"Software
de inteligência artificial ganha Nobel de Física." "Carros autônomos
protestam contra empresas de teletransporte." "Inaugurada uma nova colônia
em Marte." "China concede novo empréstimo aos EUA." Todos esses
títulos são um exercício de ficção, mas que tal imaginar quais serão as
manchetes em 2050, quando chegaremos à metade deste intrincado século XXI?
A tarefa
não é simples. Niels Bohr (1885-1962), o físico dinamarquês, já dizia que é
muito difícil fazer previsões. Ainda assim, o exercício de traçar grandes
cenários é imprescindível nos dias correntes. Isso porque, em uníssono, argumentam
especialistas de diversas áreas do conhecimento, as mudanças que se avizinham
tendem a ter um impacto brutal, talvez único, na espécie humana. Tentar
identificá-las seria um pré-requisito para a sobrevivência.
Isso posto, aperte os cintos. Alguns fatos recentes oferecem um vislumbre, uma amostra, do que nos aguarda no futuro. Considere, por exemplo, que: 1) Em abril, cientistas da Universidade de Tel Aviv, em Israel, imprimiram um coração em 3D. Para isso, usaram como base um tecido humano. O pequeno órgão tinha 3 cm, igual ao de um coelho, e era completo: com válvulas, vasos sanguíneos, ventrículos e câmaras. Isso se chama bioimpressão.
Isso posto, aperte os cintos. Alguns fatos recentes oferecem um vislumbre, uma amostra, do que nos aguarda no futuro. Considere, por exemplo, que: 1) Em abril, cientistas da Universidade de Tel Aviv, em Israel, imprimiram um coração em 3D. Para isso, usaram como base um tecido humano. O pequeno órgão tinha 3 cm, igual ao de um coelho, e era completo: com válvulas, vasos sanguíneos, ventrículos e câmaras. Isso se chama bioimpressão.
2) A
edição genética é um fato. Uma técnica conhecida pelo acrônimo CRISPR permite
que trechos do genoma sejam "recortados" e "colados", à
semelhança de um editor de textos, alterando as características originais do
DNA. Esperava-se esse tipo de recurso
fosse empregado em humanos por volta de 2050. Em janeiro, contudo, o cientista chinês He Jiankui disse que realizou tal "feito" (as aspas ficam por conta das implicações éticas de tal iniciativa). A alteração por ele promovida teria tornado duas meninas gêmeas imunes ao vírus da aids.
fosse empregado em humanos por volta de 2050. Em janeiro, contudo, o cientista chinês He Jiankui disse que realizou tal "feito" (as aspas ficam por conta das implicações éticas de tal iniciativa). A alteração por ele promovida teria tornado duas meninas gêmeas imunes ao vírus da aids.
3) É
provável que boa parte dos bebês nascidos no ano passado estejam vivos em 2118,
em pleno século XXII. Isso porque a expectativa de vida dos seres humanos está
alcançando a marca dos 100 anos.
Mas é possível
prever o que vem por aí? Em grande medida, sim. O futuro não é um pote vazio.
Muitas das engrenagens que movimentarão o planeta nas próximas décadas já estão
em movimento. Elas são perenes. Em "O Mundo em 2050", Laurence Smith,
professor de geografia e ciências espaciais da Universidade da Califórnia em
Los Angeles (Ucla), inclui nessa lista itens como a demografia, a demanda por
recursos naturais e a globalização. Um estudo da consultoria EY (Ernst &
Young), "Megatrends Report", acrescenta a tecnologia a esses tópicos.
O que chamamos de "amanhã" nasce da ação contínua de elementos desse
tipo.
A
demografia, por exemplo, embala alterações que prometem ser estonteantes. A
Terra, esta pequena e frágil nave azul, levou 11,8 mil anos para acumular 1
bilhão de habitantes. Isso aconteceu em 1807. A partir daí, o ritmo de
concentração de terráqueos disparou. Os bilhões foram se acumulando em prazos
cada vez mais curtos, começando por 130 anos, depois 30 anos, 15 anos, 12
anos... Hoje, indicam estimativas da ONU, a população global é de 7,6 bilhões.
