Kim Daasbjerg, professor da Universidade de Aarhus, na
Dinamarca, afirma que os pesquisadores não devem se preocupar com a
viabilidade comercial de suas descobertas.
A Universidade de Aarhus é a segunda maior universidade da Dinamarca, superada apenas pela Universidade de Copenhague.
Ela foi fundada em 1928 e hoje conta com 42,5 mil estudantes. Como
define em sua página na internet, sua missão é encontrar soluções para
os complexos desafios do mundo atual e, para isso, busca manter uma
estreita colaboração com empresas e indústrias.
Isso não quer dizer, contudo, que não há espaço para a pesquisa
básica, também chamada de pesquisa pura, que é aquela que busca o avanço
de teorias científicas.
Pelo menos é isso o que vem defendendo Kim Daasbjerg, professor de química da instituição e idealizador de um interessante projeto de inovação aberta, o Open Science.
A iniciativa é uma resposta a um problema detectado por ele e que, em
sua opinião, está afastando as universidades de sua missão, que é
beneficiar a sociedade. O problema reside na pressão sobre os
pesquisadores para que eles façam descobertas com viabilidade comercial e
gerem renda com patentes e licenciamento, uma situação que, no limite,
coloca em risco a própria geração de ideias.
A solução para Daasbjerg é liberar os pesquisadores dessas amarras e
simplesmente proibir o registro de patentes. Só assim eles voltarão a
ter liberdade para testar ideias “selvagens”, como define, sem se
importar com o resultado comercial dos experimentos.
Na entrevista a seguir, o professor conta em detalhes o projeto e os benefícios que ele trará para toda a comunidade.
A Aarhus University se apresenta como uma instituição que
valoriza muito a colaboração com empresas e indústrias. Como o projeto
Open Science se insere nesse contexto e quais são seus benefícios?
O projeto Open Science já tem sua primeira plataforma de inovação aberta, a Spoman, que, nesse caso específico, é voltada para o desenvolvimento de polímeros inteligentes e nanocompósitos [Spoman é um acrônimo de Smart Polymer Materials and Nano-Composites]. A iniciativa trará muitos benefícios para todas as partes envolvidas.
O projeto Open Science já tem sua primeira plataforma de inovação aberta, a Spoman, que, nesse caso específico, é voltada para o desenvolvimento de polímeros inteligentes e nanocompósitos [Spoman é um acrônimo de Smart Polymer Materials and Nano-Composites]. A iniciativa trará muitos benefícios para todas as partes envolvidas.
No campo de interesses das companhias privadas, a iniciativa permite
que empresas, pesquisadores e estudantes trabalhem em conjunto em torno
de temas fundamentais para a ciência. Como resultado, a pesquisa básica
passará a desempenhar um papel mais importante na inovação industrial.
Embora essas pesquisas tenham potencial para aumentar a produtividade
dos negócios e gerar soluções comerciais inovadoras, apenas uma pequena
porcentagem das empresas dinamarquesas opta por esse tipo de
investimento. A razão disso é que os resultados da pesquisa básica são
muito imprevisíveis e, muitas vezes, levam muitos anos para gerarem
lucros. Isto é especialmente verdadeiro para as pequenas e médias
empresas que, geralmente, têm menos recursos disponíveis para investir
em conhecimento e integrá-lo aos esforços de pesquisa e desenvolvimento.
No entanto, todas as empresas, independentemente do tamanho, são
pressionadas por investidores e competidores a gerar melhorias
incrementais e de curto prazo para produtos existentes, a fim de
conseguir retornos mais rápidos.
A iniciativa Spoman é um remédio para esse fato infeliz.
