Por Heribaldo Maia
Esse texto não busca o rigor
acadêmico-científico. Se trata de reflexões que dialogam com a ideia de
“fim da história” de Francis Fukuyama. Nesse sentido, o mais importante
não é o caráter afirmativo do texto, esse é, na verdade, o mais
irrelevante do elementos. É seu
propósito provocativo que deve ser levado em conta – e provocativo no
sentido mais aberto possível. Todas as ideias são apenas um ponto de
partida para incitar o debate que, apesar de aparentar superado,
acredito que não esteja, e a ideia de que não há mais possibilidades no
horizonte político é incultida pelas forças do capital.
O fim do século XX trouxe à tona um
grande debate sobre o fim da história – teoria do filosofo Francis
Fukuyama – e de uma sociedade pós-ideológica, onde não se teria mais
espaços para o discurso ideológico nem âmbito político nem referente a
políticas econômicas. Isso porque a humanidade já teria chegado ao ápice
da organização societária: na esfera política a democracia liberal e na
esfera econômica o capitalismo liberal.
Porém ao voltarmos um pouco no tempo e
observarmos o mundo do século XX, em especial o período da guerra fria
(1945-1991), o que vemos é o oposto dos dias atuais: o movimento da
história estava a todo vapor impulsionado por uma grande disputa
ideológica que permeava debates e práticas políticas – um verdadeiro
ambiente de disputa em aberto e de devir histórico a ser construído “no
agora”. O fim da segunda guerra mundial em 1945 marca a história do
século XX sob dois aspectos fundamentais: a) a derrota militar e
política do nazismo e fascismo e b) a consolidação da URSS (União das
República Socialistas Soviéticas); criando assim uma nova geografia do
poder mundial, sob o desenho de uma dualidade entre: Estados Unidos da
América (EUA) e URSS.
Há uma importante afirmação de Thomas
Hobbes em seu Leviatã: “a guerra consiste não só na batalha, ou no ato
de lutar: mas num período de tempo em que a vontade de disputar pela
batalha é suficientemente conhecida”. Partindo do ponto de vista
hobbesiano, podemos dizer que o fim da segunda grande guerra mundial
marca o início do que Eric Hobsbawn chamou de “Terceira Guerra Mundial”
(na Era dos Extremos). Esse era o clima da Guerra Fria. Tal período que
vai de 1945-1991, evidenciou o acirramento definitivo de duas visões de
mundo antagônicas: de um lado o capitalismo (representado pelos EUA) e o
socialismo (representado pela URSS).
A guerra fria ficou marcada, dentre
outras coisas, pela dicotomia ideológica entre capitalismo e socialismo.
Gerações inteiras foram criadas na sombra de uma batalha ideológica – e
real, obviamente – sem precedentes na história. Ameaças de guerras
nucleares rondavam os noticiários do mundo, a propaganda foi usada por
ambos os lados para atacar, defender e cooptar novos aliados. Estados
Unidos e União Soviética travaram uma guerra “sem armas” nos mais
diversos campos possíveis: nos esportes, nas artes, nas ciências, no
desenvolvimento da tecnologia, no militarismo, etc.
Ao contrário do período da guerra fria, o
mundo atual aparenta não existir uma divisão dicotômica tão evidente,
pelo contrário, parece que a queda do Socialismo Real e a perda de
imantação teórica do marxismo levantaram uma “poeira ideológica” que
impede uma visão clara, criando uma confusão intelectual nos pensadores
contemporâneos – uma espécia de paranoia intelectual coletiva, que deu
origem a aberrações como a pós-modernidade. Essa “confusão” que marca os
tempos atuais é agravada quando se constata fatos como: ondas
fundamentalistas/conservadoras no Oriente Médio, crescimento do
nazifascismo no leste europeu, o fortalecimento de movimentos
separatistas e o aparente fim da luta de classes enquanto elemento
político central no debate político, e se colocando no lugar lutas por
reconhecimento.
Assim, o cenário atual é bastante
complexo – não que o século XX não o fosse. O debate político no século
XXI se diluiu em inúmeras pseudopossibilidades postas como “a última
novidade”: o neoliberalismo reinventado, ecocapitalismo, economia
solidária, novos hippies e suas comunidades, etc. Junto a essa aparente
pulverização da política temos também a mudança de foco da
intelectualidade que: tirou da centralidade das reflexões teórticas as
questões político-econômicas e deslocou para questões culturais e
subjetivas, colocando o homem não mais inserido em uma estrutura de
classes, mas como seres individuais em disputas de afirmações
“identitárias” do ser, mesmo que o próprio conceito de identidade como
posto na modernidade seja colocado em cheque (mas esse ponto requer
outro debate).
