Lya Luft*
É uma das esquisitices do nosso tempo que na época em que mais tempo
vivemos haja tanta dificuldade em relação ao que se convencionou chamar
velhice. Palavras significam emoções e conceitos, portanto também
preconceitos. Por isso, quero falar de minha implicância com a
implicância que temos com os vocábulos - e a realidade - velho, velhice.
E, como gosto de historinhas, algumas, como esta, reais, lembro
um episódio com Tônia Carrero, ainda uma linda mulher aos oitenta anos,
na casa de minha comadre Mafalda Verissimo. De repente, alguém lhe
perguntou: "Tônia, chegando aos oitenta, como você lida com a velhice?".
Nós todos gelamos, mas ela, em pé no meio da sala, possivelmente com um
cálice de champanhe na mão, respondeu sem hesitar: "Ora, eu acho ótimo.
Porque a alternativa seria a morte".
A presença de Tônia era
sempre uma festa naqueles tempos. E nós, eu então com mal uns cinquenta,
achei maravilhosa aquela presença de espírito, e aquele pensamento.
Naturalmente, nem ela, nem ninguém gostaria de envelhecer com as
doenças, perdas e fragilidades que tantas vezes nos acompanham quando o
número de anos cresce assustadoramente. Mas que, pelo menos, não sejamos
velhos chatos e sombrios, eternamente reclamando de tudo e de todos.
Quando não pudermos mais realizar negócios, viajar a países distantes
ou dar caminhadas, poderemos ainda exercer afetos, agregar pessoas, ler
bons livros, observar a humanidade que nos cerca, eventualmente lhe dar
abrigo e colo. Para isso, não é necessário ser jovem, belo (significando
carnes firmes e pele de seda...) ou ágil, mas ainda lúcido. Ter
adquirido uma relativa sabedoria e um sensato otimismo - coisas que
podem melhorar. A mim, o que me aborrece é o preconceito evidente com
que cercamos velho, velhice, como se fossem uma enfermidade, um incômodo
para os outros, a demência inevitável, a chateação: "Ah, tenho de ligar
para a mamãe, poxa, tenho de visitar o velho".
Isso não é
apenas grosseria, mas grave pobreza emocional. Viver deveria ser poder
celebrar sempre mais um dia: o nosso, e dos que amamos. E, em momentos
de dor indizível, redobrar sem espalhafato, com delicadeza, o amor de
que somos capazes.
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* Escritora. Tradutora. Colunista da ZH
Fonte: http://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=4191992c18a06a78886b230886197d9b 25/11/2017
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