Lya Luft*
Talvez eu não pareça simpática, mas, no meu caso, a resposta é não.
Filho, para mim, tem algo de tão transcendente e vital
ao mesmo tempo, toma conta tão visceralmente de mim, eu toda, que
nenhuma obra de arte que eu pudesse produzir se aproximaria dessa
sensação. Nem livro, nem música, nem pintura, nem dança, nem nada. Eu
não morreria por nenhum de meus livros: morreria, sim, por cada um dos
meus filhos, e, hoje, cada um de meus sete netos e netas. Pois são parte
da minha vida: essa história de carne da minha carne, sangue do meu
sangue, tem proporções ainda maiores: alma da minha alma.
Sim, eu tendo a ser mãe desmesurada, já me disseram que
minha verdadeira vocação nem é escritora, mas galinha choca. Imagino
que minha razoável dose de bom senso não os tenha superprotegido, pois
todos têm suas vidas, casamento, profissão, escolhas, bem determinadas e
diferentes: médica, agrônomo, filósofo. Não fiz os temas por eles, não
os protegi nem controlei neuroticamente, e, quando preciso, botei
limites. Algumas vezes - me arrependo sim - perdendo a cabeça quando a
zoeira era demais, e afinal mãe, tradutora, professora, motorista da
família, está sempre à beira... não de um ataque de nervos, mas de
romper as cordas da paciência. Preocupação, ansiedade (sou ansiosa,
sim), mas enormes alegrias, orgulho, parceria, eventuais dissenções -
que família não é santidade -, mas uma vida sem eles eu jamais
imaginaria nem quereria ter.
Sim, o destino levou um deles, o do meio, com seu
sorriso fascinante, seus prodigiosos olhos azuis, sua bondade, alegria,
energia incrível, mas afinal ele continua aqui, conosco que o amamos
tanto.
E os livros? Os livros não são filhos meus: são
produtos. Do meu trabalho e do meu prazer, de algum dom que eu tenha, da
imaginação, do conhecimento da língua, de habilidade em escrever depois
de tantos e tantos anos, sobretudo lendo e traduzindo loucamente -
melhor exercício para aprender qualquer idioma.
Mas, claro, tenho imenso cuidado com cada um deles. Em
cada livro, cada página, sempre coloquei o melhor que podia... naquele
momento, depois de reescrever, reler, rearrumar, muitas vezes. Mesmo
assim, se por acaso releio (em geral se me pedem uma palestra sobre),
encontro coisas que hoje talvez escrevesse melhor... ou algumas que me
fazem balançar a cabeça afirmativamente, essa você acertou, guria.
É assim. É isso. Meus amados livros, meus amados
produtos, acabam de aumentar com um novato que está na minha editora, a
Record, para sair possivelmente no segundo semestre. O já anunciado As
Coisas Humanas, reunião de textos avulsos, reflexões, poucas crônicas
reescritas, retoma, enfim, aquelas conversas no ouvido do leitor, que me
fazem tanto bem. Gostem dele, quando aparecer.
(Se não gostarem, não me digam.)
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* Escritora. Tradutora.
Fonte: https://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=e6bdab8d7d26d939ea9ec8247cca8497 25/05/2019
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