Xico Graziano*
Passadas duas décadas desde que se realizou a Rio-92, a
Organização das Nações Unidas (ONU) resolveu organizar no Brasil uma
nova conferência mundial. Concebida para avaliar o desenvolvimento
sustentável, a Rio+20 ameaça ser um fracasso. Sua complexa agenda virou
uma torre de Babel.
A primeira conferência mundial sobre meio ambiente foi realizada em
1972 na capital sueca, a cidade de Estocolmo. Lá nasceu o importante
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Começavam a ser
conhecidos, cientificamente, os limites da Terra para a explosão
populacional humana. Consequências ecológicas do crescimento econômico.
Importante relatório da ONU divulgado 15 anos depois, intitulado
Nosso Futuro Comum, definiu as bases do conceito que virou mantra na
atualidade: o desenvolvimento sustentável. Derivada da noção pioneira de
"ecodesenvolvimento", proposta pelo economista polonês naturalizado
francês Ignacy Sachs, a expressão propunha conciliar a economia com a
ecologia. Mais tarde, na Cúpula da Terra (nome original da Rio-92),
ampliou-se a compreensão sobre o tema, consagrando o famoso tripé da
sustentabilidade: ecologicamente equilibrada, socialmente justa e
economicamente viável.
Ao se incorporar à temática do desenvolvimento econômico, a causa do
ambientalismo, antes restrita aos idealistas e aos visionários, ganhou
importância. A sociedade global mudava a compreensão sobre o seu
devenir. O crescimento predatório, que emite notas promissórias contra o
futuro, perdeu cartaz, abrindo espaço para o surgimento da "economia
verde", novo paradigma da civilização.
Em tese, tudo resolvido; na prática, imensas dificuldades. As nações
jamais consolidaram passos subsequentes, necessários para obter
governança global sobre o meio ambiente. As empresas, por seu lado,
perderam tempo tratando a sustentabilidade apenas como uma jogada de
marketing, pouco modificando os processos tecnológicos de produção.
Entre as pessoas, a conscientização ecológica jamais ultrapassou as
elites da sociedade. Em consequência, anda atrasado o enfrentamento
consistente da crise ambiental.
Falta também clareza sobre a ideia central. Desde que se formulou o
conceito de desenvolvimento sustentável, suas três dimensões -
ambiental, social e econômica - disputam espaço político em sua agenda.
Se, num primeiro momento, a luta ambiental se robusteceu ao ser
incorporada aos processos decisórios da economia, aos poucos o
ambientalismo passou a dividir o seu ativismo com grupos centrados nas
desigualdades sociais. Uma sociedade miserável, afinal, não pode ser
considerada sustentável.
Especialmente nos países emergentes, como o Brasil, os dilemas
elementares do crescimento - emprego, moradia, energia, transportes -
exigem obras que pressionam fortemente as variáveis ambientais. Nesse
sentido, o preservacionismo radical, coerente nos países ricos, por aqui
soa como elitista. Por isso a ideia de sustentabilidade, mais ampla,
ganhou espaço, forçando o ambientalismo a ser realista. Mais do que
eloquentes palavras, ações concretas.
Em outra linha, certas organizações fizeram da sustentabilidade uma
estratégia de combate à exclusão humana, fornecendo uma grife aos
movimentos ligados à erradicação da miséria e à justiça social. Estes,
agora, pegaram carona nos preparativos da Rio+20 e praticamente
dominaram a mídia sobre a reunião. Negros, feministas, sem-terra,
índios, gays, causas humanitárias variadas imiscuíram-se com o
ambientalismo, resultando boa confusão, teórica e política.
Resultado: a Rio+20 perdeu seu foco original, ligado à crise
ecológica da civilização. Assim argumentam os cientistas, militantes da
causa ambiental, laureados com o prêmio Planeta Azul, uma espécie de
Oscar da sustentabilidade. O físico José Goldemberg é um dos que lideram
a grita contra essa deformação nos debates pré-conferência, marcada
para início de junho. Rubens Ricupero, diplomata cuja ação foi decisiva
para o sucesso da conferência de 20 anos atrás, esclarece: "Se a questão
ambiental não for encaminhada de maneira satisfatória, se o clima
aquecer demais, não teremos nem social nem econômico (...), virá o
colapso total".
Para piorar o quadro, entidades (que se julgam) esquerdistas passaram
a contestar o tema da economia verde, proposto originalmente pela ONU,
argumentando que esverdear os processos produtivos interessa apenas ao
capitalismo. Para libertar os povos oprimidos, defendem, será necessária
uma nova e ampla "revolução", que, obviamente, ninguém sabe definir
qual nem como. Nem onde.
E assim nos aproximamos da Rio+20. Nesse contexto, provavelmente nada
de importante nela se decidirá. Uma avaliação séria, se viesse a ser
realizada, mostraria que, a despeito de boas ações aqui e ali, a
civilização continua caminhando para o colapso. Inexiste uma força
coordenadora, decisória, que enquadre a sociedade global na agenda
futurista. Essa governança, que poderia ser o grande assunto do encontro
no Rio de Janeiro, será provavelmente substituída pelas resoluções de
sempre, genéricas, que empurram o problema com a barriga.
A grande conferência da ONU deve configurar, infelizmente, apenas uma
grande festa ideológica, cujo brilho até poderá ajudar no avanço da
consciência ecológica mundial, mas não deixará marca registrada. Haverá
uma mistureba semelhante ao recheio daqueles sanduíches do tipo x-tudo:
uma fatia da diplomacia internacional, uma rodela de terceiro-mundismo
clássico, pitadas da Via Campesina, pedacinhos de ambientalismo com
molho oriundo dos povos oprimidos, um caroço do empresariado inteligente
amolecido pelas entidades científicas, tempero blá-blá-blá à vontade.
Fica delicioso, enche a barriga, mas não guarda o gosto de nada.
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*Agrônomo, foi secretário de Agricultura e secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. E-mail: xicograziano@terra.com.br
Fonte: Estadão on line, 03/04/2012
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