sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Timothy Morton: "É urgente mudar a nossa relação com outros seres do Universo, sejam animais, vegetais ou minerais"


Timothy Morton
 Timothy Morton Turrell Skarnulyte

Filósofo do Antropoceno, colaborador de Björk, o inglês Timothy Morton defende, ante a crise ambiental, que é urgente abandonar a visão antropocêntrica e abraçar um novo paradigma em que todos os seres do Universo, humanos e não humanos, coexistam. Esta sexta vai estar no Fórum do Futuro no Porto.

É necessário repensar as nossas ideias sobre o que significa existir, o que é a Terra ou a sociedade, a partir das questões ecológicas que enfrentamos. É este o desafio, gigante, mas essencial, do britânico Timothy Morton (Londres, 1968), figura inquieta e complexa, um dos filósofos mais influentes da actualidade, que vai estar esta sexta-feira no grande auditório do Rivoli, no contexto do Fórum do Futuro no Porto, para reflectir sobre o destino do planeta com o artista e realizador Ben Rivers.
Nos últimos tempos a sua ascensão mediática é fulgurante. Professor na Universidade Rice de Boston, publicou 14 livros e o seu trabalho tem influenciado figuras como a islandesa Björk ou os artistas Haim Steinbach, Philippe Parreno e Olafur Eliasson, com os quais tem vindo a colaborar. Não é porque as suas ideias sejam de fácil assimilação. São até intrincadas e controversas, mas têm beneficiado de uma maior compreensão devido aos problemas do planeta e à necessidade de os discutir. Talvez por isso aquilo que há pouco tempo parecia confinado aos circuitos académicos tem tido cada vez mais impacto fora deles, disseminando-se por vários quadrantes.

“Hoje quase tudo o que fazemos é uma questão ambiental. Isso não era verdade há algumas décadas, ou pelo menos não havia essa percepção”, diz-nos Morton. “Os seres humanos tornaram-se uma força geofísica à escala planetária e isso tem consequências. Mas é apenas quando nos deparamos com as nossas acções sobre o planeta que percebemos o quanto realmente fazemos parte dele. Por isso, perante a crise ambiental, é urgente abandonar a visão antropocêntrica que ainda vai subsistindo.”

O que tem vindo ele a dizer? No seu livro mais citado (Ecology without Nature, 2007), questiona a noção de “natureza” e a divisão que diz ser errónea entre humanidade e natureza, propondo um novo olhar ecológico. Diz que temos de mudar a perspectiva antropocêntrica. Os seres humanos não são a medida de todas as coisas. É preciso reavaliar o papel da humanidade e o seu impacto no planeta. Refere que uma característica distintiva do mundo actual é a presença daquilo que denomina como “hiperobjectos” (aquecimento global, biosfera, buracos negros), algo que excede, em escala e no tempo, a apreensão humana. No seu último livro, Humankind (2017), expõe que seres e entidades não humanas são tão importantes, e reais, como nós, argumentando que por isso são merecedoras de solidariedade. “É urgente mudar a relação com outros seres do Universo, sejam animais, vegetais ou minerais”, afirma.

Esteve ligado ao movimento filosófico Ontologia Orientada para Objectos (OOO) que propõe outra relação com o mundo, os objectos e as hierarquias. O ser humano deixa de ser o centro do Universo e não se posiciona acima de outros seres. No fim de contas postula que todas as entidades são interdependentes, de objectos a animais, de plantas a minerais. “Temos de abandonar essa crença de que ainda controlamos o planeta. O desastre ecológico não é iminente. Ele já aconteceu”, afirma provocatoriamente ou não. A esse fenómeno chama-lhe “ecologia negra”.

Teorias que, convenhamos, transformam a percepção do que significa existir neste planeta. “Bem, sim, podem mudar profundamente as coisas”, declara. “Tendemos a ser menos violentos em relação aos seres sobre os quais possuímos qualquer tipo de consciência. E isso reduz o antropocentrismo que tanto tem perturbado as questões ecológicas. Dito isto, essa consciência não é uma espécie de prémio que nos faça sentir muito evoluídos. Ou pondo a questão de outra forma: seja qual for o tipo de consciência que exista, a sensação que fica é que ela está fora de prazo.”

As suas teorias podem parecer exóticas, mas estão em sintonia com a noção de que estamos a entrar numa nova fase da História do planeta (aquilo a que Morton e outros chamam Antropoceno), depois de 12 mil anos na época geológica Holoceno, conhecida pelo clima temperado e estável. Por detrás do Antropoceno está a concepção desse momento na História do planeta em que a influência humana é predominante. Hoje os seres humanos serão a principal causa da transformação da Terra.

Começamos a alterar a Terra de uma forma tão drástica que, de acordo com muitos cientistas, uma nova era, mais volátil, está a emergir na forma de clima extremo, falta de recursos ou espécies em extinção. As provas desse impacto humano preponderante (em termos geológicos) já estão aí na forma de camadas, incluindo os plásticos fossilizados e as camadas tanto de carbono como das partículas radioactivas. Neste quadro, o Antropoceno tornou-se uma ferramenta útil para colocar a actividade humana na perspectiva do tempo geológico longo, sendo ao mesmo tempo um momento de tomada de consciência para a humanidade.