Em 2050, será de 9,8 bilhões - e, até onde as estatísticas podem enxergar, 11,2
bilhões, em 2100.
Os saltos
populacionais acontecerão em países pobres ou em desenvolvimento. Esqueça a
China, no entanto. Ela vai perder o título de nação mais populosa do planeta. O
número de chineses aumentará até 2020, atingindo o pico de 1,4 bilhão. A partir
daí, cairá. Em 2050, a Índia será o país com a maior população do mundo,
concentrando 1,6 bilhão de pessoas - e avançará até 1,7 bilhão, em 2060. A
Nigéria também vai se destacar nessa corrida das grandes massas, cujo prêmio, a
superpopulação, promete não ser nada palatável ao vencedor. O país africano
assumirá o terceiro lugar nesse ranking, com contingente de 410,6 milhões, mais
que o dobro dos atuais 190,8 milhões. O Brasil chegará aos 238 milhões de
habitantes em 2050. A boa notícia é que retornará à casa dos 200 milhões, em
2100.
Observe-se
que, no caso da China, as próximas décadas mostram-se bastante benevolentes. Ao
mesmo tempo que o país reduz o peso da pressão populacional, vai assumir o
posto de maior potência econômica global, superando os Estados Unidos. Algumas
previsões indicam que essa virada deve ocorrer em 2030. Nesse ano, técnicos do
HSBC calculam que o PIB chinês atingirá US$ 26 trilhões, acima dos atuais US$
14,1 trilhões. No mesmo período, o produto americano deve passar de US$ 20,4
trilhões para US$ 25,2 trilhões. Não está claro, no entanto, até que ponto esse
poderio econômico vai se converter em hegemonia em campos como a ciência, por
exemplo.
Muitos
especialistas creem que, para isso, o gigante asiático teria de afrouxar o
ambiente político, tornando-o menos arredio ao florescimento intelectual.
"Não resta dúvida de que os chineses estarão à frente no aspecto
quantitativo", diz Eduardo Mello, coordenador da graduação em relações internacionais
na Fundação Getulio Vargas (FGV). "Mas estarão ainda longe de atingir o
mesmo padrão de vida dos americanos."
O perfil
étnico dos países desenvolvidos também deve mudar. O multiculturalismo tende a
se acentuar e, com ele, as tensões que o tema desperta. Estimativas feitas pelo
instituto americano Pew Research Center indicam que o grupo de muçulmanos, por
exemplo, deve triplicar em algumas nações europeias até a metade deste século.
Em 2016, havia 25,8 milhões de muçulmanos na Europa, o equivalente a 4,9% da
população do continente. Em 2050, serão 14% ou 75,6 milhões. Nesse cenário, que
leva em conta a manutenção das atuais taxas de migração, a presença de
muçulmanos saltaria de 8,1% para 30,6% na Suécia; 6,1% para 19,7% na Alemanha;
e 8,8% para 17,2% no Reino Unido.
O número
de megacidades, regiões que acumulam mais de 10 milhões de habitantes, vai
aumentar. Em 1990, havia dez delas no mundo. Estudos da ONU apontam que,
atualmente, elas são 31 e, em 2030, serão 43. Em 2028, Nova Déli, a capital
indiana, hoje com 27 milhões de habitantes, deve ultrapassar Tóquio, atualmente
com 37 milhões, como a cidade mais populosa do planeta. "A tendência nos
grandes centros urbanos é de forte adensamento e mudanças de hábitos como o
transporte individual", afirma Heitor Martins, sócio da consultoria
McKinsey. "Por isso, é possível que sobrem mais espaços para as pessoas.”
Hoje, os carros sem motoristas já representam uma esperança de mobilidade nesses conglomerados gigantes. E há sinais de que eles estão prestes a invadir as ruas. Em abril, a Uber confirmou que oferecerá esse tipo de serviço nos Estados Unidos em 2021. Ou seja, daqui a insignificantes dois anos. Em declaração recente, porém, Jim Hackett, o CEO da Ford, foi menos otimista. Ele afirmou que a montadora americana também avança nesse campo e deve apresentar novidades em breve, mas os primeiros veículos autônomos terão um raio de ação limitado.