A adesão é livre e ela reduz, para as empresas, os riscos de explorar
ideias radicalmente novas por meio da pesquisa básica. Em outras
palavras, pequenas e grandes empresas têm a chance de testar ideias
“selvagens” que, potencialmente, podem levar à inovação radical. Em
resumo, os benefícios para as empresas privadas são os seguintes: acesso
fácil e gratuito ao conhecimento de ponta que pode ser usado para
desenvolver novos produtos, serviços etc.; acesso aos nossos alunos e
possíveis funcionários; contato com uma ampla seleção de pesquisadores
de classe mundial; contato com empresas para discutir interesses
compartilhados ou estabelecer novas colaborações comerciais; e
possibilidade de explorar ideias selvagens e potencialmente mutáveis,
que, de outra forma, seriam consideradas muito arriscadas pela
administração ou pelos investidores.
E quanto aos pesquisadores e alunos? Quais são as vantagens para eles?
Os pesquisadores têm contato com colegas de outros grupos e instituições – e potenciais novos parceiros de colaboração; acesso a parceiros industriais que podem financiar projetos de pesquisa; possibilidade de publicar em conjunto com parceiros industriais – estes tipicamente produzem um maior impacto do que os pesquisadores acadêmicos comuns; estímulo para novas ideias de pesquisas; incentivo para resolver problemas interdisciplinares; e suporte para criar empresas ou divisões de empresas a partir de demandas do mercado.
Os pesquisadores têm contato com colegas de outros grupos e instituições – e potenciais novos parceiros de colaboração; acesso a parceiros industriais que podem financiar projetos de pesquisa; possibilidade de publicar em conjunto com parceiros industriais – estes tipicamente produzem um maior impacto do que os pesquisadores acadêmicos comuns; estímulo para novas ideias de pesquisas; incentivo para resolver problemas interdisciplinares; e suporte para criar empresas ou divisões de empresas a partir de demandas do mercado.
Por ter uma abordagem aberta e transparente, a Spoman também aumenta a
reprodutibilidade e a qualidade dos resultados da pesquisa. Já os
benefícios para os estudantes são: treinamento em um ambiente altamente
interdisciplinar; capacitação para resolver problemas com base na
necessidade; contato com potenciais empregadores; desenvolvimento de
novas habilidades em comunicação científica; e integração a uma grande
rede de contatos na academia e na indústria.
De onde veio a ideia de criar o projeto?
Até certo ponto, a iniciativa Spoman foi uma maneira de trazer a ciência de volta aos valores Mertonianos [relativos ao conjunto de normas estabelecidas pelo sociólogo americano Robert K. Merton em 1942], como abertura, transparência e reprodutibilidade.
Até certo ponto, a iniciativa Spoman foi uma maneira de trazer a ciência de volta aos valores Mertonianos [relativos ao conjunto de normas estabelecidas pelo sociólogo americano Robert K. Merton em 1942], como abertura, transparência e reprodutibilidade.
Durante as duas últimas décadas, os políticos dinamarqueses
intensificaram os esforços para “forçar” as universidades a criar valor
para a sociedade, como se fossem empresas, e comercializar suas ideias
através de transferência de tecnologia (patentes, licenciamento, etc.). A
colaboração Spoman neutraliza esse foco, já que seus fundadores não
acreditam que as pesquisas tenham que, necessariamente, produzir
receitas impressionantes. A abordagem fechada e protecionista pode
impedir a missão original das universidades, que é beneficiar a
sociedade.
Além disso, a política acima mencionada favoreceu a pesquisa aplicada
em prejuízo da pesquisa básica – e isso pode eventualmente acabar com a
própria fonte de ideias e descobertas. Além disso, os pesquisadores
universitários encontram-se sob enorme pressão competitiva para ser o
primeiro a publicar novos resultados – e eles, por exemplo, são
avaliados com base no número e impacto de suas publicações.
Infelizmente, esse sistema encoraja o protecionismo e a concorrência,
em vez de colaboração e compartilhamento de resultados. Como resposta, o
Spoman permite que as universidades se concentrem no que melhor fazem:
pesquisa básica e educação. E convida as empresas no processo a fazer o
que melhor fazem: aplicar os resultados para fins comerciais. Portanto, o
Spoman reduz a distância da pesquisa básica à inovação / aplicação,
convidando a indústria a se tornar parte de toda a cadeia de pesquisas.
