segunda-feira, 13 de novembro de 2017

iGen: Jovens em agonia

Luiz Felipe Ponde*



Ilustração da coluna do Pondé de 13/11/2017

O conceito de geração, criação bem sucedida do marketing americano desde os chamados baby boomers, ganhou "credencial" científica. 

A pesquisadora americana Jean Twenge, em seu último livro "iGen, Why Today's Super-Connected Kids Are Growing Up Less Rebellious, More Tolerant, Less Happy -and Completely Unprepared for Adulthood" (Geração i, por que os jovens de hoje, superconectados, estão crescendo menos rebeldes, mais tolerantes, menos felizes -e completamente despreparados para idade adulta), lançado pela Atria Books, constrói, a partir de um arsenal de pesquisas, um perfil dos jovens nascidos entre 1995 e 2012.
O universo é o americano, mas, podemos aplicá-la com razoável segurança aos jovens brasileiros das classes A e B. 

Vale esclarecer que "i" (internet) aqui se refere ao "i" do iPhone, logo, a autora está dizendo que esses jovens vivem com um iPhone nas mãos. E também "i" para "individualismo", traço marcante da iGen. 

Trabalho com jovens entre 18 e 20 há 22 anos. E posso perceber enormes semelhanças entre o que ela descreve e o que vejo no dia a dia, não só em sala de aula mas também graças ao contato alargado com jovens via mídias sociais. 

Muitas dessas características são quase universais, devido à ampla rede de comunicação e distribuição de bens criada pelas mesmas mídias sociais. 

Escolas e famílias, muitas vezes, são parte do problema, e não da solução. Ambas se atolam em modas de comportamento e iludem a si mesmas e aos jovens por conta, seja do marketing das escolas, seja das projeções vaidosas dos pais sobre seus filhos. O marketing das escolas é desenhado a partir dessas mesmas projeções vaidosas dos pais em relação aos seus filhos, ou seja, clientes das escolas. 

Algumas dessas projeções são: os jovens de hoje são mais evoluídos afetivamente, são mais preocupados com temas sociais, mais tolerantes com o diferente, mais seguros com relação ao que querem, menos submetidos à moral "imposta" pela sociedade, mais sensíveis a desigualdade social, mais conscientes de uma alimentação equilibrada e, no caso das meninas, mais autônomas, independentes e donas do seu corpo. 

Algumas dessas projeções não são, necessariamente, falsas. 

O discurso da tolerância entre os jovens aumentou de fato, principalmente no tema gay/lésbica/transgênero (associado a questão "cada um é cada um"). 

A preocupação com a desigualdade social também aparece, mas, principalmente, limitado ao campo das mídias sociais ou intercâmbios caros pra cuidar de crianças sírias na Alemanha, claro, aprendendo alemão junto e conhecendo jovens do mundo inteiro. 

A realidade e o clichê não se recobrem totalmente. 

Segundo a pesquisa de Twenge, nunca houve jovens tão infelizes na face da Terra. Consumidores de ansiolíticos em larga escala, a iGen busca "safe spaces" nas instituições de ensino a fim de não sofrerem com "frases" que causem desconforto emocional. Se são cuidadosos com os riscos físicos, esse mesmo cuidado no âmbito emocional indica a quase total incapacidade de lidar com a realidade. 

Percebe-se facilmente que os jovens, "cozidos" no discurso psi da "vulnerabilidade", vão se tornando mais medrosos. Inseguros, morrem de medo de qualquer ideia que coloque em xeque seus "direitos à felicidade". 

O mundo não ajuda. Ainda mais com essa gente que mente por aí dizendo que o capitalismo está ficando consciente ou espiritual. Eles sabem muito bem que o mundo deles será pior: mais incerto, mais violento, mais competitivo. A agonia com o futuro é crescente. 

Se esses jovens desconfiam do mundo, têm razão em fazê-lo. Muitos pais e professores optaram por um discurso infantil, muitas vezes querendo "aprender" com os mais jovens -quando deviam apenas pedir ajuda com o iPhone. 

Fazem menos sexo, ao contrário do que o blá-blá-blá da liberação sexual diz até hoje. Têm medo de contato físico e veem em tudo a ameaça de assédio sexual. A simples demonstração de desejo é assédio.

Pensar em ter filhos, jamais! Filhos, como eles, custam caro, duram muito e nunca querem virar adultos. Melhor cachorros e gatos. 
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* Filósofo, escritor e ensaísta, pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv, discute temas como comportamento, religião, ciência.
Fonte:  http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2017/11/1934981-igen-jovens-em-agonia.shtml?loggedpaywall

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