Hoje, os carros sem motoristas já representam uma esperança de mobilidade nesses conglomerados gigantes. E há sinais de que eles estão prestes a invadir as ruas. Em abril, a Uber confirmou que oferecerá esse tipo de serviço nos Estados Unidos em 2021. Ou seja, daqui a insignificantes dois anos. Em declaração recente, porém, Jim Hackett, o CEO da Ford, foi menos otimista. Ele afirmou que a montadora americana também avança nesse campo e deve apresentar novidades em breve, mas os primeiros veículos autônomos terão um raio de ação limitado.
O
principal desafio a ser superado é a acurácia dos sistemas tecnológicos. De
acordo com Amnon Shashua, CEO da Mobileye, fabricante de tecnologia autônoma de
Israel, comprada pela Intel em 2017, hoje, o índice de acidentes fatais de
trânsito nos Estados Unidos gira em torno de uma morte por um milhão de horas
de condução. Sem casos de embriaguez e o uso do celular ao volante, ela poderia
ser reduzida em dez vezes. Isso significa que um carro autônomo deve falhar no
máximo uma vez a cada 10 milhões de horas de direção. Atualmente, observou
Shashua, em declaração à revista "Technology Review", do MIT, essa
taxa é de uma vez a cada dezenas de milhares de horas. Além do mais, faltam
mapas mais detalhados das ruas e é preciso criar novas redundâncias nos
equipamentos de percepção das máquinas. Ainda assim, 2021, ou um pouco além,
está logo aí.
A tecnologia, aliás, é uma dessas engrenagens básicas que constroem o futuro desde já. Hoje, boa parte do debate em torno de promessas nesse campo gira em torno da inteligência artificial, conhecida pela sigla IA. Ela, por exemplo, na base do desenvolvimento dos veículos autônomos. Para muitos, tornou-se elusiva - ou seja, tem tamanho potencial que não se pode divisar aonde chegará. Para outros, como Thomas Malone, professor de administração do MIT, trata-se de um sistema especializado, capaz de realizar apenas tarefas específicas. Sendo assim, ainda tem muito chão para provar a que veio.
A tecnologia, aliás, é uma dessas engrenagens básicas que constroem o futuro desde já. Hoje, boa parte do debate em torno de promessas nesse campo gira em torno da inteligência artificial, conhecida pela sigla IA. Ela, por exemplo, na base do desenvolvimento dos veículos autônomos. Para muitos, tornou-se elusiva - ou seja, tem tamanho potencial que não se pode divisar aonde chegará. Para outros, como Thomas Malone, professor de administração do MIT, trata-se de um sistema especializado, capaz de realizar apenas tarefas específicas. Sendo assim, ainda tem muito chão para provar a que veio.
Coração impresso
em 3D, pelo processo de bioimpressão, que tem como base
um tecido humano: com 3
cm, é igual ao de um coelho, e é completo
Seja como
for, no futuro, essa "massa cinzenta" de bits vai se associar à uma
parafernália composta por robôs, internet das coisas, big data (hoje, tornou-se
lugar-comum dizer que os dados estão para a era digital assim como o petróleo
estava para a era industrial), sensores, automação, impressão 3D, realidade
aumentada e virtual, computação quântica, além de avanços na biotecnologia e na
nanotecnologia. Tudo isso provocará um choque que atingirá a medula da
humanidade.
Como se
trata de uma tecnologia de propósito geral, como a energia, a IA surge como uma
solução para problemas que vão da calvície à cura do câncer. Essa expectativa
alcança em cheio o mundo dos negócios. Ela foi captada por uma pesquisa
realizada pelo Fórum Econômico Mundial, em 2015. À época, foram entrevistados
cerca de 800 executivos. O levantamento constatou que 45% deles esperavam que
uma máquina dotada de inteligência artificial tivesse assento no conselho de
administração de suas empresas até 2025. Ainda está em tempo.