Ao fazer isso como ciência aberta, os resultados estão abertos para
todos, portanto, novos materiais, técnicas ou conhecimentos são usados
não apenas em uma, mas em muitas aplicações. Isso permite novas
colaborações e compartilhamento de experiências que, no final, podem
reduzir os custos de pesquisa e desenvolvimento.
Como o Open Science funciona na prática?
A indústria e os pesquisadores definem projetos científicos básicos com base em desafios comuns a mais de uma empresa. Os projetos são realizados por estudantes. Nesse semestre, temos 20 alunos (de programas de mestrado, doutorado e pós-doutorado) trabalhando em colaboração ativa com parceiros industriais. Todos os resultados, métodos e planos são compartilhados na plataforma do Open Science (http://osf.io/wudyt/).
A indústria e os pesquisadores definem projetos científicos básicos com base em desafios comuns a mais de uma empresa. Os projetos são realizados por estudantes. Nesse semestre, temos 20 alunos (de programas de mestrado, doutorado e pós-doutorado) trabalhando em colaboração ativa com parceiros industriais. Todos os resultados, métodos e planos são compartilhados na plataforma do Open Science (http://osf.io/wudyt/).
Como os pesquisadores e as empresas receberam a iniciativa?
A iniciativa Open Science se desenvolveu a partir de uma estreita colaboração entre pesquisadores acadêmicos e oito empresas fundadoras: RadiSurf, SP Group, NEWTEC, ECCO, LEGO, Alfa Laval, Vestas e Velux. Já temos outras empresas conosco e, até o momento, nenhuma delas demonstrou preocupação quanto à natureza aberta da iniciativa. Como mencionado anteriormente, essa é uma situação de ganha-ganha.
A iniciativa Open Science se desenvolveu a partir de uma estreita colaboração entre pesquisadores acadêmicos e oito empresas fundadoras: RadiSurf, SP Group, NEWTEC, ECCO, LEGO, Alfa Laval, Vestas e Velux. Já temos outras empresas conosco e, até o momento, nenhuma delas demonstrou preocupação quanto à natureza aberta da iniciativa. Como mencionado anteriormente, essa é uma situação de ganha-ganha.
No entanto, existem preocupações entre os pesquisadores acadêmicos.
Alguns participam por idealismo – eles querem abrir a ciência novamente
–, outros porque veem a Spoman como uma espécie de rede e meio para
conseguir financiamento. Mas também temos os que não se inscrevem na
abordagem aberta e aqueles que não desejam participar em absoluto, e
está tudo bem. O Spoman é um complemento da forma como as pesquisas e
transferências de tecnologia são tradicionalmente realizadas. Mas
esperamos que o Spoman crie um fluxo de projetos derivados e que estes
levem a patentes. Ninguém pode patentear os resultados abertos, mas suas
aplicações específicas podem, sim, ser registradas.
O modelo da inovação aberta é viável para empresas que
investem grandes somas em pesquisa e desenvolvimento? Elas não se
preocupam em proteger os resultados dessas pesquisas?
Como todos os projetos são projetos de pesquisa básica, não há segredos, produtos ou aplicações envolvidas. Por exemplo: podemos desenvolver conceitos para uma nova classe de material. Mas nenhuma das empresas precisa divulgar o que pretende fazer com o material – e ele pode servir para propósitos muito diferentes em diferentes setores e empresas. Assim, as discussões se concentram em grandes necessidades industriais e não em aplicações específicas. Atualmente, temos tanto empresas grandes (por exemplo, LEGO e ECCO), como médias e pequenas.
Como todos os projetos são projetos de pesquisa básica, não há segredos, produtos ou aplicações envolvidas. Por exemplo: podemos desenvolver conceitos para uma nova classe de material. Mas nenhuma das empresas precisa divulgar o que pretende fazer com o material – e ele pode servir para propósitos muito diferentes em diferentes setores e empresas. Assim, as discussões se concentram em grandes necessidades industriais e não em aplicações específicas. Atualmente, temos tanto empresas grandes (por exemplo, LEGO e ECCO), como médias e pequenas.
