(Simon Dawson/Bloomberg/Getty Images)
Presidente do JP Morgan Chase, Jamie Dimon diz que cidadãos estão certos em não aceitar que dinheiro público seja usado para cobrir quebra de instituições
Nascido em Nova York, filho
de uma família de imigrantes gregos, Jamie Dimon estudou psicologia e
economia, antes de seguir os passos do pai, um ex-executivo da American
Express, no setor financeiro. Fez MBA na Harvard Business School e
iniciou a carreira profissional em Wall Street. Primeiro na American
Express e depois em alguns dos principais bancos americanos, até assumir
o comando do JP Morgan Chase, em 2005. O banco é hoje o maior dos
Estados Unidos e o sexto maior do mundo, com 2,5 trilhões de dólares em
ativos. A instituição financeira alcançou o topo depois de ter sido uma
das menos atingidas pela crise de 2008. Com sua obsessão pela
administração de riscos, ele foi apontado como o grande responsável pela
solidez do banco durante o crash dos mercados. Casado com uma colega de
Harvard, Dimon, 61, tem três filhas. Na próxima semana, o executivo
estará no Brasil, para reuniões com clientes do banco. Antes da viagem,
aceitou responder a VEJA, por e-mail, as seguintes questões.
Uma
década após a crise financeira mais severa em oitenta anos, a economia
mundial avança novamente com mais desenvoltura. Quais as perspectivas
para o próximo ano? Todas as principais economias
mundiais, incluindo os mercados emergentes, estão de fato crescendo,
algo que não acontecia fazia uma década. Nos Estados Unidos, um ritmo de
3% parece ser sustentável, desde que haja progresso nas reformas
tributárias e regulatórias. Com relação ao Brasil, esperamos um
crescimento de 2,3% em 2018, mas também desde que algumas reformas
prosperem. Os bancos centrais começaram a reverter as políticas de
expansão monetária, mas isso só poderá ser feito com um ambiente
econômico saudável.
Com os juros historicamente baixos, as bolsas
batem recordes em vários países. Muitos analistas acreditam que existe o
risco de bolhas especulativas estourarem. É algo que ameaça a retomada
mundial? Os mercados sobem e descem. Não estou
particularmente preocupado no momento com eventuais bolhas. A economia
americana está robusta, as empresas dispõem de capital e a qualidade do
crédito é excelente. A normalização nas taxas de juros é algo amplamente
previsto, então não deve pegar ninguém de surpresa nos mercados.
Muitos apontam um eventual conflito na Coreia do Norte como uma ameaça para a economia mundial. É algo a temer? Não
vou menosprezar as consequências de conflitos e outros riscos
geopolíticos, mas essas são ameaças sempre presentes. A verdade é que,
historicamente, a maior parte dos conflitos geopolíticos não trouxe
impactos significativos para a economia.
Na crise financeira de 2008 e 2009, houve uma
revolta da opinião pública contra os bancos — sobretudo pelo fato de boa
parte deles ter sido salva com dinheiro público. Como evoluiu a questão
da regulação financeira desde então? Os cidadãos têm todo o
direito de exigir que, se um grande banco entrar em colapso, os
contribuintes não paguem por isso e também que a falência não atinja a
economia indevidamente. Do meu ponto de vista, essas demandas foram
contempladas com as reformas feitas nos últimos anos.
Por quê? O sistema financeiro é mais seguro
atualmente, por causa das exigências mais elevadas de capital e
liquidez, há mais transparência nas operações, a fiscalização foi
aprimorada. Diminuiu o risco de falência de um grande banco, e, se isso
vier a ocorrer, não causará um efeito dominó sobre outros bancos e toda a
economia, como foi o caso em 2008. Agora as instituições financeiras
possuem também um interesse intrínseco na segurança do sistema, porque,
se houver alguma falha, todos os bancos terão de desembolsar dinheiro
para financiar o prejuízo. Foi criado um fundo para cobrir eventuais
falências ou perdas de capital. Não podemos nos esquecer de que, para
qualquer economia ser bem-sucedida, é essencial a existência de um setor
financeiro saudável.
Há um sentimento de profundo descontentamento
daqueles indivíduos chamados de “perdedores” em decorrência da
globalização e do florescimento das novas tecnologias. Regiões inteiras
nos Estados Unidos entraram em decadência social. Qual sua avaliação? Muitas
pessoas e comunidades inteiras, não apenas nos Estados Unidos,
enfrentam desafios expressivos e por vezes dolorosos. Ao mesmo tempo, é
importante reconhecer que o mundo, como um todo, nunca esteve tão bem. A
expectativa de vida aumentou, há menos guerras, temos um maior número
de nações democráticas. A riqueza disponível nunca foi tão grande. O
desenvolvimento, contudo, não é distribuído de maneira equânime. Na
sociedade americana, pesquisas revelaram que ficou mais difícil atingir
cargos no topo dos rendimentos de uma companhia. A probabilidade de uma
pessoa ascender a uma posição entre os salários mais elevados, depois de
ter iniciado a carreira em um cargo de renda mediana, diminuiu 20%
desde os anos 1980. Existe um sentimento de frustração devido à falta de
oportunidades e à queda na renda — e essas pessoas estão cobertas de
razão. A frustração leva ao desencanto com o livre-comércio, com a
globalização e até mesmo com o setor privado.
