Educação
Todos
os dias, o paulistano Rinaldo Luiz Cuco levanta-se antes de o sol
nascer e passa de três a quatro horas em frente ao computador estudando:
assiste a videoaulas, atualiza a leitura e participa de chats e fóruns
on-line. Por volta de 8 horas, sai de casa para trabalhar e às 12 horas
retorna para o almoço. Após a refeição, sai para a segunda jornada de
trabalho numa escola estadual de São Paulo, onde leciona história e
geografia aos alunos do segundo ciclo do ensino fundamental e do ensino
médio. “O tempo é escasso e a rotina cansativa, mas vale a pena”, conta o
professor, que no primeiro semestre de 2018 concluirá a licenciatura em
geografia num curso à distância. Cuco formou-se em estudos sociais em
1981 e, perto dos 60 anos, numa fase da vida em que as obrigações
familiares aliviaram, decidiu retomar os estudos a fim de se aperfeiçoar
no ofício que considera sua verdadeira vocação: ser professor. “O tempo
passa, e a gente acaba ficando para trás. Voltei a estudar para
atualizar o conteúdo de geografia.”
Cuco
faz parte de um grupo que não para de crescer no Brasil: os estudantes
que optam por fazer cursos à distância, seja em nível de graduação ou de
pós-graduação, seja em cursos livres. Segundo o Censo da Educação
Superior de 2016 do Ministério da Educação (MEC), o número de matrículas
em cursos de graduação à distância aproxima-se de 1,5 milhão, o que
corresponde a 18,6% dos 8,04 milhões de universitários no país. Somam-se
a esse contingente cerca de 2,9 milhões de alunos dos cursos livres
corporativos e não corporativos, conforme contabilizou o censo da
Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed). Uma década atrás, a
educação à distância (EAD) respondia por 4,2% dos graduandos
brasileiros e os cursos presenciais concentravam 95,8% das matrículas.
Apenas em um ano, de 2015 para 2016, a educação à distância assistiu ao
aumento de 7,2% das matrículas, ao passo que a educação presencial teve
queda de 1,2%. O MEC projeta que em cinco anos a educação à distância
deverá responder por metade das matrículas na educação superior
brasileira.
O
avanço do ensino à distância começou para atender as salas de aula do
ensino básico. “No Brasil, houve fomento à educação à distância a partir
de 2004 porque havia a necessidade de qualificar os professores. Muitos
não tinham a formação de nível superior exigida pela lei e era preciso
aumentar a quantidade de docentes com licenciatura”, diz William Klein,
CEO da Hoper Educacional. Passada pouco mais de uma década, as pessoas
começaram, de um lado, a enxergar a educação à distância como uma
alternativa para se formar, se especializar ou mesmo satisfazer uma
necessidade de aprender algo importante para a vida. “A educação à
distância está atendendo pessoas que buscam todo tipo de objetivo: quem
quer um diploma, quem quer se aperfeiçoar profissionalmente e quem tem
motivações pessoais para estudar”, analisa Betina von Staa, consultora
em inovação educacional e coordenadora técnica do censo da Abed.
Junto
com a demanda, a oferta cresce. Segundo o censo da Abed, o número de
novas instituições que oferecem EAD aumentou em 22%, ao passo que a
quantidade de estabelecimentos que oferecem educação em geral aumentou
4%. O negócio está concentrado nas mãos de grandes grupos privados, com
capacidade de investimento para implantar os polos e investir em
tecnologia, materiais e conteúdos didáticos. O setor privado corresponde
a 68% das instituições que atuam no segmento.
Outros
fatores ajudam a compreender a explosão da educação à distância no
Brasil: da diversidade da oferta, passando pela mensalidade que “cabe no
bolso”, à diminuição do preconceito quanto à qualidade dos cursos. Ao
contrário do que muitos acreditam, a legislação estabelece que os
diplomas de educação à distância possuem o mesmo valor dos diplomas dos
cursos presenciais. Em 2007, única vez em que o Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) divulgou uma análise do
desempenho dos dois grupos no Enade, os alunos à distância se saíram
melhor em sete das 13 áreas comparadas. “Vinte anos atrás, a educação à
distância era uma inovação. Hoje, a EAD é natural, sobretudo para os
mais jovens”, afirma João Vianney, consultor da Abed e da Hoper
Educacional. Além disso, a tecnologia permite levar a educação para quem
não tem outra opção. “No interior e em regiões como a Amazônia, muitas
vezes a única alternativa para quem quer estudar é o ensino à
distância”, afirma Betina.
Foi a solução para
Andréa Aparecida de Almeida. Ela mora em Taiaçupeba, distrito na zona
rural de Mogi das Cruzes, São Paulo, e cursa o 1º semestre de pedagogia à
distância na Universidade do Norte do Paraná (Unopar). Casada e mãe de
dois filhos, Andréa trabalha como monitora numa reserva florestal da
Suzano Papel e Celulose. Ela passa o dia percorrendo trilhas no meio da
Mata Atlântica com os visitantes, ensinando os moradores da cidade a se
entender com a floresta, longe do sinal do celular. “Minha rotina exige
muito deslocamento. Dependendo da época do ano e da demanda de
visitação, passo o dia no parque atendendo estudantes e professores”,
diz. Sua formação original, mais de dez anos atrás, foi em radiologia.