Quanto aos pesquisadores, eles não estão frustrados com a ideia de que não serão reconhecidos individualmente?
As pesquisas deverão ser publicadas em revistas, como acontece usualmente. No caso de os pesquisadores publicarem com parceiros industriais, as análises bibliométricas indicam que eles alcançarão um impacto maior – e ainda terão mais citações – do que se publicarem sozinhos. E isso pode, por sua vez, beneficiar suas carreiras.
As pesquisas deverão ser publicadas em revistas, como acontece usualmente. No caso de os pesquisadores publicarem com parceiros industriais, as análises bibliométricas indicam que eles alcançarão um impacto maior – e ainda terão mais citações – do que se publicarem sozinhos. E isso pode, por sua vez, beneficiar suas carreiras.
Além disso, a iniciativa Spoman pode trazer desdobramentos
individuais para os pesquisadores em projetos posteriores de colaboração
“fechada”. Finalmente, o Open Science Framework usado para publicar os
dados e resultados tem uma característica especial que permite que o
pesquisador individual seja “cotado” cada vez que seus dados são usados
ou baixados. Com o tempo, isso pode contribuir para novos indicadores
na forma como as universidades avaliam seus pesquisadores e uma nova
“economia de reputação” que não se baseia apenas no protecionismo e nas
citações.
Quais resultados vocês já colheram?
A iniciativa é muito recente e ainda não gerou novos produtos ou aumento de emprego, por exemplo. Mas acreditamos firmemente que isso acontecerá quando o projeto amadurecer. Estes são, no entanto, efeitos de longo prazo que não podemos esperar medir já.
A iniciativa é muito recente e ainda não gerou novos produtos ou aumento de emprego, por exemplo. Mas acreditamos firmemente que isso acontecerá quando o projeto amadurecer. Estes são, no entanto, efeitos de longo prazo que não podemos esperar medir já.
Quanto aos efeitos de curto prazo, posso dizer que nós detectamos
objetivos de estudo / interesse comuns entre estudantes, pesquisadores,
empresários, políticos e gestores universitários e conseguimos
financiamento da Fundação Industrial Dinamarquesa e da própria
universidade para lançar o Spoman. Como iniciamos o Open Science em
janeiro de 2017, já temos relatados quatro projetos e acabamos de
iniciar outros oito envolvendo mais 20 alunos. Todos os meses, as
empresas e os pesquisadores estão se reunindo para discutir temas de
ciência, a direção dos projetos e o próprio conceito de inovação aberta.
Outro resultado que pode ser mencionado é o fato de já haver
pesquisadores e parceiros industriais planejando colaborações “fechadas”
para amadurecer resultados do Spoman. Desta forma, novas colaborações e
maiores investimentos em pesquisa já estão em andamento. Os parceiros
industriais também estão relatando enormes benefícios depois que se
conectaram a novos pesquisadores e empresas. Essa rede abriu
oportunidades para o desenvolvimento de novos negócios, P&D e até
novas relações comerciais. As primeiras publicações devem acontecer
dentro de um ano.
Em sua opinião, outras instituições podem replicar o projeto?
Que caminhos eles devem seguir para alcançar um resultado semelhante?
Todos podem replicar o projeto – e espero que alguém o faça. Usaremos nossa avaliação para propor princípios básicos sobre como fazê-lo. No entanto, podem existir diferenças regionais, institucionais ou disciplinares para que uma nova implementação siga uma rota completamente diferente da nossa. Estamos mais do que satisfeitos em ajudar com a nossa experiência se alguém estiver interessado.
Todos podem replicar o projeto – e espero que alguém o faça. Usaremos nossa avaliação para propor princípios básicos sobre como fazê-lo. No entanto, podem existir diferenças regionais, institucionais ou disciplinares para que uma nova implementação siga uma rota completamente diferente da nossa. Estamos mais do que satisfeitos em ajudar com a nossa experiência se alguém estiver interessado.
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Reportagem por
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