Na mesma
proporção, a tecnologia desperta temores. Um deles diz respeito à
singularidade. O termo tem significados distintos. Refere-se, por um lado, ao
momento em que a IA suplantaria e escaparia do controle da inteligência humana.
Surgiria, então, uma mente superior de bytes e bits, como define Nick Bostrom,
professor de filosofia na Universidade de Oxford, no livro
"Superinteligência" (na versão em português). Para alívio da espécie,
não existe data plausível para tal guinada. Mas há especulações. Uma estimativa
feita com diversos tecnólogos indica os seguintes prazos para que o QI da
máquina se iguale ao dos humanos: 10% de chances até 2022, 50% até 2040 e 90%
até 2075. Depois disso, a maioria (entre 50% e 70%) imagina que seriam
necessários mais 30 anos para o advento da superinteligência. Ou seja, o ocaso
da mente analógica.
No
dicionário do "tecnolês", a palavra singularidade também designa o
instante em que a mente humana seria transferida para um computador, libertando
o cérebro do corpo. Como indica Dora Kaufman, no livro "A Inteligência
Artificial Irá Suplantar a Humana?", haveria, nesse caso, um processo de
upload da mente, numa espécie de fusão entre homens e máquinas (um processo que
já teve início com a implantação de chips em pessoas).
Parece
ficção científica - e, por enquanto, é. Mas gente como Elon Musk, da Tesla
Motors, e empresas como o Google fazem apostas firmes nessa possibilidade.
Aqui, contudo, as previsões para a conversão em realidade são mais largas.
Apontam para um ponto qualquer entre 2100 e 2200. Ainda assim, o inventor e
futurólogo americano Raymond Kurzweil, autor de "The Singularity Is
Near", é mais otimista. Ele diz crer que pessoas com uma conta bancária
igualmente otimista podem pensar nesse tipo de singularidade, uma quase
imortalidade, em 2050.
Outra
fonte tanto de sobressaltos como de alentos da tecnologia é a "Quarta
Revolução Industrial". Ela aglutina elementos como a inteligência
artificial, os robôs e a automação em estruturas fabris nas quais a presença
dos humanos tende a ser uma raridade. Chacoalha não só os meios, mas o modo de
produção em um sem-número de setores da atividade humana. "Esse é o tipo
de mudança que ocorre a cada 150 anos", diz Denis Balaguer, diretor do
Centro de Inovação da consultoria EY. "Ela forma o que chamamos de ondas
longas de transformação."
Por um
lado, a "quarta revolução" traz ganhos de eficiência e produtividade.
Por outro, cria impasses sociais. Uma pesquisa do Fórum Econômico Mundial apontou
que esse processo de produção poderia eliminar 7,1 milhões de empregos nas 15
maiores economias globais até o ano que vem. Em "The Future of
Employment", Carl Benedikt Frey e de Michael Osborne, economistas da
Universidade de Oxford, analisaram as perspectivas de 702 profissões diante do
futuro da automação. A dupla concluiu que 47% delas vão evaporar em dez anos.
Carro
autônomo da Daimler: hoje, carros sem motoristas representam esperança de
mobilidade em
randes centros, e Uber promete o serviço nos EUA em 2021
O
escritor Martin Ford, autor de best-sellers como "The Lights in the
Tunnel" e "Rise of the Robots", vai mais longe. Para ele, até
empregos qualificados como os de médicos e advogados vão evaporar com a
robotização. Uma análise da consultoria McKinsey, divulgada em 2017, constatou
ainda que, com a tecnologia já disponível, é possível substituir metade das
atividades que as pessoas hoje são pagas para executar. Se isso ocorresse,
seriam afetados 1,2 bilhão de trabalhadores. No Brasil, as máquinas poderiam
ocupar desde já 50,1% dos postos de trabalho. "O fato é que essas
tendências alteram os requisitos para a educação e a formação dos novos profissionais",
diz Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas
Educacionais da FGV-RJ. "As pessoas terão de desenvolver as competências
que as distinguem das máquinas como a empatia, a resiliência e o
autocontrole."