O que pode ser feito? Para reverter
essa situação, precisamos de um esforço coletivo: as empresas, as
escolas e os governos têm de trabalhar melhor. Precisamos de soluções
inspiradas nas melhores práticas. As empresas devem atuar ao lado das
faculdades e das escolas no sentido de preparar as pessoas para bons
empregos, com um salário decente. Mantemos parcerias com algumas
instituições de ensino, como é o caso do Senai, no Brasil. Nesse
programa, formaram-se 170 jovens na áreas de tecnologia e praticamente
todos estão empregados. Uma nova turma acaba de iniciar as aulas.
Repercutiram bastante as suas declarações de
que o bitcoin seria uma “fraude”. O senhor considera que as
criptomoedas, as moedas virtuais como o bitcoin, representam uma ameaça
para o sistema financeiro? Criptomoedas que não sejam
reguladas por um governo ou por um banco central não podem sobreviver no
mundo regulado. Não estou dizendo que não haja futuro para essas
moedas; estou dizendo que o dinheiro precisa ser regulado. Isso posto,
acredito que a tecnologia subjacente dessas moedas, o blockchain (a plataforma digital de transações),
seja uma boa tecnologia. Espero que os bancos possam concretizar
parcerias para fazer com que as transferências internacionais de
recursos sejam mais rápidas e seguras, e que tenham menos custos.
Atualmente, essas operações podem levar semanas, porque existe uma série
de checagens de informações, como nomes e endereços. Com o blockchain, o sistema pode realizar a checagem de informações e corrigir erros em questão de segundos. O blockchain também pode ser usado para operações de empréstimos, que, atualmente, são realizadas por meio de processos lentos, detalhados.
Como o setor financeiro tem se adaptado às novas tecnologias, como a inteligência artificial?
Vivemos, sem dúvida, uma época de grandes transformações para todos, e
os bancos não são exceção. Estamos apenas começando a tirar proveito das
possibilidades desses recursos. O uso da inteligência artificial pura
ainda levará algum tempo para se tornar uma realidade em nossas
atividades, mas os recursos de big data já são algo comum em nosso dia a
dia. As ferramentas de machine learning (aprendizado automático pelas máquinas)
oferecem possibilidades na detecção de fraudes e outras questões de
segurança, por exemplo. Nossa plataforma é capaz de analisar 12 000 contratos em poucos segundos, um trabalho que antes demandava até 360 000
horas. No ano passado, lançamos uma ferramenta capaz de analisar as
condições do mercado, os dados históricos e a situação financeira dos
clientes.
As novas empresas de tecnologia transformaram o
turismo, o entretenimento, o transporte, o comércio. As startups
tecnológicas representam uma ameaça para os bancos tradicionais? Vejo a tecnologia como oportunidade, não como ameaça. Nosso orçamento anual para essa área
é de 9,5 bilhões de dólares. No último ano, investimos 3 bilhões de
dólares apenas em novas iniciativas, o que incluiu parcerias com fintechs (startups da área financeira).
Nossa intenção é sempre aprimorar a experiência dos clientes. Processos
que atualmente levam semanas poderão ocorrer em minutos. Outro ponto
essencial é a segurança contra ataques cibernéticos. No nosso sistema de
pagamentos, temos 23 milhões de clientes.
O Brasil foi considerado, até recentemente, um dos países
mais promissores do mundo emergente, mas caiu na mais prolongada
recessão de sua história. Como recolocar a economia nos trilhos? Acredito
que o pior tenha ficado para trás. O governo vem promovendo uma agenda
ambiciosa, incluindo reformas favoráveis aos empreendedores, como a
trabalhista. Essas iniciativas, aliadas a um sistema jurídico e político
estável, uma diversidade de empresas bem administradas, boas
universidades, vizinhos pacíficos e uma enorme riqueza natural, são
todas elas fatores que oferecem perspectivas muito positivas para o
futuro. O Congresso deveria seguir adiante com a agenda de ajustes
favoráveis ao crescimento e, assim, ampliar o papel do Brasil tanto na
América Latina como no mundo. Reformas são essenciais para tornar o país
mais atraente ao capital estrangeiro. Estamos otimistas com relação às
oportunidades de longo prazo.
Richard Thaler, pesquisador da economia
comportamental, ganhou recentemente o Nobel. Foi uma lembrança de que as
pessoas e os mercados nem sempre funcionam de maneira racional. Como
levar isso em consideração na administração de um grande banco e
proteger das intempéries o dinheiro dos clientes? Como
todos sabem, os mercados não são sempre racionais. Por isso executamos
centenas de testes de situações de stress a cada semana e, além disso,
mantemos um balanço financeiro robusto. Em algum momento no futuro,
haverá uma nova crise. Não sabemos quando ou como, então o melhor a ser
feito é administrar a companhia de forma responsável, disciplinada no
que diz respeito à exposição a riscos. Dessa maneira, quando uma crise
vier, nossos clientes poderão nos ver como um parceiro que não se escusa
no pior dos momentos.
----------------
Publicado em VEJA de 15 de novembro de 2017, edição nº 2556
Fonte: http://veja.abril.com.br/revista-veja/o-tita-de-wall-street/
Nenhum comentário:
Postar um comentário