terça-feira, 21 de novembro de 2017

Os riscos de 2018

Delfim Netto*

Congresso Nacional
Se continuarmos a namorar a utopia “populista”, estaremos nos preparando para mais uma década perdida 
 
Desde a sua origem, o estudo da economia teve por objeto tentar entender como funciona o mundo e encontrar meios para torná-lo mais eficiente na satisfação das necessidades materiais da sociedade. Trata-se de encontrar uma organização econômica, porosamente ligada a toda atividade social, que satisfaça pelo menos duas condições: 1. Permita ampla liberdade individual. 2. Proporcione crescente igualdade de oportunidade sem restrição de qualquer natureza (local do nascimento, étnica, religiosa etc.).

A produção “eficiente” de bens e serviços por um grupo de empreendedores é um problema técnico, mas a alocação do produzido entre os fatores que a geraram – trabalhador + empreendedor que detém o capital – é um problema largamente decidido por quem tem o poder político. A produção “eficiente” e a sua distribuição “sentida” como relativamente “justa” são ingredientes fundamentais inseparáveis na construção da sociedade civilizada.

É o direito de propriedade sustentado pelo Estado, que garante a coordenação entre os bens e serviços desejados pela sociedade (a demanda) e o que uma parte dela, os capitalistas-empreendedores, que vão atender (a oferta) seguindo os sinais estabelecidos pelos preços nos mercados, uma instituição espontânea nascida das relações sociais. Eles foram sendo sofisticados pelo próprio conhecimento de como funciona a economia em resposta aos estímulos que recebem seus agentes.

A efetividade do processo depende do poder de um Estado forte constitucionalmente contido, capaz de regular o funcionamento dos “mercados”, particularmente o financeiro. Esse é um ponto muito importante para entender as visões ideológicas que dividem a sociedade. Desde o início do século XIX, os fatos exigiram uma organização dos trabalhadores através de sindicatos, de partidos políticos e do sufrágio universal (o eleitor é qualquer cidadão, não apenas os que detêm renda ou patrimônio).
Para quê? Para estabelecer a “paridade” de poder entre o “trabalho” e o “capital” numa dimensão que transcende os “mercados”. Nestes, o “capitalista” tem tantos votos quanto o capital que acumu­lou. Na urna – no sufrágio universal, parte essencial do regime democrático –, todos têm apenas um voto, o que entrega o poder político à maioria dos que não empreendem e não possuem capital.

Por que, então, a “maioria” não destruiu o poder do capitalista-empreendedor? Porque nas sociedades mais bem-sucedidas no caminho civilizatório constatou-se, empiricamente, que a despeito das diferenças desagradáveis construídas pelo “capitalismo” (um aumento da desigualdade), ele pode ser utilizado num jogo que beneficia os dois lados (um “ganha-ganha”), capaz de encontrar para a maioria uma distribuição aceitável do produzido e deixar nas mãos do empreendedor-capitalista os recursos para gerar o crescimento econômico, a condição necessária, ainda que não suficiente, para a construção da sociedade civilizada. Até agora, não se encontrou melhor alternativa.

A confirmação desse fato são as experiências malsucedidas que chegaram ao poder para produzir liberdade, igualdade e eficiência e terminaram no mais absoluto autoritarismo na tentativa de construir o “homem novo”. Os fracassos verificaram-se desde as pequenas experiências do socialismo “utópico” que povoaram o século XIX, até a que nasceu em 1917 sob o entusiasmo da intelectualidade mundial e terminou tragicamente, depois de ter “educado” vários milhões de “homens renitentes”...

Isso é uma lição para o Brasil, um país que empobreceu nos últimos 30 anos com relação à economia mundial e ainda mais com relação aos outros emergentes, mas não é um fracasso. Já viveu todas as experiências políticas: foi colônia, império, ditadura, e agora somos uma democracia, um Estado de direitos sem adjetivos.

Hoje sabemos que, com todos os seus problemas, o sistema democrático é o único que permite a correção de rumos pela substituição pacífica do poder incumbente através de eleição livre em tempo certo. Pois bem, se não levarmos a sério a eleição de 2018 e continuarmos a namorar a utopia “populista”, estaremos nos preparando para mais uma década perdida...
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 * Formado pela USP, é professor de Economia, foi ministro e deputado federal.
Fonte:  https://www.cartacapital.com.br/revista/978/os-riscos-de-2018 21/11/2017
 Foto: Leonardo Sá/Agência Senado
 

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