Em um
mundo diferente, as leis e regras também tendem a ser definidas de uma nova
maneira. Nesse campo, começa a ganhar força o conceito de uma
"regulamentação adaptativa". Ou seja, as normas seriam revistas (ou
adaptadas) com a rapidez exigida por mercados hiperdinâmicos, por meio de
ferramentas digitais como IA. Aliás, a própria inteligência artificial exigirá um
ordenamento específico em torno de temas ligados à ética e à forma como esses
mecanismos funcionam. Mesmo porque, enquanto os algoritmos gerenciam nossas
vidas, quem gerencia os algoritmos? Será que eles atuam de maneira isenta, sem
preconceito? Ou privilegiam homens em detrimento de mulheres?
Além do
mais, sensores ubíquos e assistentes digitais vão tornar a privacidade e a
segurança dos dados mais delicadas. Sua atividade também terá de ser regulamentada.
O historiador israelense Yuval Harari, autor de best-sellers como
"Sapiens" (L&PM, 2015) e "Homo Deus" (Companhia das
Letras), identifica como o maior problema político, legal e filosófico da nossa
época a normatização da propriedade dos dados. Ele observa que, no passado,
para definir os donos de terras bastava colocar uma cerca em torno de um
terreno. "Mas os dados?", questiona Harari. "Eles estão em toda
parte - e em nenhuma."
A
crescente pressão sobre os recursos naturais, movida tanto pelas necessidades
como pelos desejos humanos, é outra força perene, com forte impacto no futuro.
Jared Diamond, professor de geografia da Ucla, autor do clássico "Armas,
Guerras e Aço" (Record), criou uma maneira prática para mostrar que a
conta dessa demanda não fecha. Ele estabeleceu que é 32 o fator de consumo para
cidadãos que vivem em países desenvolvidos. Isso significa que as pessoas que
residem na América do Norte, Europa Ocidental, Japão e Austrália consomem 32
vezes mais recursos naturais e produzem 32 vezes mais lixo do que um queniano,
cujo mesmo fator é igual a 1.
Se fosse
possível equiparar, num estalar de dedos, o nível de consumo de todos os
cidadãos dos países em desenvolvimento ao patamar vigente nas nações ricas, a
absorção global de recursos aumentaria em 11 vezes. Seria como se a atual
população mundial passasse de 7 bilhões para mais de 70 bilhões de uma hora
para outra. Considerando a população estimada para 2050, em torno de 9,8
bilhões de pessoas, esse desafio seria ainda mais absurdo. Haveria uma demanda
por recursos equivalente a uma população global de mais de 100 bilhões de
habitantes.
Em 2050,
a Índia será o país com a maior população do mundo, concentrando
1,6 bilhão de
pessoas - e avançará até 1,7 bilhão, em 2060
É por
isso que o futuro exige alternativas para o suprimento até de necessidades
básicas, como a comida. Estimativas indicam que, mantido o atual ritmo de
consumo, a demanda por alimentos será 60% maior no mundo em 2050. A procura por
energia crescerá 50% e por água, 40%. Existem, porém, atalhos tecnológicos para
fugir dessa armadilha. Começam a surgir, por exemplo, substitutos de base
vegetal para carnes e laticínios. Esse tipo de solução poderia ainda reduzir as
ineficiências do atual modo de produção agrícola. Hoje, por exemplo, são
necessárias cem calorias de insumos alimentares para gerar três calorias de
carne bovina para consumo humano. A carne do boi requer ainda 20 vezes mais
terra e emite 20 vezes mais gases de efeito estufa por unidade de proteína
comestível, se comparada a fontes de proteína de origem vegetal.
A biotecnologia também está sendo usada para produzir, em laboratório, carne, proteínas lácteas e produtos como couro. As células animais, nesse caso, são cultivadas em um meio de aminoácidos, açúcares, minerais e água. O método obtém uma caloria de produção para apenas três de entrada. Esse modelo reduz a emissão de gases do efeito estufa, o consumo de água e até problemas sanitários. O cultivo de alimentos também pode ocorrer em "fazendas verticais", prédios com andares destinados ao plantio. A produção, nesse caso, estaria livre de intempéries climáticas, próxima à demanda e atenderia à preferência dos consumidores por produtos frescos.
