, que depois gira no ar e atira para a plateia de mulheres indignadas e homens babosos. E começa a tirar a segunda luva preta, expondo, pouco a pouco, o outro braço nu. Neste ponto, o marido – ou Glenn Ford, o amante, não me lembro mais – intervém e a tira do palco, mas não a tempo de evitar que o filme fosse proibido até 18 anos no Brasil.
O “strip-tease” era só isto, duas luvas sendo despidas, com a pressuposição de que a etapa seguinte seria o zíper sendo aberto para que o tomara que caia caísse. O cinema americano levou alguns anos até abrir o zíper e desnudar os seios de uma atriz, completando o que Gilda começara em 1946. Mas, mesmo incompleto, o “strip-tease” da Gilda causou sensação.
De certa maneira, o “strip-tease” implícito era mais excitante do que um impensável – na época – “strip-tease” de verdade. O filme foi proibido para menores de 18 anos não pelo que mostrava, mas pelo que sugeria.
Compare-se o apenas sugerido em Gilda com o que é visto no cinema hoje em dia e se terá uma ilustração perfeita do que o tempo faz com a moral e os costumes. Em algum lugar devem estar expostas as luvas pretas da Gilda como relíquias daquela nossa pré-história.
Pré-história pessoal: nós passávamos uma temporada em Caxambu, onde o único cinema da cidade estava exibindo Gilda. Não havia fiscalização, entrava todo mundo, até os muito menores de 18 como eu. Meu primeiro filme proibido. Não vou dizer que as luvas pretas da Gilda rondaram os meus sonhos, depois de ver o filme. Mas que perturbaram, perturbaram.
Sobre o “strip-tease” que escandalizava. Não me recordo se o Millôr incluiu no seu livro de expressões em português vertidas hilariantemente para o inglês (The Cow Went to the Swamp) o nome para vestidos que só o busto da mulher e a providência divina mantêm no lugar: “tomara que caia”. Em inglês seria “hope it falls”? De qualquer maneira, é um tomara que caia preto e longas luvas negras que a Gilda veste quando se levanta da mesa da boate, onde esteve bebendo demais, e começa a cantar Put the Blame on Mame e a dançar. E começa, lentamente, a tirar uma das luvas pretas, que depois gira no ar e atira para a plateia de mulheres indignadas e homens babosos. E começa a tirar a segunda luva preta, expondo, pouco a pouco, o outro braço nu. Neste ponto, o marido – ou Glenn Ford, o amante, não me lembro mais – intervém e a tira do palco, mas não a tempo de evitar que o filme fosse proibido até 18 anos no Brasil.
O “strip-tease” era só isto, duas luvas sendo despidas, com a pressuposição de que a etapa seguinte seria o zíper sendo aberto para que o tomara que caia caísse. O cinema americano levou alguns anos até abrir o zíper e desnudar os seios de uma atriz, completando o que Gilda começara em 1946. Mas, mesmo incompleto, o “strip-tease” da Gilda causou sensação.
De certa maneira, o “strip-tease” implícito era mais excitante do que um impensável – na época – “strip-tease” de verdade. O filme foi proibido para menores de 18 anos não pelo que mostrava, mas pelo que sugeria.
Compare-se o apenas sugerido em Gilda com o que é visto no cinema hoje em dia e se terá uma ilustração perfeita do que o tempo faz com a moral e os costumes. Em algum lugar devem estar expostas as luvas pretas da Gilda como relíquias daquela nossa pré-história.
Pré-história pessoal: nós passávamos uma temporada em Caxambu, onde o único cinema da cidade estava exibindo Gilda. Não havia fiscalização, entrava todo mundo, até os muito menores de 18 como eu. Meu primeiro filme proibido. Não vou dizer que as luvas pretas da Gilda rondaram os meus sonhos, depois de ver o filme. Mas que perturbaram, perturbaram.
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* Escritor. Cronista da ZH
Fonte: ZH On line, 12/04/2012
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