Além
das políticas econômicas e sociais, os governos devem se preocupar
também em promover programas de educação para pais. É o que defende a
cientista política polonesa Renata Kaczmarska, porta-voz do Secretariado
da ONU para questões de família.
Na última sexta, a especialista esteve em São Paulo
para apresentar estudo das Nações Unidas que mostra como políticas
públicas voltadas para a família podem ajudar no cumprimento dos
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, conjunto de 17 metas definidas
pelas ONU que devem ser cumpridas até 2030. O evento foi promovido pela
associação Family Talks em parceria com a Prefeitura de São Paulo.
Em entrevista exclusiva ao Estado, Renata destacou a importância de educar os homens para que eles exerçam uma paternidade responsável.
O
estudo da ONU aponta algumas áreas prioritárias para discutir o impacto
de políticas voltadas para a família. Quais são elas e por que elas
foram priorizadas?
Da perspectiva da família, as áreas
de pobreza, nutrição, saúde e educação são as mais importantes porque
têm um papel direto no alcance dos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável. Isso porque os pais influenciam os comportamentos das
crianças, então se os pais têm recursos suficientes para fornecer
nutrição adequada para as crianças, elas serão mais saudáveis. Na saúde,
se os pais levarem as crianças para serem vacinadas, é a mesma coisa.
Na questão da pobreza, é importante focar na família porque é onde a
pobreza se reproduz, ou seja, você tem que interrompê-la no nível
familiar para que a próxima geração não herde isso.
O
estudo também menciona a importância da igualdade de gênero dentro do
núcleo familiar para que essa igualdade tenha reflexo na sociedade como
um todo. Como buscar essa igualdade em países como o Brasil, onde
milhões de crianças nem sequer têm o nome do pai no registro?
A
paternidade responsável é uma das coisas que devemos promover. Há
países que promovem programas que ensinam o que significa ser pai, o que
é masculinidade, e uma das características é ser responsável. Em muitos
países é comum os homens não reconhecerem seus filhos e as crianças
ficarem sob os cuidados das mães e das avós. Muitos homens acham que sua
única função é econômica, então, se estão desempregados, se afastam. A
questão é que mesmo que eles não tenham como oferecer tanto no aspecto
econômico, eles têm que entender que são muito importantes para a
família e têm que se envolver como puderem: cuidando das crianças,
cozinhando para elas. Temos que mudar essa visão de que a função deles é
econômica. Mas para isso é preciso educação.
E como os governos podem interferir nessas questões sem ferir a autonomia da família?
Esse
é um argumento comum que escuto: que a família está na esfera privada
e, por isso, não deveríamos interferir nelas. No entanto, as decisões
familiares têm real impacto na questão pública. Ninguém está tentando
substituir a família, queremos ajudá-la a executar bem suas funções. A
educação parental tornou-se uma questão importante. Muitos países têm
boas iniciativas. Por exemplo, na África do Sul, há um programa
promovido pelo governo para educar homens e melhorar suas habilidades
como pais. Nas Filipinas, há um programa interessante de transferência
de renda que não é condicionado somente a questões de saúde e educação,
como é aqui no Brasil com o Bolsa Família. Lá, os pais também têm que
frequentar aulas de desenvolvimento familiar, inclusive os homens. Todo
mês eles têm que ir a essas aulas e há turmas separadas de acordo com a
idade das crianças. Eles reúnem educadores, acadêmicos e outros
profissionais, afinal uma criança não vem com um manual. Então é um
programa que incentiva você a ser responsável.
Quais são os melhores formatos de programas de transferência de renda para famílias?
Os
programas de transferência condicional de renda são bons especialmente
em países que ainda têm bolsões de extrema pobreza, onde é necessário
quebrar esse ciclo já para a próxima geração. Eles são bons, mas não são
suficientes. É preciso também investir em infraestrutura básica como
educação de qualidade, acesso à saúde. Outra coisa importante é investir
em programas de atividades para crianças fora do horário escolar. Uma
coisa que temos visto em alguns países são programas intergeracionais,
que tenham atividades para idosos e crianças e nos quais eles possam
interagir.
Essa questão do envelhecimento é outro desafio
para as famílias em todo o mundo. Há países na Europa que já estão
pagando uma espécie de salário aos familiares que atuam como cuidadores
porque geralmente eles têm que deixar seus empregos, certo?
Sim,
em alguns países os idosos podem escolher quem vai cuidar deles, pode
ser alguém da família ou de fora e isso (pagamento) está sendo usado
porque os países querem desafogar os serviços sociais, então já que eles
teriam que pagar de qualquer forma, eles dão mais possibilidades de
escolha para o idoso. E em alguns países, como Hungria e Austrália, esse
modelo é usado também para os cuidadores das crianças. Se as famílias
escolhem os avós, o governo dá dinheiro a eles. Isso é uma opção
interessante em países em que a educação infantil é muito cara.
-------------
Entrevista com Renata Kaczmarska, porta-voz do Secretariado da ONU para questões de família
Reportagem por Fabiana Cambricoli, O Estado de S.Paulo 27 de maio de 2019
Fonte: https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,para-especialista-da-onu-governos-devem-promover-educacao-para-pais,70002844651
Nenhum comentário:
Postar um comentário