Mas no contato com a reserva decidiu virar educadora ambiental. “Como o
curso é à distância, consigo estudar dentro de casa, nos horários
possíveis”, explica. “Pensei em fazer biologia, mas escolhi pedagogia
porque sentia necessidade de aprofundar o meu lado educadora”, diz
Andréa. “Quero trabalhar com educação e com crianças de uma maneira
aberta, sem os limites de uma sala de aula.”
Um curso à distância
também ajudou Letícia Monte Faustino, de Campinas (no interior de São
Paulo), a reposicionar sua carreira. Aos 26 anos, ela está cursando o 3º
semestre de análise de sistemas à distância na Universidade Cruzeiro do
Sul (Unicsul). O curso é sua segunda graduação. Em 2014, ela se formou
em engenharia de materiais na Universidade Federal de São Carlos
(Ufscar). Mas teve dificuldade para entrar no mercado de trabalho. “O
tempo foi passando e eu fiquei numa situação delicada, pois não era mais
uma recém-formada nem tinha experiência profissional”, conta Letícia.
Então, voltou a estudar. “Queria ingressar numa área com o mercado de
trabalho mais aquecido e que tivesse a ver comigo”, aprofunda Letícia,
que diz gostar de tecnologia. Ela afirma que a comodidade foi
fundamental para poder estudar. “Quando comecei o curso, ainda estava
procurando emprego em engenharia, então não queria ter todo o dia tomado
com aulas e estudo.” Com a guinada profissional, Letícia agora faz
estágio no Instituto de Pesquisa da Samsung, em Campinas, onde trabalha
com o desenvolvimento de games.
A flexibilidade da tecnologia e
das metodologias dos cursos à distância não significa, necessariamente,
uma rotina de estudos leve. Pelo contrário. O sucesso do aluno depende
essencialmente de organização e disciplina. Por isso, a motivação
interna para se aperfeiçoar é fundamental, analisa Ivete Palange,
conselheira da Abed. Para evitar a falta de estímulo e a sensação de
isolamento, em decorrência da ausência de contato físico com os colegas
de turma, a recomendação é criar uma rotina de estudos, com dias,
horários e tempo de dedicação definidos. E segui-la rigorosamente. “A
rotina evita o abandono do curso”, diz.
O curso à distância abriu as portas para a
ascensão profissional do administrador Juan Pablo Diehl Severo, de
Porto Alegre. Ele começou a estudar assim em 2006, quando ingressou na
graduação em administração na Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS), num projeto pioneiro da Escola de Administração da UFRGS e do
Banco do Brasil voltado para funcionários, mas aberto a qualquer pessoa
em busca de formação na área. Durante quatro anos, Juan Severo,
funcionário do Banco do Estado do Rio Grande do Sul, sustentou uma
rotina diária de aulas e estudo, complementada por provas presenciais a
cada quinzena. “Foi uma experiência importante e diferente. Apesar da
flexibilidade, o curso era muito estruturado, com tutores e professores
bem preparados”, lembra. Pouco depois de se graduar, em 2010, Severo
participou de um processo seletivo do banco e foi transferido do
atendimento em agência para a área administrativa, conforme almejava.
Depois da graduação, ele iniciou uma especialização em marketing, que
abandonou, porque avaliou que o material didático era de má qualidade.
“Todo o conteúdo era oferecido em CDs e o suporte ao aluno era
precário”, lembra. Em 2015, iniciou e concluiu uma especialização em
gestão de pessoas. Atualmente, faz dois cursos de francês on-line, pois
planeja viajar para a França com a esposa em 2019.
Essa
flexibilidade do curso à distância também pode ser útil para o
desenvolvimento pessoal, independentemente de alguma aplicação imediata
na carreira. Foi o que descobriu a advogada Daniela Stump. Mestre em
Direito Ambiental pela Universidade de São Paulo (USP) e sócia da
Machado Meyer Advogados em São Paulo, Daniela está fazendo um curso
livre de oito semanas ofertado pela Universidade Berkeley, nos Estados
Unidos, chamado “A ciência da felicidade” na plataforma edX, que reúne
algumas das mais renomadas instituições americanas. “Troquei o Netflix
pela edX”, brinca Daniela, entusiasmada com o curso. “Sempre fiz cursos
presenciais, não tinha ideia de como é estudar à distância. É muito
estimulante! Dá vontade de sentar-se ao computador para assistir a
videoaulas e participar dos chats, mesmo que seja entre as 22 horas e a
meia-noite, quando os filhos estão na cama e depois de um dia de
trabalho”, conta, ao descrever sua rotina. “Estou aprendendo muito sobre
mim mesma e sobre as pessoas de maneira geral.” Daniela diz que graças
ao curso está compreendendo a origem de seu interesse por temas como
diversidade e inclusão. Hoje ela atua num projeto voltado para ampliar a
participação de minorias no escritório. “Já existem estudos de
neurociência e psicologia que mostram que a felicidade está ligada a
quanto nos dedicamos aos outros. Isso me fez entender por que gosto
tanto do projeto.”
Mudanças recentes na legislação sobre educação à
distância prometem romper as fronteiras que ainda restam. O novo marco
legal acaba com exigências do MEC para o credenciamento de instituições e
abertura de cursos. Isso favorece a entrada de instituições de pequeno e
médio porte num mercado hoje dominado por grandes grupos educacionais.
Até então, era preciso esperar até dois ou três anos para ter um pedido
limitado de abertura de polos com a tramitação concluída pelo MEC.
Agora, a instituição pode abrir certo número de polos todo ano. A
diversidade de opções deve se multiplicar. Voltar a estudar ficará cada
vez mais irresistível.
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