…
O fim do Socialismo real trouxe uma falsa
impressão de que o esquema de democracia liberal capitaneado pelo
capitalismo havia vencido. O fim da Guerra Fria e a temporária vitória
capitalista fez com que Francis Fukuyama dissesse que “os seres humanos
haviam alcançado o ápice da organização social e política”. Porém essa
sensação de que o mundo e os homens haviam chegado ao máximo das formas
organizativas de sociedade durou pouco tempo. O mundo “pós-ideológico”,
como aponta alguns, se revelou um cenário perigoso, já que essa
“ausência ideológica” deixa um buraco a ser preenchido e com isso a
situação mundial fica totalmente aberta, e tal abertura é como, segundo
Mauro Iasi, “um copo vazio pronto para ser preenchido”. Mas preenchido
pelo que? Essa pergunta é, do ponto de vista intelectual, uma das
grandes questões do tempo atual. Existe hoje uma avalanche de ideias e
práticas prontas para preencher esse “copo pós-ideológicos”. Outra
observação é tirada de Slavoj Zizek, o esloveno afirma que quanto mais
nos afirmamos afastados da ideologia, é exatamente nesse ponto que a
ideologia nos tomou por completo – um exemplo é o “Escola sem partido”.
O que fez uma pergunta de caráter
puramente político/ideológico/econômico vir à tona e, novamente, trazer o
foco para questões políticas? A resposta foi: o constante estado de
crise, que culmina em 2008. Crise essa que corrobora com a teoria de
“crise cíclicas do capitalismo” descrita por Karl Marx – o que também
recoloca o pensador alemão no cenário intelectual. Ao contrário da
falácia neoliberal de que as crises eram frutos de políticas sociais,
fazendo o Estado gastar mais do que deve, essa crise, como aponta Zizek,
teve sua gênese com a articulação de políticas pró-capitalistas de
caráter neoliberal promovidas pelo então presidente norte-americano
George W. Bush (o filho). A crise fez grandes empresas mundiais falirem e
pedirem ajudas financeiras, ironicamente, aos governos.
Governos desesperados com a derrocada
econômica e os desajustes políticos tomaram medidas, tipicamente
neoliberais guiados pela cartilha do FMI (Fundo Monetário Internacional)
e demais organizações para acalmar “o mercado” – entidade que ninguém
vê, mas que exige tanto de nós – na busca de reverter os efeitos da
crise para recolocar a economia nos trilhos. Enquanto o Estado salvava
os “haters do Estado”, os trabalhadores sentiram as primeiras mediadas:
vieram então demissões em massa, arrocho salarial, aumento nos impostos
para os mais pobres e exoneração fiscal para os investidores,
negociações forçadas das dívidas públicas e esfacelamento do que restou
de seguridade social. A pressão dos operadores capitalismo para que
países seguissem as regras foi enorme, porém a revolta popular que não
aceitou tais medidas ressurge com grande força, recolocando em pauta
questionamentos sobre o capitalismo. Para desespero de Fukuyama e dos
“agnósticos da new age”, como Zizek chama os pós-modernos, a história
não acabou.
O povo retornou as ruas, e de acordo com
Zizek a mensagem é clara: “eles não sabem o que querem, mas sabem o que
não querem” (no sugestivo livro: O ano em que sonhamos perigosamente) – e
eles não querem o capitalismo atual. As pessoas na Europa foram as ruas
contra as políticas econômicas aplicadas para conter a crise, mas
quando pessoas insatisfeitas se revoltam sem um claro direcionamento
ideológica o resultado pode ser o mais aberto e imprevisível possível –
mesmo que toda situação histórica seja imprevisível e aberta. Em
diversos países, e até na Alemanha,ressurge o nazifascismo; no Oriente
Médio o sionismo Israelense ganha força e apoio norte americano; o
fundamentalismo religioso muçulmano alimentado pela geopolítica do
petróleo expande e aterroriza as populações locais (recomendo o filme
“Timbuktu” do diretor ”Abdarrahmane Sissako”; já a América Latina
observa a ofensiva imperialista norte-americana; o Occupy Wall Street
colocou pessoas nas ruas do maior centro financeiro do mundo com a
seguinte mensagem: não aceitamos mais esse sistema como ele é. A
revolta, muitas vezes puramente reativa, ao modelo neoliberal gerou
soluções mais diversas: seja pela via de um retorno ao autoritarismo de
direita (o nazifascismo), mas também soluções difusas e sem objetivos
como o Occupy Wall Street ou a tentativa de se retornar a “um
capitalismo com face humana” através de um “reformismo fraco, mas
seguro” promovido pelo Podemos, Syriza e no Brasil o PT.
O século XXI nos trouxe uma realidade
muito complexa. A crise atual nos colocou numa situação em que o modelo
atual de políticas já não dá mais conta das demandas sociais, em
contrapartida ainda não existe uma alternativa posta como “o novo”,
mesmo o comunismo precisa ser recolocado em tal patamar, uma nova forma
de pensar e gerir essas demandas vindas da sociedade. Como bem colocou o
filósofo italiano Antonio Gramsci “os tempos de crise são tempos em que
o velho ainda não morreu e o novo ainda não nasceu”, portanto vivemos
em um tempo-transição, sabendo que não há problemas que não sejam
gestado com suas possibilidades de soluções, mesmo que tais soluções
ainda não sejam claras e visíveis – não esqueçamos das lições do velho
Marx, que apesar de tantas tentativas, se recusa a morrer.