A biotecnologia também está sendo usada para produzir, em laboratório, carne, proteínas lácteas e produtos como couro. As células animais, nesse caso, são cultivadas em um meio de aminoácidos, açúcares, minerais e água. O método obtém uma caloria de produção para apenas três de entrada. Esse modelo reduz a emissão de gases do efeito estufa, o consumo de água e até problemas sanitários. O cultivo de alimentos também pode ocorrer em "fazendas verticais", prédios com andares destinados ao plantio. A produção, nesse caso, estaria livre de intempéries climáticas, próxima à demanda e atenderia à preferência dos consumidores por produtos frescos.
Agora,
apesar de todos esses desafios e impasses, o mundo será um lugar melhor para
viver em duas ou três décadas? O cientista cognitivo Steven Pinker, professor
de psicologia em Harvard, diz acreditar que sim. Pelo menos, é o que se
depreende da leitura de "O Novo Iluminismo" (Companhia das Letras).
No livro, ele desanca alarmistas e apocalípticos. Usa 75 gráficos para mostrar
como a vida, a saúde, a prosperidade, a paz, o conhecimento e a felicidade
estão em ascensão contínua no planeta ao logo da história humana. Pinker
considera que, agora, na segunda década do século XXI, testemunhamos a ascensão
de movimentos políticos segundo os quais seus países estão sendo empurrados
para uma distopia infernal por facções malignas que só podem ser combatidas por
um líder forte. Ele apresenta como contraponto a essa visão os ideais do
Iluminismo: a razão, a ciência, o humanismo e o progresso.
O
problema, contra-argumentam intelectuais como Yuval Harari, é que não está
fácil para ninguém resolver, ou mesmo atenuar, os impasses globais mais agudos.
Tome-se como exemplo a questão do clima. A ciência indica que a atividade
humana está alterando a composição química da atmosfera. A emissão de gases que
provocam o efeito estufa aumenta a cada ano e deve elevar a temperatura da
Terra em 2°C até 2050. Ocorre que um único país, observa Harari, não conseguirá
solucionar esse imbróglio e não existe uma governança global capaz de conter
tal estrago.
O
astrofísico britânico Martin Rees, autor de "On the Future, Prospects for
Humanity" ("Sobre o Futuro, Perspectivas para a Humanidade"),
também identifica entraves crescentes de governabilidade para combater as
ameaças do século XXI, embutidas em áreas como a cibernética, a inteligência
artificial e a biotecnologia. Como agravante, ele adverte, as mídias sociais
ainda potencializam o pânico e os boatos. Para Rees, vai ser difícil
estabelecer um ponto de equilíbrio entre a privacidade, a segurança e a
liberdade em um mundo no qual poucas pessoas - por erro ou projeto - podem
causar distúrbios em escala global.
E se o
período 30 anos parece curto para que ocorram mudanças tão expressivas, olhe
pelo retrovisor. Pense em 1999. Ali, Larry Page e Sergey Brin, a dupla que
fundara o Google em 1998, deixava a garagem onde a empresa estava instalada
para ocupar um novo escritório, lotado de funcionários: eram oito, no total.
Mark Zuckerberg, aos 15 anos, brigava contra as espinhas enquanto interligava
os computadores de sua casa. Só criaria o Facebook em 2004. Bill Clinton esgueirava-se dos respingos do caso Monica
Lewinsky e Boris Ieltsin renunciava à Presidência da Rússia. Em seu lugar,
assumia um líder promissor, ainda que um tanto sorumbático, de nome Vladimir
Vladimirovitch Putin. No Brasil, Fernando Henrique Cardoso iniciava o segundo
mandato como presidente em meio a uma baita crise do real. A internet era usada
por 6,5% dos terráqueos. Hoje, alcança 51%. Pois parece que tudo isso aconteceu
em outro mundo. Por falar nisso, um adendo: a Nasa planeja levar humanos para
Marte em 2033. Quem sabe não começa ali a colonização do planeta vermelho?
Tempo, certamente, não faltará.
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Reportagem
Por Carlos Rydlewski | Para o Valor, de São Paulo
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