Não só nos deparamos com a destruição ecológica ou o aquecimento global, como sabemos a todo o momento que estamos a fazê-lo. Morton acredita que isto constituiu uma revolução na compreensão do nosso lugar no Universo. “Vivemos com uma precisão moral que antes não existia”, afirma, recorrendo a um exemplo inscrito na obra Dark Ecology: For a Logic of Future Coexistence (2016): “Quando ligamos a ignição do carro, não estamos a pensar que vamos prejudicar a Terra, quanto mais contribuir para causar a sexta extinção em massa nos 4500 milhões de anos da História da vida neste planeta, mas é isso que acontece, se multiplicarmos esse acto individual pelos milhões e biliões de vezes em que isso é feito colectivamente pela espécie humana ao longo do tempo.”
Nos últimos anos muitos ambientalistas têm vindo a alertar-nos para cataclismos ambientais. Morton é mais iconoclasta. Para ele a catástrofe já aconteceu. “Durante gerações pensávamos que estávamos simplesmente a manipular ou a controlar outros seres num vazio a que chamamos ‘meio ambiente’, mas essa ideia de que a ‘natureza’ está separada de nós tem sido posta em causa. Está tudo interligado. Sempre esteve. Até as coisas que julgamos estar a deitar fora – mas a deitar fora para onde, se do planeta Terra não saem? – exigem a nossa solidariedade.” É isso. Mesmo aquilo que consideramos lixo, garrafas de plástico, ar poluído ou excrementos não desaparece. Quando muito vai apenas para outro sítio. "Estamos todos, humanos e não humanos, por assim dizer, imersos na mesma realidade simbiótica.” Está tudo interligado. A solução é a coexistência ecológica.

Num dos seus livros mais conhecidos (Hyperobjects: Philosophy and Ecology after the End of the World, 2013) discorre sobre o facto de a ciência apenas sublinhar o quão estamos apanhados “na malha” juntamente com outros seres, como os micróbios que constituem cerca de metade das células do nosso corpo. “Um hiperobjecto é qualquer entidade que é tão maciçamente distribuída no tempo e no espaço, existindo em tantas escalas temporais e espaciais ao mesmo tempo, que é praticamente impossível compreender tudo de uma só vez”, afirma ele, tentando dar exemplos.

“Nós, seres humanos, necessitamos de dispositivos prostéticos muito poderosos, como os computadores mais rápidos da Terra, para obter, por exemplo, a sensação de aquecimento global. Ou imagine todos os copos de poliestireno na Terra – todos os que foram ou serão produzidos. Nem todos estão a ser usados agora! Alguns estão em aterros sanitários, outros flutuando no oceano ou à espera num armazém. Em parte, a consciência ecológica significa estar ciente de que não estamos apenas perto desses objectos. De alguma forma somos parte deles.”

Na sua desmesura, essas entidades, os hiperobjectos, alertam-nos para os limites da ciência e em consequência do domínio humano. O que talvez signifique mudar de paradigma: de um em que predomina a exploração através da ciência para outro que Morton denomina como “solidariedade através da ignorância”. “Se falharmos nisso, iremos continuar a causar destruição, a ameaçar formas de vida que prezamos e até a colocar em causa a nossa existência, porque dependemos dessa coexistência.” Em contraste com as fantasias de que iremos ser salvos pela tecnologia, o Antropoceno postula que não podemos superar limitações ou a dependência face a outros seres.

Ao mesmo tempo só agora parecemos tomar consciência da magnitude e da continuidade das mudanças que enfrentamos. Isso não significa que estejamos condenados a aceitá-las passivamente, diz-nos Morton: “Não existe nada que possamos fazer em relação ao passado, é certo. Da mesma forma que me parece imperativo aceitar o Antropoceno como algo real. Os humanos transformaram-se numa força geofísica à escala planetária. Mas aceitar isso não significa que tenhamos de nos colocar na posição fetal e escondermo-nos. Grande parte da crise ecológica em que estamos imersos tem que ver com a nossa forma de pensar e isso pode mudar.

Como é normal algumas das ideias que defende têm sido alvo de críticas. Uns acusam-no de não compreender a ciência contemporânea. Outros de propor ligações demasiado ambiciosas. Também existe quem o acuse de, principalmente à esquerda, não ter em atenção que a espoliação na Terra não dever ser atribuída à humanidade em geral, mas sim ao capitalismo (predominantemente branco, ocidental e masculino), algo que parece contestar, e ao mesmo tempo transcender, na sua última obra.   
Também existem correntes ambientalistas que o contestam. A sua visão da “natureza” é tudo menos harmónica. E não existe qualquer espécie de paternalismo no seu pensamento. Proclama que é urgente colocarmo-nos ao lado de animais ou minerais, ou que temos de repensar a forma como olhamos para a ecologia, mas não o diz como opção. É porque essa é, na sua visão, a única forma de todos podermos sobreviver.

Ainda assim considera-se um optimista. Quando lhe perguntamos de onde lhe advém essa faceta, discorre sobre algumas das suas inspirações como a arte, a música, a meditação, o budismo, a física, a biologia e a ecologia e “o fio que corre através disso tudo, contemplar, ouvir, tentar compreender”. E conclui: “O meu optimismo advém daí, desse trabalho de afinar e estar aberto ao mundo. Às vezes surpreendo-me com o que penso ou digo e isso acontece porque acredito mesmo que nos podemos surpreender.” 
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Reportagem por 

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