Luiz Felipe Ponde*
O conceito de geração, criação bem sucedida do marketing americano desde
os chamados baby boomers, ganhou "credencial" científica.
A pesquisadora americana Jean Twenge, em seu último livro "iGen, Why
Today's Super-Connected Kids Are Growing Up Less Rebellious, More
Tolerant, Less Happy -and Completely Unprepared for Adulthood" (Geração
i, por que os jovens de hoje, superconectados, estão crescendo menos
rebeldes, mais tolerantes, menos felizes -e completamente despreparados
para idade adulta), lançado pela Atria Books, constrói, a partir de um
arsenal de pesquisas, um perfil dos jovens nascidos entre 1995 e 2012.
O universo é o americano, mas, podemos aplicá-la com razoável segurança aos jovens brasileiros das classes A e B.
Vale esclarecer que "i" (internet) aqui se refere ao "i" do iPhone,
logo, a autora está dizendo que esses jovens vivem com um iPhone nas
mãos. E também "i" para "individualismo", traço marcante da iGen.
Trabalho com jovens entre 18 e 20 há 22 anos. E posso perceber enormes
semelhanças entre o que ela descreve e o que vejo no dia a dia, não só
em sala de aula mas também graças ao contato alargado com jovens via
mídias sociais.
Muitas dessas características são quase universais, devido à ampla rede
de comunicação e distribuição de bens criada pelas mesmas mídias
sociais.
Escolas e famílias, muitas vezes, são parte do problema, e não da
solução. Ambas se atolam em modas de comportamento e iludem a si mesmas e
aos jovens por conta, seja do marketing das escolas, seja das projeções
vaidosas dos pais sobre seus filhos. O marketing das escolas é
desenhado a partir dessas mesmas projeções vaidosas dos pais em relação
aos seus filhos, ou seja, clientes das escolas.
Algumas dessas projeções são: os jovens de hoje são mais evoluídos
afetivamente, são mais preocupados com temas sociais, mais tolerantes
com o diferente, mais seguros com relação ao que querem, menos
submetidos à moral "imposta" pela sociedade, mais sensíveis a
desigualdade social, mais conscientes de uma alimentação equilibrada e,
no caso das meninas, mais autônomas, independentes e donas do seu corpo.
Algumas dessas projeções não são, necessariamente, falsas.
O discurso da tolerância entre os jovens aumentou de fato,
principalmente no tema gay/lésbica/transgênero (associado a questão
"cada um é cada um").
A preocupação com a desigualdade social também aparece, mas,
principalmente, limitado ao campo das mídias sociais ou intercâmbios
caros pra cuidar de crianças sírias na Alemanha, claro, aprendendo
alemão junto e conhecendo jovens do mundo inteiro.
A realidade e o clichê não se recobrem totalmente.
Segundo a pesquisa de Twenge, nunca houve jovens tão infelizes na face
da Terra. Consumidores de ansiolíticos em larga escala, a iGen busca
"safe spaces" nas instituições de ensino a fim de não sofrerem com
"frases" que causem desconforto emocional. Se são cuidadosos com os
riscos físicos, esse mesmo cuidado no âmbito emocional indica a quase
total incapacidade de lidar com a realidade.
Percebe-se facilmente que os jovens, "cozidos" no discurso psi da
"vulnerabilidade", vão se tornando mais medrosos. Inseguros, morrem de
medo de qualquer ideia que coloque em xeque seus "direitos à
felicidade".
O mundo não ajuda. Ainda mais com essa gente que mente por aí dizendo
que o capitalismo está ficando consciente ou espiritual. Eles sabem
muito bem que o mundo deles será pior: mais incerto, mais violento, mais
competitivo. A agonia com o futuro é crescente.
Se esses jovens desconfiam do mundo, têm razão em fazê-lo. Muitos pais e
professores optaram por um discurso infantil, muitas vezes querendo
"aprender" com os mais jovens -quando deviam apenas pedir ajuda com o
iPhone.
Fazem menos sexo, ao contrário do que o blá-blá-blá da liberação sexual
diz até hoje. Têm medo de contato físico e veem em tudo a ameaça de
assédio sexual. A simples demonstração de desejo é assédio.
Pensar em ter filhos, jamais! Filhos, como eles, custam caro, duram muito e nunca querem virar adultos. Melhor cachorros e gatos.
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* Filósofo, escritor e ensaísta, pós-doutorado em epistemologia pela
Universidade de Tel Aviv, discute temas como comportamento, religião,
ciência.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2017/11/1934981-igen-jovens-em-agonia.shtml?loggedpaywall
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