…
“A história acabou” disse Francis
Fukuyama após a queda do socialismo real, mas não foi preciso que um
grupo de pensadores e intelectuais para refutar essa tese. Clio e suas
artimanhas tratou de mostrar que a história não acabou – pois ela não
acaba – pelo contrário, está viva e se movimentando diante dos olhos de
todos nós. O século XXI fez Fukuyama engolir cada palavra. Foram
inúmeros eventos históricos como a crise financeira de 2008, as questões
ambientais, a insurreição das minorias, o direito a cidade, o
questionamento aberto ao neoliberalismo, etc.
É difícil fazer um prognóstico para o
decorrer do século atual diante de um cenário de tantos impasses. Do
ponto de vista político é necessário considerar a emergência de novos
agentes sociais como mulheres, negros, LGBT’s, etc. Assim é necessário
levar a sério uma análise das chamadas “lutas por reconhecimento”.
Porém, a constatação de que novos sujeitos sociais ganham cada vez mais
protagonismo político não nos deve levar, como levou Axel Honneth, a dar
por eliminado a questão da “luta de classes”. É necessário,
primeiramente, interpretar o mundo, dar um passo atrás. Como diz Zizek, é
necessário não se levar por impulsos pseudo-ativistas e pensar o mundo
atual e suas demandas. Cabe aqui um detalhe: o fato de o momento exigir
mais da teoria que da práxis não significa o abandono da prática, pelo
contrário, serão as demandas práticas que guiaram as novas exigências
teóricas. Como Freud, que ao clinicar partia de suas concepções
teóricas, porém ao perceber as limitações práticas de sua teoria, as
adaptava, mudava, abandonava pressupostos, assimilava novas questões e,
de tal forma, superava sua antiga prática indo além. Retornando ao
argumento: o momento político requer pensar uma política do
reconhecimento, mas que tenha como elemento norteador a questão de
classe. Negros, mulheres, LGBT’s, minorias étnicas, etc., estão
inseridas na sociabilidade capitalista, que continua, em sua essência a
mesma: dividindo possuidores e despossuídos. É partindo de uma estrutura
classista que as pessoas buscam reconhecimento, ao menos enquanto
houver capitalismo – o que vai além da questão de classe-em-si e
classe-para-si. É importante que o horizonte revolucionário não saia do
escopo político, mesmo em uma teoria do reconhecimento, visto que
grandes conquistas de liberdade e segurança para o sujeito ser se deu
através do movimento socialista. Ao contrario de dar um diagnóstico a
cerca do problema, coloco aqui elementos que considero fundamental para
repensar uma teoria da ação política que não abandone as grandes
contribuições do marxismo e das experiências socialistas, já que
considero que esse abandono leva ao fim de qualquer perspectiva
emancipatória, caindo numa esquerda que se resume a fazer mímeses do
liberalismo.
O seguimento do século XXI será de um
acirramento das contradições impostas pelo sistema capitalista
neoliberal. Contradições que se refletem até mesmo no adoecimento
mental: visto os inúmeros casos de depressão. O sistema de democracia
liberal tem seus últimos dias de vida. Países como Bolívia, Venezuela e
Cuba tentam implantar modos de dar voz as pessoas, superando as
limitações da democracia liberal, o que também não significa que não
tenham problemas, apenas que seus problemas são qualitativamente
diferentes.
Portanto o século XXI será um tempo de
caótico, onde vários fatos provarão que a história não acabou, mas segue
seu rumo. Os acirramentos gerados pelo capitalismo e a luta refletirão
numa série de disputas no campo ideológico político, justamento campos
dados como secundários pelo pós-modernos. É provável, na verdade
necessário, que o pensamento marxista e a esquerda recuperem sua
vitalidade e força de cooptação até como resposta a essas incompletudes e
injustiças causadas pelo capitalismo. Porém não será a esquerda que
vimos tempos atrás, nem mais será uma esquerda que recairá em políticas
de reformismos fracos e seguros como o PT no Brasil, mas uma nova
esquerda renovada pelos próprios erros e que pela prática pense o mundo
superando sua ação política.
Gilles Deleuze tem uma frase
interessante, dizia o francês que “o século XX não trouxe soluções
erradas para os problemas, mas problemas errados”. Cabe a esquerda,
tomando como ponto de partida essa ideia de Deleuze, do século XXI não
ignorar e dar como dado os fatos passados, mas partindo desse histórico
tentar interpretar melhor o mundo atual e as conjunturas envolvidas, e
apartir de suas experiências tomadas como legado a ser assumido,
corrigir, através de sua ação política, a visão dos problemas postos na
atualidade. Aí sim, a solução surgirá da própria materialidade que
interage com a prática humana, cabendo aos homens sua emancipação.
*Heribaldo Maia é graduando em História pela UFPE e militante da união da juventude comunista.
Fonte: https://lavrapalavra.com/2017/11/07/sobre-mortos-que-insistem-em-nao-morrer-o-fantasma-da-historia-atormenta-o-capitalismo/#more-9568
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